Sonetos sobre Mundo de Luís de CamÔes

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Sonetos de mundo de Luís de CamÔes. Leia este e outros sonetos de Luís de CamÔes em Poetris.

O Raio Cristalino S’estendia

O raio cristalino s’estendia
pelo mundo, da Aurora marchetada,
quando Nise, pastora delicada,
donde a vida deixava, se partia.

Dos olhos, com que o Sol escurecia,
levando a vista em lĂĄgrimas banhada,
de si, do Fado e Tempo magoada,
pondo os olhos no CĂ©u, assi dezia:

-Nasce, sereno Sol, puro e luzente;
resplandece, fermosa e roxa Aurora,
qualquer alma alegrando descontente;

que a minha, sabe tu que, desd’agora,
jamais na vida a podes ver contente,
nem tĂŁo triste nenhĂŒa outra pastora.

NĂŁo Canse o Cego Amor de me Guiar

Pois meus olhos nĂŁo cansam de chorar
Tristezas nĂŁo cansadas de cansar-me;
Pois nĂŁo se abranda o fogo em que abrasar-me
PĂŽde quem eu jamais pude abrandar;

NĂŁo canse o cego Amor de me guiar
Donde nunca de lĂĄ possa tornar-me;
Nem deixe o mundo todo de escutar-me,
Enquanto a fraca voz me nĂŁo deixar.

E se em montes, se em prados, e se em vales
Piedade mora alguma, algum amor
Em feras, plantas, aves, pedras, ĂĄguas;

Ouçam a longa história de meus males,
E curem sua dor com minha dor;
Que grandes mĂĄgoas podem curar mĂĄgoas.

Quando Se Vir Com Água O Fogo Arder

Quando se vir com ĂĄgua o fogo arder,
e misturar co dia a noite escura,
e a terra se vir naquela altura
em que se vem os CĂ©us prevalecer;

o Amor por razĂŁo mandado ser,
e a todos ser igual nossa ventura,
com tal mudança, vossa formosura
entĂŁo a poderei deixar de ver.

Porém não sendo vista esta mudança
no mundo (como claro estĂĄ nĂŁo ver-se),
nĂŁo se espere de mim deixar de ver-vos.

Que basta estar em vós minha esperança,
o ganho de minha alma, e o perder-se,
para nĂŁo deixar nunca de querer-vos.

Se A Fortuna Inquieta E Mal Olhada

Se a Fortuna inquieta e mal olhada,
que a justa lei do CĂ©u consigo infama,
a vida quieta, que ela mais desama,
me concedera, honesta e repousada;

pudera ser que a Musa, alevantada
com luz de mais ardente e viva flama.
fizera ao Tejo lĂĄ na pĂĄtria cama
adormecer co som da lira amada.

Porém, pois o destino trabalhoso,
que me escurece a Musa fraca e lassa,
louvor de tanto preço não sustenta;

a vossa de louvar-me pouco escassa,
outro sujeito busque valeroso,
tal qual em vĂłs ao mundo se apresenta.

O Dia Em Que Eu Nasci, Moura E Pereça

O dia em que eu nasci, moura e pereça,
nĂŁo o queira jamais o tempo dar,
nĂŁo torne mais ao mundo, e, se tornar,
eclipse nesse passo o sol padeça.

luz lhe falte, o sol se [lhe] escureça,
mostre o mundo sinais de se acabar,
nasçam-lhe monstros, sangue chova
o ar, a mãe ao próprio filho não conheça.

s pessoas pasmadas de ignorantes,
as lĂĄgrimas no rosto, a cor perdida,
cuidem que o mundo jĂĄ se destruiu.

Ó gente temerosa, não te espantes,
que este dia deitou ao mundo a vida
mais desgraçada que jamais se viu!

Trocou Finita Vida por Divina, Infinita e Clara Fama

− Não passes, caminhante! − Quem me chama?
− Uma memória nova e nunca ouvida,
De um que trocou finita e humana vida
Por divina, infinita e clara fama.

− Quem Ă© que tĂŁo gentil louvor derrama?
− Quem derramar seu sangue não duvida
Por seguir a bandeira esclarecida
De um capitĂŁo de Cristo, que mais ama.

− Ditoso fim, ditoso sacrifício,
Que a Deus se fez e ao mundo juntamente!
Apregoando direi tĂŁo alta sorte.

− Mais poderás contar a toda a gente
Que sempre deu na vida claro indĂ­cio
De vir a merecer tĂŁo santa morte.

Fortuna Em Mim Guardando Seu Direito

Fortuna em mim guardando seu direito
em verde derrubou minha alegria.
Oh! quanto se acabou naquele dia,
cuja triste lembrança arde em meu peito!

Quando contemplo tudo, bem suspeito
que a tal bem, tal descanso se devia,
por nĂŁo dizer o mundo que podia
achar-se em seu engano bem perfeito.

Mas se a Fortuna o fez por descontar-me
tamanho gosto , em cujo sentimento
a memĂłria nĂŁo faz senĂŁo matar-me ,

que culpa pode dar-me o sofrimento,
se a causa que ele tem de atormentar-me,
eu tenho de sofrer o seu tormento?

Quem Jaz no GrĂŁo Sepulcro

Quem jaz no grĂŁo sepulcro, que descreve
TĂŁo ilustres sinais no forte escudo?
Ninguém, que nisso, enfim, se torna tudo;
Mas foi quem tudo pĂŽde e quem tudo teve.

Foi Rei? Fez tudo quanto a Rei deve:
PĂŽs na guerra e na paz devido estudo.
Mas quĂŁo pesado foi ao Mouro rudo,
Tanto lhe seja agora a terra leve.

Alexandre serå? Ninguém se engane:
Mais que o adquirir, o sustentar estima.
SerĂĄ Adriano grĂŁo senhor do mundo?

Mais observante foi da Lei de cima.
É Numa? Numa nĂŁo, mas Ă© Joane
De Portugal Terceiro sem Segundo.

Que Modo TĂŁo Sutil Da Natureza

Que modo tĂŁo sutil da natureza,
para fugir ao mundo, e seus enganos,
permite que se esconda em tenros anos,
debaixo de um burel tanta beleza!

Mas esconder se nĂŁo pode aquela alteza
e gravidade de olhos soberanos,
a cujo resplandor entre os humanos
resistĂȘncia nĂŁo sinto, ou fortaleza.

Quem quer livre ficar de dor e pena,
vendo a ou trazendo a na memĂłria,
da mesma razĂŁo sua se condena.

Porque quem mereceu ver tanta glĂłria,
cativo hĂĄ de ficar; que Amor ordena
que de juro tenha ela esta vitĂłria.

Olhos Fermosos, Em Quem Quis Natura

Olhos fermosos, em quem quis Natura
mostrar do seu poder altos sinais,
se quiserdes saber quanto possais,
vede-me a mim, que sou vossa feitura.

Pintada em mim se vĂȘ vossa figura,
no que eu padeço retratada estais;
que, se eu passo tormentos desiguais,
muito mais pode vossa fermosura.

De mim nĂŁo quero mais que o meu desejo:
ser vosso; e sĂł de ser vosso me arreio,
porque o vosso penhor em mim se assele.

!TĂŁo me lembro de mim quando vos vejo,
nem do mundo; e nĂŁo erro, porque creio,
que, em lembrar-me de vĂłs, cumpro com ele.

Portugal, TĂŁo Diferente de seu Ser Primeiro

Os reinos e os impérios poderosos,
Que em grandeza no mundo mais cresceram,
Ou por valor de esforço floresceram,
Ou por varÔes nas letras espantosos.

Teve Grécia Temístocles; famosos,
Os CipiÔes a Roma engrandeceram;
Doze Pares a França glória deram;
Cides a Espanha, e Laras belicosos.

Ao nosso Portugal, que agora vemos
TĂŁo diferente de seu ser primeiro,
Os vossos deram honra e liberdade.

E em vĂłs, grĂŁo sucessor e novo herdeiro
Do Braganção estado, hå mil extremos
Iguais ao sangue e mores que a idade.

Que Vençais No Oriente Tantos Reis

Que vençais no Oriente tantos Reis,
que de novo nos deis da Índia o Estado,
que escureceis a fama que ganhado
tinham os que a ganharam a infiéis;

que do tempo tenhais vencido as leis,
que tudo, enfim, vençais co tempo armado,
mais Ă© vencer na pĂĄtria, desarmado,
os monstros e as Quimeras que venceis.

E assi, sobre vencerdes tanto imigo,
e por armas fazer que, sem segundo,
vosso nome no mundo ouvido seja,

o que vos dĂĄ mais nome inda no mundo,
Ă© vencerdes, Senhor, no Reino amigo,
tantas ingratidÔes, tão grande enveja!

Verdade, Amor, RazĂŁo, Merecimento

Verdade, Amor, RazĂŁo, Merecimento,
qualquer alma farĂŁo segura e forte;
porém, Fortuna, Caso, Tempo e Sorte,
tĂȘm do confuso mundo o regimento.

Efeitos mil revolve o pensamento
e nĂŁo sabe a que causa se reporte;
mas sabe que o que Ă© mais que vida e morte,
que não o alcança humano entendimento.

Doctos varÔes darão razÔes subidas,
mas sĂŁo experiĂȘncias mais provadas,
e por isso Ă© melhor ter muito visto.

Cousas hĂĄ i que passam sem ser criadas
e cousas criadas hĂĄ sem ser passadas,
mas o melhor de tudo Ă© crer em Cristo.

Em Flor Vos Arrancou, De EntĂŁo Crecida

Em flor vos arrancou, de entĂŁo crescida
(Ah! senhor dom AntĂłnio!), a dura sorte,
donde fazendo andava o braço forte
a fama dos Antigos esquecida.

ĂŒa sĂł razĂŁo tenho conhecida
com que tamanha mĂĄgoa se conforte:
que, pois no mundo havia honrada morte,
que nĂŁo podĂ­eis ter mais larga a vida.

Se meus humildes versos podem tanto
que co desejo meu se iguale a arte,
especial matéria me sereis.

E, celebrado em triste e longo canto,
se morrestes nas mĂŁos do fero Marte,
na memĂłria das gentes vivereis.

CĂĄ nesta BabilĂłnia

CĂĄ nesta BabilĂłnia, donde mana
Matéria a quanto mal o mundo cria;
CĂĄ, onde o puro Amor nĂŁo tem valia,
Que a MĂŁe, que manda mais, tudo profana;

CĂĄ, onde o mal se afina, o bem se dana,
E pode mais que a honra a tirania;
CĂĄ, onde a errada e cega Monarquia
Cuida que um nome vĂŁo a Deus engana;

CĂĄ, neste labirinto, onde a Nobreza,
O Valor e o Saber pedindo vĂŁo
Às portas da Cobiça e da Vileza;

CĂĄ, neste escuro caos de confusĂŁo,
Cumprindo o curso estou da natureza.
VĂȘ se me esquecerei de ti, SiĂŁo!

Ditosa Ave

Quem fosse acompanhando juntamente
Por esses verdes campos a avezinha,
Que despois de perder um bem que tinha,
NĂŁo sabe mais que cousa Ă© ser contente!

E quem fosse apartando-se da gente,
Ela por companheira e por vizinha,
Me ajudasse a chorar a pena minha,
E eu a ela também a que ela sente!

Ditosa ave! que ao menos, se a natura
A seu primeiro bem nĂŁo dĂĄ segundo,
DĂĄ-lhe o ser triste a seu contentamento.

Mas triste quem de longe quis ventura
Que para respirar lhe falte o vento,
E para tudo, enfim, lhe falte o mundo!

Aquela Que, De Pura Castidade

Aquela que, de pura castidade,
de si mesma tomou cruel vingança
por ĂŒa breve e sĂșbita mudança,
contrĂĄria a sua honra e qualidade

(venceu Ă  fermosura a honestidade,
venceu no fim da vida a esperança
porque ficasse viva tal lembrança,
tal amor, tanta fé, tanta verdade!),

de si, da gente e do mundo esquecida,
feriu com duro ferro o brando peito,
banhando em sangue a força do tirano.

[Oh!] estranha ousadia ! estranho feito !
Que, dando breve morte ao corpo humano,
tenha sua memĂłria larga vida!

VĂłs Outros, Que Buscais Repouso Certo

VĂłs outros, que buscais repouso certo
na vida, com diversos exercĂ­cios;
a quem, vendo do mundo os benefĂ­cios,
o regimento seu estĂĄ encoberto;

dedicai, se quereis, ao desconcerto
novas hontas e cegos sacrifĂ­cios;
que, por castigo igual de antigos vĂ­cios,
quer Deus que andem as cousas por acerto.

NĂŁo caiu neste modo de castigo
quem pĂŽs culpa Ă  Fortuna, quem sĂČmente
crĂȘ que acontecimentos hĂĄ no mundo.

A grande experiĂȘncia Ă© grĂŁo perigo;
mas o que a Deus Ă© justo e evidente
parece injusto aos homens e profundo.

O dia em que nasci moura e pereça,

O dia em que nasci moura e pereça,
NĂŁo o queira jamais o tempo dar;
NĂŁo torne mais ao Mundo, e, se tornar,
Eclipse nesse passo o Sol padeça.

A luz lhe falte, O Sol se [lhe] escureça,
Mostre o Mundo sinais de se acabar,
Nasçam-lhe monstros, sangue chova o ar,
A mãe ao próprio filho não conheça.

As pessoas pasmadas, de ignorantes,
As lĂĄgrimas no rosto, a cor perdida,
Cuidem que o mundo jĂĄ se destruiu.

Ó gente temerosa, não te espantes,
Que este dia deitou ao Mundo a vida
Mais desgraçada que jamais se viu!

Foi JĂĄ Num Tempo Doce Cousa Amar

Foi jĂĄ num tempo doce cousa amar,
enquanto m’enganava a esperança;
O coração, com esta confiança,
todo se desfazia em desejar.

Ó vĂŁo, caduco e dĂ©bil esperar!
Como se desengana ĂŒa mudança!
Que, quanto é mor a bem aventurança,
tanto menos se crĂȘ que hĂĄ de durar!

Quem jĂĄ se viu contente e prosperado,
vendo se em breve tempo em pena tanta,
razĂŁo tem de viver bem magoado.

Porém quem tem o mundo exprimentado,
nĂŁo o magoa a pena nem o espanta,
que mal se estranharĂĄ o costumado.