A sabedoria é mesmo feminina. Correndo o risco de me repetir ou citar a mim mesma, direi que a «sophia» é feminina. A sabedoria é feminina e a filosofa é masculina. O homem enamora-se da sabedoria, mas nunca chega lá. E o percurso para… A mulher, ela própria, é ovularmente o segredo do Universo. Ela contém em si a sabedoria. As vezes não tem é consciência disso.
Passagens sobre Próprio
3083 resultadosAté 1919, a mulher que ia ao ginecologista sentia-se, ela própria, uma adúltera.
A Fronteira entre a Juventude e a Velhice
Creio que se pode traçar uma fronteira muito precisa entre a juventude e a velhice. A juventude acaba quando termina o egoísmo, a velhice começa com a vida para os outros. Ou seja: os jovens têm muito prazer e muita dor com as suas vidas, porque eles a vivem só para eles. Por isso todos os desejos e quedas são importantes, todas as alegrias e dores são vividas plenamente, e alguns, quando não vêem os seus desejos cumpridos, desperdiçam toda uma vida. Isso é a juventude. Mas para a maior parte das pessoas vem o tempo em que tudo se modifica, em que vivem mais para os outros, não por virtude, mas porque é assim. A maior parte constitui família. Pensa-se menos em nós próprios e nos nossos desejos quando se tem filhos. Outros perdem o egoísmo num escritório, na política, na arte ou na ciência. A juventude quer brincar, os adultos trabalhar.
Não há quem se case para ter filhos, mas quando chegam, modificamo-nos, e acabamos por perceber que tudo aconteceu por eles. Da mesma forma, a juventude gosta de falar na morte, mas nunca pensa nela; com os velhos acontece o contrário. Os jovens acreditam ser eternos e centram todos os desejos e pensamentos sobre si próprios.
Eu quero que todas as mulheres – e todos os homens – se deixem influenciar pela parte mais profunda e psicótica deles próprios. Essa parte que estão constantemente e desesperadamente a tentar esconder. Eu quero que essa parte se torne algo que eles venham a adorar.
Um Homem Simples
Eu tenho sido um homem demasiado simples — é esta a minha honra e a minha vergonha. Acompanhei a farândola dos meus companheiros e invejei-lhes a brilhante plumagem, as satânicas atitudes, os aviões de papel e até as vacas, que talvez tenham algo que ver, de forma misteriosa, com a literatura. De qualquer maneira, parece-me que não nasci para condenar, mas para amar. Até mesmo os divisionistas que me atacam, os que se reúnem aos montes para me arrancar os olhos e que antes se nutriram com a minha poesia, merecem pelo menos o meu silêncio. Nunca tive medo de contágio penetrando na multidão dos meus próprios inimigos, porque os únicos que tenho são os inimigos do povo.
Cruz na Porta
Cruz na porta da tabacaria!
Quem morreu? O próprio Alves? Dou
Ao diabo o bem-estar que trazia.
Desde ontem a cidade mudou.Quem era? Ora, era quem eu via.
Todos os dias o via. Estou
Agora sem essa monotonia.
Desde ontem a cidade mudou.Ele era o dono da tabacaria.
Um ponto de referência de quem sou
Eu passava ali de noite e de dia.
Desde ontem a cidade mudou.Meu coração tem pouca alegria,
E isto diz que é morte aquilo onde estou.
Horror fechado da tabacaria!
Desde ontem a cidade mudou.Mas ao menos a ele alguém o via,
Ele era fixo, eu, o que vou,
Se morrer, não falto, e ninguém diria.
Desde ontem a cidade mudou.
O Amor em Visita
Dai-me uma jovem mulher com sua harpa de sombra
e seu arbusto de sangue. Com ela
encantarei a noite.
Dai-me uma folha viva de erva, uma mulher.
Seus ombros beijarei, a pedra pequena
do sorriso de um momento.
Mulher quase incriada, mas com a gravidade
de dois seios, com o peso lúbrico e triste
da boca. Seus ombros beijarei.Cantar? Longamente cantar.
Uma mulher com quem beber e morrer.
Quando fora se abrir o instinto da noite e uma ave
o atravessar trespassada por um grito marítimo
e o pão for invadido pelas ondas –
seu corpo arderá mansamente sob os meus olhos palpitantes.
Ele – imagem vertiginosa e alta de um certo pensamento
de alegria e de impudor.
Seu corpo arderá para mim
sobre um lençol mordido por flores com água.Em cada mulher existe uma morte silenciosa.
E enquanto o dorso imagina, sob os dedos,
os bordões da melodia,
a morte sobe pelos dedos, navega o sangue,
desfaz-se em embriaguez dentro do coração faminto.
– Oh cabra no vento e na urze,
O Capitão Ilustre, e Assinalado, Dom Fernando de Castro
Debaixo desta pedra está metido,
Das sanguinosas armas descansado,
O Capitão ilustre, e assinalado,
Dom Fernando de Castro, e esclarecido.Este por todo o Oriente tão metido,
Este da própria inveja tão cantado,
Este, enfim, raio de Mavorte irado,
Aqui está agora em terra convertido.Alegra-te, ó guerreira Lusitânia,
Por est’outro Viriato que criaste,
E chora a perda sua eternamente.Exemplo toma nisto de Dardânia;
Que se a Roma com ele aniquilaste,
Nem por isso Cartago está contente.
O Verdadeiro Ócio
A verdadeira riqueza é apenas a riqueza interior da alma, tudo o resto traz mais problemas do que vantagens (Luciano). Alguém assim rico interiormente de nada precisa do mundo exterior a não ser um presente negativo, a saber, o ócio, para poder cultivar e desenvolver as suas capacidades espirituais e fruir a sua riqueza interior. Portanto, requer propriamente apenas a permissão para ser ele mesmo durante toda a sua vida, a cada dia e a cada hora. Se alguém estiver destinado a imprimir, em toda a raça humana, o traço do seu espírito, haverá para ele apenas uma felicidade e infelicidade, ou seja, a de poder aperfeiçoar as suas disposições e completar as suas obras – ou disso ser impedido. O resto é-lhe insignificante. Sendo assim, vemos os grandes espíritos de todos os tempos atribuírem o valor supremo ao ócio. Pois este vale tanto quanto o homem. A felicidade parece residir no ócio, diz Aristóteles, e Diógenes Laércio relata que Sócrates louva o ócio como a mais bela posse.
Também corresponde a isso o facto de Aristóteles declarar a vida filosófica como a mais feliz. De modo semelhante, diz na Política: “Poder exercer livremente as próprias aptidões, sejam elas quais forem,
A Medida da Fé
Tão mais opressiva que a convicção implacável do nosso presente estado pecaminoso é a mais frágil convicção da antiga, eterna justificação da nossa existência temporal. Só a capacidade de suportar desta segunda convicção, que na sua pureza abrange completamente a primeira, é a medida da fé.
Muitos consideram que, ao lado da grande fraude primitiva, existe em cada caso particular uma pequena fraude especial, encenada em proveito próprio, do mesmo modo como, por exemplo, numa intriga amorosa, representada no palco, a actriz, além do falso sorriso para o seu amante, tem ainda outro, particularmente pérfido, dirigido a um espectador determinado na última fileira da galeria. Isso significa ir longe demais.
A Ira
O que se irrita justificadamente nas situações em que se deve irritar ou com as pessoas com as quais se deve irritar, e ainda da maneira como deve ser, quando deve ser e durante o tempo em que deve ser, é geralmente louvado. Quem assim for é gentil, se é que a gentileza é uma disposição louvada. Porque o gentil quer permanecer imperturbável e não quer ser levado pela emoção, e apenas o sentido orientador lhe poderá prescrever as situações em que deve irritar-se e durante quanto tempo. Ou seja, o gentil parece pecar mais por defeito, porque não é do tipo vingativo mas mais do género que perdoa.
O defeito, seja uma certa fleuma seja o que for, é repreendido. Os que não se irritam quando têm motivo parecem parvos, o mesmo quando não se irritam de modo correcto, nem quando devem, nem com aqueles que devem. Parece até que não sentem a injúria ou não sofrem com ela. Mas se não se irritarem não conseguem defender-se, e aguentar um insulto ou tolerar os insultos feitos a terceiros é uma característica de subserviência.
Há excessos a respeito de todos os elementos circunstanciais envolvidos num acesso de ira (seja por se dirigir contra as pessoas indevidas,
O Prazer da Conversação
O tipo de bem-estar proporcionado por uma conversação animada não consiste propriamente no assunto da conversação; nem as idéias nem os conhecimentos que ali podem ser desenvolvidos são o seu principal interesse. Importa uma certa maneira de agir uns sobre os outros, de ter um prazer recíproco e rápido, de falar tão logo se pense, de comprazer-se imediatamente consigo mesmo, de ser aplaudido sem esforço, de manifestar o seu espírito em todas as nuances pela entoação, pelo gesto, pelo olhar, enfim, de produzir à vontade como que uma espécie de electricidade que solta faíscas, aliviando uns do próprio excesso da sua vivacidade e despertando outros de uma apatia dolorosa. (…) Bacon disse que “a conversação não era um caminho que conduzia à casa, mas uma vereda por onde se passeava prazerosamente ao acaso”.
Ignotus
(A Salomão Sáragga)
Onde te escondes? Eis que em vão clamamos,
Suspirando e erguendo as mãos em vão!
Já a voz enrouquece e o coração
Está cansado — e já desesperamos…Por céu, por mar e terras procuramos
O Espírito que enche a solidão,
E só a própria voz na imensidão
Fatigada nos volve… e não te achamos!Céus e terra, clamai, aonde? aonde? —
Mas o Espírito antigo só responde,
Em tom de grande tédio e de pesar:— Não vos queixeis, ó filhos da ansiedade,
Que eu mesmo, desde toda a eternidade,
Também me busco a mim… sem me encontrar!
Procure imitar-se a si mesmo. Ao passar muito tempo a imitar os outros, pode acabar por deturpar a sua própria identidade.
Se você está sofrendo por coisas externas, não são elas que estão te perturbando, mas o seu próprio julgamento sobre elas. E está em seu poder anular este julgamento agora.
Alcool
Guilhotinas, pelouros e castelos
Resvalam longamente em procissão;
Volteiam-me crepúsculos amarelos,
Mordidos, doentios de roxidão.Batem asas d’auréola aos meus ouvidos,
Grifam-me sons de côr e de perfumes,
Ferem-me os olhos turbilhões de gumes,
Desce-me a alma, sangram-me os sentidos.Respiro-me no ar que ao longe vem,
Da luz que me ilumina participo;
Quero reunir-me, e todo me dissipo –
Luto, estrebucho… Em vão! Silvo pra além…Corro em volta de mim sem me encontrar…
Tudo oscila e se abate como espuma…
Um disco de ouro surge a voltear…
Fecho os meus olhos com pavor da bruma…Que droga foi a que me inoculei?
Ópio d’inferno em vez de paraíso?…
Que sortilégio a mim próprio lancei?
Como é que em dor genial eu me eterizo?Nem ópio nem morfina. O que me ardeu,
Foi alcool mais raro e penetrante:
É só de mim que eu ando delirante –
Manhã tão forte que me anoiteceu.
A Pedra de Toque de um Livro
A pedra de toque de um livro (para um escritor) é o momento em que o livro oferece enfim um espaço onde, com toda a naturalidade, se pode dizer o que se quer dizer. Como esta manhã, em que pude dizer o que Rhoda disse. Isto vem provar que o livro tem uma vida própria: porque não esmagou o que eu queria dizer, antes me permitiu intrduzi-lo mansamente, sem uma tensão, sem uma alteração.
O melhor que podemos fazer de nossa vida é empregá-la em alguma coisa mais duradoura que a própria vida.
O próprio facto de sermos prova tudo.
Estudo, Criatividade, e Sabedoria Humilde
Descobrirás que não és a primeira pessoa a quem o comportamento humano alguma vez perturbou, assustou ou mesmo enojou. Não estás de modo nenhum sozinho nesse ponto, e isso deve servir-te de incitamento e de estímulo. Muitos, muitos homens se sentiram tão perturbados, moralmente e espiritualmente, como tu estás agora. Felizmente, alguns deles deixaram memórias dessa perturbação. Hás-de aprender com eles… se quiseres aprender. Tal como um dia, se tiveres alguma coisa para dar, alguém há-de aprender contigo. É um belo tratado de reciprocidade. E isto não é instrução. É história. É poesia.
(…) Não estou a tentar dizer-te que só os homens instruídos e com estudos estão preparados para dar alguma coisa ao mundo. Não é verdade. Mas afirmo que os homens instruídos e com estudos, se, para começar, forem inteligentes e criativos, o que infelizmente, raramente acontece, tendem a deixar atrás deles memórias mais valiosas do que os homens simplesmente brilhantes e criativos. Tendem a exprimir-se mais claramente, e normalmente têm a paixão de seguir os seus próprios pensamentos até ao fim. E, o que é mais importante, nove em cada dez vezes são mais humildes do que os pensadores sem estudos.J.D.