Sonetos sobre Mentira de J. G. de Araújo Jorge

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Sonetos de mentira de J. G. de Araújo Jorge. Leia este e outros sonetos de J. G. de Araújo Jorge em Poetris.

Desfolhando

Essa boca, pequena, e assim vermelha,
que ao botão de uma rosa se assemelha,
– quanta vez provocava os meus desejos
desabrochando em flor entre os meus beijos…

Essa boca, pequena e mentirosa,
que diz, tanta mentira cor-de-rosa,
– era a taça de amor onde eu saciava
toda a ansiedade da minha alma escrava …

Beijando-a, compreendia que eras minha…
Meu amor transformava-te em rainha,
teu amor me fazia mais que um rei…

Agora, tu fugiste… E eu sofro, quando
vejo um outro em teus lábios desfolhando
a mesma rosa que eu desabrochei!…

Incoerência ?

Achas-me indiferente… e até crês que há desdém
quando falo de amor em palavras singelas…
– pensas que as juras todas que já ouviste, aquelas
juras, a outras mulheres vou fazer também…

Dizes que não te quero… E eu te pergunto: – a quem
devo tudo o que fiz, as poesias mais belas?
– outras dirão talvez que as fiz pensando nelas,
mas todas te pertencem mais do que a ninguém!

Não vês que o que te cerca é a mentira da vida…
– nem sabes descobrir essa paixão imensa
que o meu orgulho torna egoísta e dolorida…

Não vês que o meu viver é falso, – e se resume
em te amar como um louco em minha indiferença,
e fingir que amo as outras para teu ciúme!

Mentira

Tanta cousa passou… E, no entanto, vivemos
noutros tempos, felizes, como namorados…
– Nossa vida… ora a vida, era um barco sem remos,
levando-nos ao léu… a sonhar acordados…

Ontem juntos, felizes… hoje, separados,
– (não pensei que este amor chegasse a tais extremos…)
E sorrimos em vão… sorrimos conformados
na mentira cruel de que a tudo esquecemos. . .

Cruzamos nossos passos muita vez: – é a vida!
– eu, volto o rosto (fraco à paixão que ainda sinto),
tu, recalcando o amor, nem me olhas, distraída…

Mentira inútil, cruel… se ontem, tal como agora,
tu sabes que padeço, sabes quanto eu minto,
e eu sei quanto este amor te atormenta e devora!

Solitário

Longe de ti, do mundo – solitário.
sem o riso das falsas alegrias
vou desfiando, um a um, todos os dias,
como contas de dor, no meu rosário…

E assim – sem Ter ninguém – oh, quantas vezes!
– no amor que já deixei fico a pensar…
E as semanas se escoam sem parar:
a primeira… outra mais… mais outra… e os meses…

O outono já chegou, e as folhas solta…
E eu, sem querer, nostálgico, me ponho
a pensar que esse amor aos poucos volta…

Mentira!… Vã mentira que me ilude!…
Como é triste a ilusão mesmo num sonho,
Eu que na vida me iludir não pude!…

Amor De Mentiras

“Amor… De Mentiras…”
I
Eram beijos de fogo, eram de lavas,
e sabiam a sonhos e ambrosias.
Como pensar que a boca com que os dava
era a mesma afinal com que mentias?

Se eras as mais humilde das escravas
em dádivas, anseios, alegrias,
– como prever que o amor que me juravas
seria mais uma das tuas heresias ?

Como supor ser tudo um falso jogo?
E crer que se extinguisse aquele fogo
que acendia em teus olhos duas piras?

E descobrir, – no instante em que me amavas, –
que em tua boca ansiosa misturavas
ao mesmo tempo beijos e mentiras ?

Tua Carta

A carta que escreveste é a oração que repito
todas as noites, sempre, antes de me deitar,
à hora em que abro a janela ao azul do infinito
e me ausento de tudo… e me esqueço a sonhar…

Eu, descrente da terra e dos homens, descrente
mais ainda dos céus, com bem maior razão,
murmuro a tua carta religiosamente
pois fiz do teu amor a minha religião…

Tua carta, nem sei… releio-a a todo instante,
ela acende em meus olhos tristes alegrias
e me faz esquecer que te encontras distante…

Paradoxos talvez, mentiras!… Não te esqueço
se toda noite assim ( há não sei quantos dias ),
com teu nome em meus lábios… rezando adormeço!…

Fui Gostar De Você

“Fui Gostar de Você”
I
Fui gostar de você, – isso foi quando
julguei que ainda podia ser feliz. . .
Ilusão!… Hoje as pedras vou tirando
do castelo de amor que eu mesmo fiz…

Conformo-me no entanto, – mesmo estando
como estou, da loucura, por um triz…
E procuro do peito ir apagando
a cor de um vulto de mulher que eu quis…

Quanto sonho fatal! Quanta cegueira
fez com que eu me iludisse com as safiras
de uns olhos lindos de mulher brejeira…

Fui gostar. . . e gostei … Sofri portanto
ao descobrir as múltiplas mentiras
que eram do amor o seu supremo encanto

Amor De Mentiras

“Amor… De Mentiras…”
II
Eram brancas as mãos, brancas e puras,
mãos de lã, de pelúcia, mãos amadas…
Como prever, vendo-as fazer ternuras,
que nas unhas traziam emboscadas ?

Era tão doce o olhar… em conjeturas
felizes, e em promessas impensadas…
Como enxergar, portanto, as amarguras
e as frias traições nele guardadas ?

Como pensar em duas, se somente
uma eu tinha em meus braços, e adorava,
e a outra, – uma impostora, – se mantinha ausente.

E, afinal, como ver, nessa alegria,
que o amor que tanta Vida me ofertava
seria o mesmo que me mataria ?

Razões

“Razões…”
I
Pensarás que é mentira e é no entanto verdade
– mas me afasto de ti, propositadamente,
pelo estranho prazer de sentir que a saudade
ainda torna maior o coração da gente…

Parto! Bem sei que parto sem necessidade!
Quero ver os teus olhos turvos, de repente,
embora não compreenda essa felicidade
que assim te faz sofrer comigo inutilmente!

Quero ouvir-te na hora da despedida
que eu volte bem depressa para a tua vida,
– quero no último beijo um soluço interior…

Que enquanto ficas só, e enquanto vou sozinho,
sabemos que a saudade vai tecendo o ninho
que há de aquecer na volta o nosso eterno amor!