Soneto XXXXIIII
Do fundo sobe do mar Indo acima
A recolher o orvalho a concha, e nela,
Despois que pouco a pouco se congela,
A pérola nos dá de tanta estima.Hoje, despois que o Céu choveu de cima
O rico orvalho, aquela concha, aquela
Divina humana, mais que todas bela,
O mundo pobre com seu parto anima.Mas ai que a concha aberta o orvalho fino
Recebe, e em pedra dá; porém, Maria,
De outra invenção e modo extraordinário.E como vem tão pobre este minino?
Vem tosca pedra, e seu preço e valia
Só conhece o discreto lapidário.
Sonetos sobre Pobres de Vasco Mouzinho de Quebedo
3 resultadosSoneto XXXVI
Aquele que Ă© da BĂbora mordido
A todos sua dor e mal encobre,
E sĂł Ă quele o diz e lho descobre,
Que sabe foi também dela firido.Tal eu que todo o bem tenho perdido
De todo o gosto e de alegria pobre,
De vĂłs a quem a mesma nuve cobre
Quero sĂł que meu mal seja sabido.Das searas e campo o lavrador,
Das batalhas e trances o soldado,
Ouve pronto do mar quem no mar trata,O triste a quem alegra seu cuidado,
Qual borboleta, busca sempre a dor,
Morto d’amores sĂł por quem o mata.
Soneto XXIII
Já que tão bom conselho vos ensaia,
Pois o julgais por mais acautelado,
NĂŁo seja embora o anel muito apertado,
Mas nĂŁo seja tĂŁo largo, que vos caia.O nĂŁo chegar, como passar a raia
É por vĂcio comum vituperado,
Olhai que esse conselho t’Ă© já dado
Num grande estremo, porque d’outro saia.O pior Ă© que vejo nesse dedo
Do coração, aneis de chumbo e cobre,
E cuidais que trazeis grande tesouro.Se nĂŁo Ă© por ventura algum segredo,
Ou vosso coração deve ser pobre,
Ou vós não conheceis os anéis de ouro.