Passagens sobre Orvalho

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Frases sobre orvalho, poemas sobre orvalho e outras passagens sobre orvalho para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

Caminho da ManhĂŁ

Vais pela estrada que é de terra amarela e quase sem nenhuma sombra. As cigarras cantarão o silêncio de bronze. À tua direita irá primeiro um muro caiado que desenha a curva da estrada. Depois encontrarás as figueiras transparentes e enroladas; mas os seus ramos não dão nenhuma sombra. E assim irás sempre em frente com a pesada mão do Sol pousada nos teus ombros, mas conduzida por uma luz levíssima e fresca. Até chegares às muralhas antigas da cidade que estão em ruínas. Passa debaixo da porta e vai pelas pequenas ruas estreitas, direitas e brancas, até encontrares em frente do mar uma grande praça quadrada e clara que tem no centro uma estátua. Segue entre as casas e o mar até ao mercado que fica depois de uma alta parede amarela. Aí deves parar e olhar um instante para o largo pois ali o visível se vê até ao fim. E olha bem o branco, o puro branco, o branco da cal onde a luz cai a direito. Também ali entre a cidade e a água não encontrarás nenhuma sombra; abriga-te por isso no sopro corrido e fresco do mar. Entra no mercado e vira à tua direita e ao terceiro homem que encontrares em frente da terceira banca de pedra compra peixes.

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A Poezia do Outomno

Noitinha. O sol, qual brigue em chammas, morre
Nos longes d’agoa… Ă“ tardes de novena!
Tardes de sonho em que a poezia escorre
E os bardos, a sonhar, molham a penna!

Ao longe, os rios de agoas prateadas
Por entre os verdes cannaviaes, esguios,
SĂŁo como estradas liquidas, e as estradas
Ao luar, parecem verdadeiros rios!

Os choupos nus, tremendo, arripiadinhos,
O chale pedem a quem vae passando…
E nos seus leitos nupciaes, os ninhos,
As lavandiscas noivam piando, piando!

O orvalho cae do céu, como um unguento.
Abrem as boccas, aparando-o, os goivos…
E a larangeira, aos repellões do vento,
Deixa cair por terra a flor dos noivos.

E o orvalho cae… E, á falta d’agoa, rega
O val sem fruto, a terra arida e nua!
E o Padre-Oceano, lá de longe, prega
O seu Sermão de Lagrymas, á Lua!

Tardes de outomno! Ăł tardes de novena!
Outubro! Mez de Maio, na lareira!
Tardes…
Lá vem a Lua, gratiae plena,
Do convento dos céus, a eterna freira!

SĂŁo as Pessoas como Tu

São as pessoas como tu que fazem com que o nada queira dizer-nos algo, as coisas vulgares se tornem coisas importantes e as preocupações maiores sejam de facto mais pequenas. São as pessoas como tu que dão outra dimensão aos dias, transformando a chuva em delirante orvalho e fazendo do inverno uma estação de rosas rubras.
As pessoas como tu possuem não uma, mas todas as vidas. Pessoas que amam e se entregam porque amar é também partilhar as mãos e o corpo. Pessoas que nos escutam e nos beijam e sabem transformar o cansaço numa esperança aliciante, tocando-nos o rosto com dedos de água pura, soltando-nos os cabelos com a leveza do pássaro ou a firmeza da flecha. São as pessoas como tu que nos respiram e nos fazem inspirar com elas o azul que há no dorso das manhãs, e nos estendem os braços e nos apertam até sentirmos o coração transformar o peito numa música infinita. São as pessoas como tu que não nos pedem nada mas têm sempre tudo para dar, e que fazem de nós nem ícaros nem prisioneiros, mas homens e mulheres com a estatura da vida, capazes da beleza e da justiça,

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Sem sonhos, a vida é uma manhã sem orvalhos, um céu sem estrelas, um oceano sem ondas, uma vida sem aventura, uma existência sem sentido.

Vertentes

As palavras esperam o sono
e a mĂşsica do sangue sobre as pedras corre
a primeira treva surge
o primeiro nĂŁo a primeira quebra

A terra em teus braços é grande
o teu centro desenvolve-se como um ouvido
a noite cresce uma estrela vive
uma respiração na sombra o calor das árvores

Há um olhar que entra pelas paredes da terra
sem lâmpadas cresce esta luz de sombra
começo a entender o silêncio sem tempo
a torre extática que se alarga

A plenitude animal Ă© o interior de uma boca
um grande orvalho puro como um olhar

Deslizo no teu dorso sou a mĂŁo do teu seio
sou o teu lábio e a coxa da tua coxa
sou nos teus dedos toda a redondez do meu corpo
sou a sombra que conhece a luz que a submerge

A luz que sobe entre
as gargantas agrestes
deste cair na treva
abre as vertentes onde
a água cai sem tempo

Vem Despontando A Aurora, A Noite Morre

Vem despontando a aurora, a noite morre,
Desperta a mata virgem seus cantores,
Medroso o vento no arraial das flores
Mil beijos furta e suspirando corre.

Estende a névoa o manto e o val percorre,
Cruzam-se as borboletas de mil cores,
E as mansas rolas choram seus amores
Nas verdes balsas onde o orvalho escorre.

E pouco a pouco se esvaece a bruma,
Tudo se alegra à luz do céu risonho
E ao flĂłreo bafo que o sertĂŁo perfuma.

PorĂ©m minh’alma triste e sem um sonho
Murmura olhando o prado, o rio, a espuma:
Como isto Ă© pobre, insĂ­pido, enfadonho!

Procuro-te

Procuro a ternura sĂşbita,
os olhos ou o sol por nascer
do tamanho do mundo,
o sangue que nenhuma espada viu,
o ar onde a respiração é doce,
um pássaro no bosque
com a forma de um grito de alegria.

Oh, a carĂ­cia da terra,
a juventude suspensa,
a fugidia voz da água entre o azul
do prado e de um corpo estendido.

Procuro-te: fruto ou nuvem ou mĂşsica.
Chamo por ti, e o teu nome ilumina
as coisas mais simples:
o pão e a água,
a cama e a mesa,
os pequenos e dĂłceis animais,
onde também quero que chegue
o meu canto e a manhĂŁ de maio.

Um pássaro e um navio são a mesma coisa
quando te procuro de rosto cravado na luz.
Eu sei que há diferenças,
mas nĂŁo quando se ama,
nĂŁo quando apertamos contra o peito
uma flor ávida de orvalho.

Ter sĂł dedos e dentes Ă© muito triste:
dedos para amortalhar crianças,
dentes para roer a solidĂŁo,
enquanto o verão pinta de azul o céu
e o mar Ă© devassado pelas estrelas.

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Noivado

VĂŞs, querida, o horizonte ardendo em chamas?
Além desses outeiros
Vai descambando o sol, e Ă  terra envia
Os raios derradeiros;
A tarde, como noiva que enrubesce,
Traz no rosto um véu mole e transparente;
No fundo azul a estrela do poente
Já tímida aparece.

Como um bafo suavĂ­ssimo da noite,
Vem sussurrando o vento
As árvores agita e imprime às folhas
O beijo sonolento.
A flor ajeita o cálix: cedo espera
O orvalho, e entanto exala o doce aroma;
Do leito do oriente a noite assoma
Como uma sombra austera.

Vem tu, agora, Ăł filha de meus sonhos,
Vem, minha flor querida;
Vem contemplar o céu, página santa
Que amor a ler convida;
Da tua solidĂŁo rompe as cadeias;
Desce do teu sombrio e mudo asilo;
Encontrarás aqui o amor tranqĂĽilo…
Que esperas? que receias?

Olha o templo de Deus, pomposo e grande;
Lá do horizonte oposto
A lua, como lâmpada, já surge
A alumiar teu rosto;
Os cĂ­rios vĂŁo arder no altar sagrado,
Estrelinhas do céu que um anjo acende;

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Bolor

Os versos
que te digam
a pobreza que somos,
o bolor nas paredes
deste quarto deserto,
o orvalho da amargura
na flor
de cada sonho
e o leito desmanchado
o peito aberto
a que chamaste
amor.

Ilusões Mortas

A Virgílio Várzea

Os meus amores vĂŁo-se mar em fora,
E vĂŁo-se mar em fora os meus amores,
A murchar, a murchar, como essas flores
Sem mais orvalho e a doce luz da aurora.

E os meus amores nĂŁo virĂŁo agora,
NĂŁo baterĂŁo as asas multicores,
Como as aves mansas — dentre os esplendores
Do meu prazer, do meu prazer de outrora.

Tudo emigrou, rasgando a esfera branca
Das ilusões, — tudo em revoada franca
Partiu — deixando um bem-estar saudoso

No fundo ideal de toda a minha vida,
Qual numa taça a gota indefinida
De um bom licor antigo e saboroso.

Aspiração Suprema

Como os cegos e os nus pede um abrigo
A alma que vive a tiritar de frio.
Lembra um arbusto frágil e sombrio
Que necessita do bom sol amigo.

Tem ais de dor de trĂŞmulo mendigo
Oscilante, sonâmbulo, erradio.
É como um tênue, cristalino fio
D’estrelas, como etĂ©reo e louro trigo.

E a alma aspira o celestial orvalho,
Aspira o céu, o límpido agasalho,
sonha, deseja e anseia a luz do Oriente…

Tudo ela inflama de um estranho beijo.
E este Anseio, este Sonho, este Desejo
Enche as Esferas soluçantemente.

Longus

É de manhã, no outono. À luz, o orvalho
doira os mirtais de trĂŞmulas capelas.
e, sobre o solo, recobrindo o atalho,
há milhares de folhas amarelas…

A Filetas, ao pé de amplo carvalho,
ouvem as narrações e pastorelas,
um rapaz, aindaingĂŞnuo e sem trabalho,
e a mais linda de todas as donzelas…

É a narrativa do florir dos prados,
que o mais doce dos velhos barbilongos
conta ao casal de jovens namorados…

SilĂŞncio… Ouvi-lhe o beijo dos ditongos,
os silábicos sons, que musicados,
cantam na amável pastoral de Longus…

Para o Meu Coração…

Para o meu coração basta o teu peito,
para a tua liberdade as minhas asas.
Da minha boca chegará até ao céu
o que dormia sobre a tua alma.

És em ti a ilusão de cada dia.
Como o orvalho tu chegas Ă s corolas.
Minas o horizonte com a tua ausĂŞncia.
Eternamente em fuga como a onda.

Eu disse que no vento ias cantando
como os pinheiros e como os mastros.
Como eles tu Ă©s alta e taciturna.
E ficas logo triste, como uma viagem.

Acolhedora como um velho caminho.
Povoam-te ecos e vozes nostálgicas.
Eu acordei e Ă s vezes emigram e fogem
pássaros que dormiam na tua alma.

Alheamento

Meu corpo estiraçado, lânguido, ao logo do leito.

O cigarro vago azulando os meus dedos.

O rádio… a mĂşsica…

A tua presença que esvoaça
em torno do cigarro, do ar, da mĂşsica…

AusĂŞncia!, minha doce fuga!

Estranha coisa esta, a poesia,
que vai entornando mágoa nas horas
como um orvalho de lágrimas, escorrendo dos vidros
duma janela,

numa tarde vaga, vaga…

Para Que Serve A Poesia?

De servir-se utensĂ­lio dia a dia
utilidade prática aplicada,
o nada sobre o nada anula o nada
por desvendar mistério na magia.

O sonho em fantasia iluminada
aqui se oferta em mĂłdica quantia
por camelĂ´s de palavras aladas
marreteiros de mansa mercancia.

De pagamento, apenas um sorriso
de nuvens, uma fatia de grama
de orvalho e o fugaz fulgor de astro arisco.
Serena sentença em sina servida,

seu valor se aquilata e se esparrama
na livre chama acesa de quem ama.

NĂ©voa

A Albano Nogueira

Abraçada à noite,
a névoa desce sobre a terra.

Imprecisamente,
como se a névoa fosse dos meus olhos,
vejo o casario e as luzes da outra margem do rio.
Mais Ă  direita, ao longe,
são já da névoa a praia, o mar.
Ouve-se apenas o ronco do farol
– um som molhado.
Para o lado dos pinhais,
anda a bruma a fazer medo
e a pĂ´r mais pressa nos passos de quem foge.

Não há luar, não há estrelas.
De novo, olho para o rio.
NĂŁo sei se o vejo:
anda a névoa, já, com ele,
e os meus olhos nĂŁo dizem o que Ă© bruma, o que Ă© rio.
E ela não pára,
avança ao meu encontro.

Cerca-me.
E eu tenho, sĂł,
orvalho nas árvores do jardim,
gotas de água que se partem na alameda,
o ar hĂşmido que me trespassa,
o molhado ronco do farol,
os cabelos encharcados
e pensamentos de nĂ©voa…

Soneto XXXXIIII

Do fundo sobe do mar Indo acima
A recolher o orvalho a concha, e nela,
Despois que pouco a pouco se congela,
A pérola nos dá de tanta estima.

Hoje, despois que o CĂ©u choveu de cima
O rico orvalho, aquela concha, aquela
Divina humana, mais que todas bela,
O mundo pobre com seu parto anima.

Mas ai que a concha aberta o orvalho fino
Recebe, e em pedra dá; porém, Maria,
De outra invenção e modo extraordinário.

E como vem tĂŁo pobre este minino?
Vem tosca pedra, e seu preço e valia
Só conhece o discreto lapidário.

A umas Lágrimas de uma Despedida

Quando de ambos os céus caindo estava
O rico orvalho, em pérolas formado,
E sobre as frescas rosas derramado,
Igual beleza recebia e dava.

Amor que sempre ali presente estava,
Como competidor de meu cuidado,
Num vaso de cristal de ouro lavrado
As gotas uma a uma entesourava.

Eu, c’os olhos na luz, que aquele dia,
Entre as nuvens do novo sentimento,
Escassamente os raios descobria,

Se me matar (dizia) apartamento,
Ao menos não fará que esta alegria
NĂŁo seja paga igual de meu tormento.

Eu e Tu

Dois! Eu e Tu, num ser indispensável! Como
Brasa e carvĂŁo, centelha e lume, oceano e areia,
Aspiram a formar um todo, — em cada assomo
A nossa aspiração mais violenta se ateia…

Como a onda e o vento, a Lua e a noite, o orvalho
[e a selva
— O vento erguendo a vaga, o luar doirando a
[noite,
Ou o orvalho inundando as verduras da relva —
Cheio de ti, meu ser de eflĂşvios impregnou-te!

Como o lilás e a terra onde nasce e floresce,
O bosque e o vendaval desgrenhando o arvoredo,
O vinho e a sede, o vinho onde tudo se esquece,
— Nós dois, de amor enchendo a noite do degredo,

Como partes dum todo, em amplexos supremos
Fundindo os corações no ardor que nos inflama,
Para sempre um ao outro, Eu e Tu, pertencemos,
Como se eu fosse o lume e tu fosses a chama…