Doces Ăguas E Claras Do Mondego
Doces ĂĄguas e claras do Mondego,
doce repouso de minha lembrança,
onde a comprida e pérfida esperança
longo tempo após si me trouxe cego;de vós me aparto; mas, porém, não nego
que inda a memória longa, que me alcança,
me não deixa de vós fazer mudança,
mas quanto mais me alongo, mais me achego.Bem pudera Fortuna este instrumento
d’alma levar por terra nova e estranha,
oferecido ao mar remoto e vento;mas alma, que de cĂĄ vos acompanha,
nas asas do ligeiro pensamento,
para vĂłs, ĂĄguas, voa, e em vĂłs se banha.
Sonetos sobre Repouso
24 resultadosVĂłs Outros, Que Buscais Repouso Certo
VĂłs outros, que buscais repouso certo
na vida, com diversos exercĂcios;
a quem, vendo do mundo os benefĂcios,
o regimento seu estĂĄ encoberto;dedicai, se quereis, ao desconcerto
novas hontas e cegos sacrifĂcios;
que, por castigo igual de antigos vĂcios,
quer Deus que andem as cousas por acerto.NĂŁo caiu neste modo de castigo
quem pĂŽs culpa Ă Fortuna, quem sĂČmente
crĂȘ que acontecimentos hĂĄ no mundo.A grande experiĂȘncia Ă© grĂŁo perigo;
mas o que a Deus Ă© justo e evidente
parece injusto aos homens e profundo.
GĂȘnio Das Trevas LĂșgubres, Acolhe-me
GĂȘnio das trevas lĂșgubres, acolhe-me,
Leva-me o esp’rito dessa luz que mata,
E a alma me ofusca e o peito me maltrata,
E o viver calmo e sossegado tolhe-me!Leva-me, obumbra-me em teu seio, acolhe-me
N’asa da Morte redentora, e Ă ingrata
Luz deste mundo em breve me arrebata
E num pallium de tĂȘnebras recolhe-me!Aqui hĂĄ muita luz e muita aurora,
HĂĄ perfumes d’amor – venenos d’alma –
E eu busco a plaga onde o repouso mora,E as trevas moram, e, onde d’ĂĄgua raso
O olhar nĂŁo trago, nem me turba a calma
A aurora deste amor que Ă© o meu ocaso!
O MĂĄgico Veneno
Um mover de olhos, brando e piedoso,
Sem ver de quĂȘ; um riso brando e honesto,
Quase forçado; um doce e humilde gesto,
De qualquer alegria duvidoso;Um despejo quieto e vergonhoso;
Um repouso gravĂssimo e modesto;
Uma pura bondade, manifesto
IndĂcio da alma, limpo e gracioso;Um encolhido ousar; uma brandura;
Um medo sem ter culpa; um ar sereno;
Um longo e obediente sofrimento;Esta foi a celeste formosura
Da minha Circe, e o mĂĄgico veneno
Que pĂŽde transformar meu pensamento.