Sonetos sobre Podres de Augusto dos Anjos

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Sonetos de podres de Augusto dos Anjos. Leia este e outros sonetos de Augusto dos Anjos em Poetris.

O Lázaro Da Pátria

Filho podre de antigos Goitacases,
Em qualquer parte onde a cabeça ponha,
Deixa circunferências de peçonha,
Marcas oriundas de Ăşlceras e antrazes.

Todos os cinocéfalos vorazes
Cheiram seu corpo. À noite, quando sonha,
Sente no tĂłrax a pressĂŁo medonha
Do bruto embate férreo das tenazes,

Mostra aos montes e aos rĂ­gidos rochedos
A hedionda elefantĂ­asis dos dedos…
Há um cansaço no Cosmos… Anoitece,

Riem as meretrizes no Casino,
E o Lázaro caminha em seu destino
Para um fim que ele mesmo desconhece!

Psicologia De Um Vencido

Eu, filho do carbono e do amonĂ­aco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênesis da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.

ProfundĂ­ssimamente hipocondrĂ­aco,
Este ambiente me causa repugnância…
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardĂ­aco.

já o verme – este operário das ruĂ­nas –
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e Ă  vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roĂŞ-los,
E há-de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!

A Meu Pai Depois De Morto

Podre meu Pai! A Morte o olhar lhe vidra.
Em seus lábios que os meus lábios osculam
Micro-organismos fĂşnebres pululam
Numa fermentação gorda de cidra.

Duras leis as que os homens e a hĂłrrida hidra
A uma sĂł lei biolĂłgica vinculam,
E a marcha das moléculas regulam,
Com a invariabilidade da clepsidra!…

Podre meu Pai! E a mĂŁo que enchi de beijos
RoĂ­da toda de bichos, como os queijos
Sobre a mesa de orgĂ­acos festins!…

Amo meu Pai na atĂ´mica desordem
Entre as bocas necrĂłfagas que o mordem
E a terra infecta que lhe cobre os rins!

O Deus-Verme

Factor universal do transformismo.
Filho da teleológica matéria,
Na superabundância ou na miséria,
Verme – Ă© o seu nome obscuro de batismo.

Jamais emprega o acérrimo exorcismo
Em sua diária ocupação fúnerea,
E vive em contubérnio com a bactéria,
Livre das roupas do antropomorfismo.

Almoça a podridão das drupas agras,
Janta hidrĂłpicos, rĂłi vĂ­sceras magras
E dos defuntos novos incha a mĂŁo…

Ah! Para ele Ă© que a carne podre fica,
E no inventário da matéria rica
Cabe aos seus filhos a maior porção!

Versos A Um Coveiro

Numerar sepulturas e carneiros,
Reduzir carnes podres a algarismos,
Tal Ă©, sem complicados silogismos,
A aritmética hedionda dos coveiros!

Um, dois, trĂŞs, quatro, cinco… Esoterismos
Da Morte! E eu vejo, em fĂşlgidos letreiros,
Na progressĂŁo dos nĂşmeros inteiros
A gĂŞnese de todos os abismos!

Oh! Pitágoras da última aritmética,
Continua a contar na paz ascética
Dos tábidos carneiros sepulcrais

Tíbias, cérebros, crânios, rádios e úmeros,
Porque, infinita como os prĂłprios nĂşmeros
A tua conta nĂŁo acaba mais!