Sonetos sobre PĂ©s de Vasco Mouzinho de Quebedo

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Sonetos de pés de Vasco Mouzinho de Quebedo. Leia este e outros sonetos de Vasco Mouzinho de Quebedo em Poetris.

Soneto XXIIII

De ua esperança vã suspenso mouro,
Mas quando a fortes cabos mais me amarro,
Então vou através, então desgarro,
Como barca no Tejo, ou rio Douro.

Ah’ quem fora um pastor que seu tesouro
Tem no leve cortiço e tosco tarro,
E de ledo e contente os pés de barro
Julga consigo por cabeça de ouro.

Mas aquele que tem de ouro a cabeça
E pés que são de barro em cima sente,
Como não sintirá tanta desgraça.

Viva ufano, porém viva contente:
Quebra o barro, por mais que se endureça,
O imortal ouro mil idades passa.

Soneto XXXX

Num seco ramo, nĂş de fruto e folha,
Ua queixosa rola geme e sente
Do casto ninho seu parceiro ausente,
E vĂŞ-lo a cada sombra se lhe antolha.

Dali dece a ua fonte onde recolha
Algum alento, e porque nĂŁo consente
A dor ver água clara, juntamente
A envolve c’os pĂ©s e o bico molha.

Se ausĂŞncia e amor sentida a rola tem,
Que nem de ausĂŞncia, nem de amor conhece,
Em quem pesar nem sentimento cabe,

Que farĂŁo em quem sente o que padece
Quem de seu mal conhece, e de seu bem
Temo que venha a nĂŁo sentir, e acabe.

Soneto V

Lançado ao pé de um monte, onde rebenta
Um rio, que ao mais alto vai correndo,
Um estrago de fogo estava vendo
Que quasi morto em cinzas se sustenta.

Eis quando ua Ave chega, e tĂŁo isenta
As asas sobre as cinzas vem batendo,
Que acende o fogo e vai o monte ardendo;
Mas cadavez o rio se acrecenta.

Despois de ter o mal e o dano certo,
Voando para mi, li-lhe no bico
“Em quanto vento houver vivirá a frágoa.”

Desejei de a tomar vendo-a tĂŁo perto,
Estendo a mĂŁo, mas com as penas fico,
Fugiu, e eu caĂ­ no fogo e n’água.

Soneto V

Qual Hércules estrela já mudado,
Que quando se quer pĂ´r ao tempo certo,
Cabeça e corpo todo já coberto,
Fica só pelos pés dependurado,

Tal c’ua grave dor, grave cuidado
Que o coração me tem de todo aberto,
Perdida a razão já, de meu fim perto
Me vejo agora em semelhante estado.

Mas ai! paixão penosa, que além passas,
Que este, enfim, nĂŁo Ă© sempre no CĂ©u visto,
Ainda que dos pés se ponha tarde.

E tu, como meu mal e morte traças,
És qual a mão do filho de Calisto,
Que em todo [o] tempo ao mar cintila e arde.