Sonetos sobre Ossos de Camilo Pessanha

3 resultados
Sonetos de ossos de Camilo Pessanha. Leia este e outros sonetos de Camilo Pessanha em Poetris.

VĂȘnus II

Singra o navio. Sob a ĂĄgua clara
VĂȘ-se o fundo do mar, de areia fina…
– ImpecĂĄvel figura peregrina,
A distĂąncia sem fim que nos separa!

Seixinhos da mais alva porcelana,
Conchinhas tenuemente cor de rosa,
Na fria transparĂȘncia luminosa
Repousam, fundos, sob a ĂĄgua plana.

E a vista sonda, reconstrui, compara,
Tantos naufrågios, perdiçÔes, destroços!
– Ó fĂșlgida visĂŁo, linda mentira!

RĂłseas unhinhas que a marĂ© partira…
Dentinhos que o vaivĂ©m desengastara…
Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos…

Quem Rasgou os Meus Lençóis de Linho

Quem poluiu, quem rasgou os meus lençóis de linho,
Onde esperei morrer, meus tão castos lençóis?
Do meu jardim exĂ­guo os altos girassĂłis
Quem foi que os arrancou e lançou no caminho?

Quem quebrou (que furor cruel e simiesco!)
A mesa de eu cear, d tĂĄbua tosca de pinho?
E me espalhou a lenha? E me entornou o vinho?
– Da minha vinha o vinho acidulado e fresco…

Ó minha pobre mĂŁe!… NĂŁo te ergas mais da cova.
Olha a noite, olha o vento. Em ruĂ­na a casa nova…
Dos meus ossos o lume a extinguir-se breve.

NĂŁo venhas mais ao lar. NĂŁo vagabundes mais,
Alma da minha mĂŁe… NĂŁo andes mais Ă  neve,
De noite a mendigar Ă s portas dos casais.

VĂ©nus

I

À flor da vaga, o seu cabelo verde,
Que o torvelinho enreda e desenreda…
O cheiro a carne que nos embebeda!
Em que desvios a razĂŁo se perde!

PĂștrido o ventre, azul e aglutinoso,
Que a onda, crassa, num balanço alaga,
E reflui (um olfato que se embriaga)
Como em um sorvo, murmura de gozo.

O seu esboço, na marinha turva…
De pé flutua, levemente curva;
Ficam-lhe os pĂ©s atrĂĄs, como voando…

E as ondas lutam, como feras mugem,
A lia em que a desfazem disputando,
E arrastando-a na areia, co’a salsugem.

II

Singra o navio. Sob a ĂĄgua clara
VĂȘ-se o fundo do mar, de areia fina…
_ ImpecĂĄvel figura peregrina,
A distĂąncia sem fim que nos separa!

Seixinhos da mais alva porcelana,
Conchinhas tenuemente cor de rosa,
Na fria transparĂȘncia luminosa
Repousam, fundos, sob a ĂĄgua plana.

E a vista sonda, reconstrui, compara,
Tantos naufrågios, perdiçÔes, destroços!
_ Ó fĂșlgida visĂŁo, linda mentira!

RĂłseas unhinhas que a marĂ© partira…
Dentinhos que o vaivĂ©m desengastara…

Continue lendo…