Sonetos sobre Olhos de Manuel Maria Barbosa du Bocage

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Sonetos de olhos de Manuel Maria Barbosa du Bocage. Leia este e outros sonetos de Manuel Maria Barbosa du Bocage em Poetris.

Magro, de Olhos azuis, Carão Moreno

Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno;

Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura,
Bebendo em níveas mãos por taça escura
De zelos infernais letal veneno;

Devoto incensador de mil deidades
(Digo, de moças mil) num só momento,
E somente no altar amando os frades;

Eis Bocage, em quem luz algum talento;
Saíram dele mesmo estas verdades
Num dia em que se achou mais pachorrento.

Eu Deliro, Gertrúria, eu Desespero

Eu deliro, Gertrúria, eu desespero
No inferno de suspeitas e temores.
Eu da morte as angústias e os horrores
Por mil vezes sem morrer tolero.

Pelo Céu, por teus olhos te assevero
Que ferve esta alma em cândidos amores;
Longe o prazer de ilícitos favores!
Quero o teu coração, mais nada quero.

Ah! não sejas também qual é comigo
A cega divindade, a Sorte dura.
A vária Deusa, que me nega abrigo!

Tudo perdi: mas valha-me a ternura
Amor me valha, e pague-me contigo
Os roubos que me faz a má ventura.

Ó tu, consolador dos malfadados

Ó tu, consolador dos malfadados,
Ó tu, benigno dom da mão divina,
Das mágoas saborosa medicina,
Tranquilo esquecimento dos cuidados:

Aos olhos meus, de prantear cansados,
Cansados de velar, teu voo inclina;
E vós, sonhos d’amor, trazei-me Alcina,
Dai-me a doce visão de seus agrados:

Filha das trevas, frouxa sonolência,
Dos gostos entre o férvido transporte
Quanto me foi suave a tua ausência!

Ah!, findou para mim tão leda sorte;
Agora é só feliz minha existência
No mudo estado, que arremeda a morte.

O Céu, de Opacas Sombras Abafado

O céu, de opacas sombras abafado,
Tornando mais medonha a noite fea,
Mugindo sobre as rochas, que saltea,
O mar, em crespos montes levantado;

Desfeito em furacões o vento irado;
Pelos ares zunindo a solta area;
O pássaro nocturno, que vozea
No agoireiro cipreste além pousado;

Formam quadro terrível, mas aceito,
Mas grato aos olhos meus, grato à fereza
Do ciúme e saudade, a que ando afeito.

Quer no horror igualar-me a Natureza;
Porém cansa-se em vão, que no meu peito
Há mais escuridade, há mais tristeza.

Proposição das rimas do poeta

Incultas produções da mocidade
Exponho a vossos olhos, ó leitores:
Vede-as com mágoa, vede-as com piedade,
Que elas buscam piedade, e não louvores:

Ponderai da Fortuna a variedade
Nos meus suspiros, lágrimas e amores;
Notai dos males seus a imensidade,
A curta duração de seus favores:

E se entre versos mil de sentimento
Encontrardes alguns cuja aparência
Indique festival contentamento,

Crede, ó mortais, que foram com violência
Escritos pela mão do Fingimento,
Cantados pela voz da Dependência.

Invocação à Noite

Ó deusa, que proteges dos amantes
O destro furto, o crime deleitoso,
Abafa com teu manto pavoroso
Os importantes astros vigilantes:

Quero adoçar meus lábios anelantes
No seio de Ritália melindroso;
Estorva que os maus olhos do invejoso
Turbem d’amor os sôfregos instantes:

Tétis formosa, tal encanto inspire
Ao namorado Sol teu níveo rosto,
Que nunca de teus braços se retire!

Tarda ao menos o carro à Noite oposto,
Até que eu desfaleça, até que expire
Nas ternas ânsias, no inefável gosto.

Meus Olhos, Atentai no Meu Jazigo

Meus olhos, atentai no meu jazigo,
Que o momento da morte está chegado;
Lá soa o corvo, intérprete do fado;
Bem o entendo, bem sei, fala comigo:

Triunfa, Amor, gloria-te, inimigo;
E tu, que vês com dor meu duro estado,
Volve à terra o cadáver macerado,
O despojo mortal do triste amigo:

Na campa, que o cobrir, piedoso Albano,
Ministra aos corações, que Amor flagela,
Terror, piedade, aviso, e desengano:

Abre em meu nome este epitáfio nela:
“Eu fui, ternos mortais, o terno Elmano;
Morri de ingratidões, matou-me Isabela.”

Já Sobre o Coche de Ébano Estrelado

Já sobre o coche de ébano estrelado,
Deu meio giro a Noite escura e feia,
Que profundo silêncio me rodeia
Neste deserto bosque, à luz vedado!

Jaz entre as folhas Zéfiro abafado,
O Tejo adormeceu na lisa areia;
Nem o mavioso rouxinol gorjeia,
Nem pia o mocho, às trevas acostumado.

Só eu velo, só eu, pedindo à Sorte
Que o fio com que está mih’alma presa
À vil matéria lânguida, me corte.

Consola-me este horror, esta tristeza,
Porque a meus olhos se afigura a Morte
No silêncio total da Natureza.

Vós, Ó Franças, Semedos, Quintanilhas

Vós, ó Franças, Semedos, Quintanilhas,
Macedos e outras pestes condenadas;
Vós, de cujas buzinas penduradas
Tremem de Jove as melindrosas filhas;

Vós, néscios, que mamais das vis quadrilhas
Do baixo vulgo insossas gargalhadas,
Por versos maus, por trovas aleijadas,
De que engenhais as vossas maravilhas,

Deixai Elmano, que, inocente e honrado
Nunca de vós se lembra, meditando
Em coisas sérias, de mais alto estado.

E se quereis, os olhos alongando,
Ei-lo! Vede-o no Pindo recostado,
De perna erguida sobre vós mijando.

Por esta Solidão, que não Consente

Por esta solidão, que não consente
Nem do sol, nem da lua a claridade,
Ralado o peito pela saudade
Dou mil gemidos a Marília ausente:

De seus crimes a mancha inda recente
Lava Amor, e triunfa da verdade;
A beleza, apesar da falsidade,
Me ocupa o coração, me ocupa a mente:

Lembram-me aqueles olhos tentadores,
Aquelas mãos, aquele riso, aquela
Boca suave, que respira amores…

Ah! Trazei-me, ilusões, a ingrata, a bela!
Pintai-me vós, oh sonhos, entre as flores
Suspirando outra vez nos braços dela!

Se é Doce

Se é doce no recente, ameno Estio
Ver toucar-se a manhã de etéreas flores,
E, lambendo as areias e os verdores,
Mole e queixoso deslizar-se o rio;

Se é doce no inocente desafio
Ouvirem-se os voláteis amadores,
Seus versos modulando e seus ardores
Dentre os aromas de pomar sombrio;

Se é doce mares, céus ver anilados
Pela quadra gentil, de Amor querida,
Que esperta os corações, floreia os prados,

Mais doce é ver-te de meus ais vencida,
Dar-me em teus brandos olhos desmaiados.
Morte, morte de amor, melhor que a vida.

Desejo Amante

Elmano, de teus mimos anelante,
Elmano em te admirar, meu bem, não erra;
Incomparáveis dons tua alma encerra,
Ornam mil perfeições o teu semblante:

Granjeias sem vontade a cada instante
Claros triunfos na amorosa guerra:
Tesouro que do Céu vieste à Terra,
Não precisas dos olhos de um amante.

Oh!, se eu pudesse, Amor, oh!, se eu pudesse
Cumprir meu gosto! Se em altar sublime
Os incensos de Jove a Lília desse!

Folgara o coração quanto se oprime;
E a Razão, que os excessos aborrece,
Notando a causa, revelara o crime.

O poeta asseteado por amor

Ó Céus! Que sinto n’alma! Que tormento!
Que repentino frenesi me anseia!
Que veneno a ferver de veia em veia
Me gasta a vida, me desfaz o alento!

Tal era, doce amada, o meu lamento;
Eis que esse deus, que em prantos se recreia,
Me diz: “A que se expõe quem não receia
Contemplar Ursulina um só momento!

“Insano! Eu bem te vi dentre a luz pura
De seus olhos travessos, e cum tiro
Puni tua sacrílega loucura:

“De morte, por piedade hoje te firo;
Vai pois, vai merecer na sepultura
À tua linda ingrata algum suspiro.”

Olhos Suaves, que em Suaves Dias

Olhos suaves, que em suaves dias
Vi nos meus tantas vezes empregados;
Vista, que sobra esta alma despedias
Deleitosos farpões, no céu forjados:

Santuários de amor, luzes sombrias,
Olhos, olhos da cor de meus cuidados,
Que podeis inflamar as pedras frias,
Animar cadáveres mirrados:

Troquei-vos pelos ventos, pelos mares,
Cuja verde arrogância as nuvens toca,
Cuja hrrísona voz perturba os ares:

Troquei-vos pelo mal, que me sufoca;
Troquei-vos pelos ais, pelos pesares:
Oh câmbio triste! oh deplorável troca!

És dos Céus o Composto Mais Brilhante

Marília, nos teus olhos buliçosos
Os Amores gentis seu facho acendem;
A teus lábios, voando, os ares fendem
Terníssimos desejos sequiosos.

Teus cabelos subtis e luminosos
Mil vistas cegam, mil vontades prendem;
E em arte aos de Minerva se não rendem
Teus alvos, curtos dedos melindrosos.

Reside em teus costumes a candura,
Mora a firmeza no teu peito amante,
A razão com teus risos se mistura.

És dos Céus o composto mais brilhante;
Deram-se as mãos Virtude e Formosura,
Para criar tua alma e teu semblante.

Ó Tranças De Que Amor Prisões Me Tece

Ó tranças de que Amor prisões me tece,
Ó mãos de neve, que regeis meu fado!
Ó tesouro! Ó mistério! Ó par sagrado,
Onde o menino alígero adormece!

Ó ledos olhos, cuja luz parece
Tênue raio de sol! Ó gesto amado,
De rosas e açucenas semeado,
Por quem morrera esta alma, se pudesse!

Ó lábios, cujo riso a paz me tira,
E por cujos dulcíssimos favores
Talvez o próprio Júpiter suspira!

Ó perfeições! Ó dons encantadores!
De quem sois? Sois de Vênus? – É mentira;
Sois de Marília, sois dos meus amores.

O Redentor Chorando

Se considero o triste abatimento
Em que me faz jazer minha desgraça,
A desesperação me despedaça,
No mesmo instante, o frágil sofrimento.

Mas súbito me diz o pensamento,
Para aplacar-me a dor que me traspassa,
Que Este que trouxe ao mundo a Lei da Graça,
Teve num vil presepe o nascimento.

Vejo na palha o Redentor chorando,
Ao lado a Mãe, prostrados os pastores,
A milagrosa estrela os reis guiando.

Vejo-O morrer depois, ó pecadores,
Por nós, e fecho os olhos, adorando
Os castigos do Céu como favores.

Visão Realizada

Sonhei que a mim correndo o gnídeo nume
Vinha coa Morte, co Ciúme ao lado,
E me bradava: “Escolhe, desgraçado,
Queres a Morte, ou queres o Ciúme?”

“Não é pior daquela fouce o gume
Que a ponta dos farpões que tens provado;
Mas o monstro voraz, por mim criado,
Quanto horror há no Inferno em si resume.”

Disse; e eu dando um suspiro: “Ah, não m’espantes
Coa a vista dessa fúria!… Amor, clemência!
Antes mil mortes, mil infernos antes!”

Nisto acordei com dor, com impaciência;
E não vos encontrando, olhos brilhantes,
Vi que era a minha morte a vossa ausência!