A Giganta
No tempo em que a Natura, augusta, fecundanta,
Seres descomunais dava à terra mesquinha,
Eu quisera viver junto d’uma giganta,
Como um gatinho manso aos pés d’uma rainha!Gosta de assistir-lhe ao desenvolvimento
Do corpo e da razão, aos seus jogos terríveis;
E ver se no seu peito havia o sentimento
Que faz nublar de pranto as pupilas sensíveisPercorrer-lhe a vontade as formas gloriosas,
Escalar-lhe, febril, as colunas grandiosas;
E às vezes, no verão, quando no ardente soloEu visse deitar, numa quebreira estranha estranha,
Dormir serenamente à sombra do seu colo,
Como um pequeno burgo ao sopé da montanha!Tradução de Delfim Guimarães
Sonetos sobre Pranto de Charles Baudelaire
3 resultadosO Tonel do Rancor
O Rancor é o tonel das Danaidas alvíssimas;
A Vingança, febril, grandes olhos absortos,
procura em vão encher-lhes as trevas profundíssimas,
Constante, a despejar pranto e sangue de mortos.O Diabo faz-lhe abrir uns furos misteriosos
Por onde se estravasa o líquido em tropel;
Mil anos de labor, de esforços fatigosos,
Tudo seria vão para encher o tonel.O Rancor é qual ébrido em sórdida taverna,
Que quanto mais bebeu inda mais sede tem,
Vendo-a multiplicar como a hidra de Lerna.– Mas se o ébrio feliz sabe com quem se avém,
O Rancor, por seu mal, não logra conseguir,
Qual torvo beberrão, acabar por dormir.Tradução de Delfim Guimarães
Obsessão
Os bosques para mim são como catedrais,
Com orgãos a ulular, incutindo pavor…
E os nossos corações, – jazidas sepulcrais,
De profundis também soluçam, n’um clamor.Odeio do oceano as iras e os tumultos,
Que retratam minh’alma! O riso singular
E o amargo do infeliz, misto de pranto e insultos,
É um riso semelhante ao do soturno mar.Ai! como eu te amaria, ó Noite, caso tu
Pudesses alijar a luz que te constéia,
Porque eu procuro o Nada, o Tenebroso, o Nu!Que a própria escuridão é tambem uma téia,
Onde vejo fulgir, na luz dos meus olhares.
Os entes que perdi, – espectros familiares!Tradução de Delfim Guimarães