Sonetos sobre Senhores de Augusto dos Anjos

4 resultados
Sonetos de senhores de Augusto dos Anjos. Leia este e outros sonetos de Augusto dos Anjos em Poetris.

Ouvi, Senhora, O Cântico Sentido

Ouvi, senhora, o cântico sentido
Do coração que geme e s’estertora
N’ânsia letal que o mata e que o devora,
E que tornou-o assim, triste e descrido.

Ouvi, senhora, amei; de amor ferido,
As minhas crenças que alentei outrora
Rolam dispersas, pálidas agora,
Desfeitas todas num guaiar dorido.

E como a luz do sol vai-se apagando!
E eu triste, triste pela vida afora,
Eterno pegureiro caminhando,

Revolvo as cinzas de passadas eras,
Sombrio e mudo e glacial, senhora,
Como um coveiro a sepultar quimeras!

O SarcĂłfago

Senhor da alta hermenĂŞutica do Fado
Perlustro o atrium da Morte… É frio o ambiente
E a chuva corta inexoravelmente
O dorso de um sarcĂłfago molhado!

Ah! Ninguém ouve o soluçante brado
De dor profunda, acérrima e latente.
Que o sarcĂłfago, ereto e imĂłvel sente
Em sua prĂłpria sombra sepultado!

DĂłi-lhe (quem sabe?!) essa grandeza horrĂ­vel
Que em toda a sua máscara se expande,
Ă€ humana comoção impondo-a, inteira…

DĂłi-lhe, em suma, perante o IncognoscĂ­vel
Essa fatalidade de ser grande
Para guardar unicamente poeira!

A Esmola De Dulce

Ao Alfredo A.

E todo o dia eu vou como um perdido
De dor, por entre a dolorosa estrada,
Pedir a Dulce, a minha bem amada,
A esmola dum carinho apetecido.

E ela fita-me, o olhar enlanguescido,
E eu balbucio trĂŞmula balada:
– Senhora, dai-me u’a esmola – e estertorada
A minha voz soluça num gemido.

Morre-me a voz, e eu gemo o Ăşltimo harpejo,
Estendo à Dulce a mão, a fé perdida,
E dos lábios de Dulce cai um beijo.

Depois, como este beijo me consola!
Bendita seja a Dulce! A minha vida
Estava unicamente nessa esmola.

Soneto

Senhora, eu trajo o luto do passado,
Este luto sem fim que é o meu Calvário
E anseio e choro, delirante e vário,
Sonâmbulo da dor angustiado.

Quantas venturas que me acalentaram!
Mau peito, tĂşm’lo do prazer finado,
Foi outrora do riso abençoado,
O berço onde as venturas se embalaram.

Mas nĂŁo queiras saber nunca, risonha,
O mistĂ©rio d’um peito que estertora
E o segredo d’um’alma que nĂŁo sonha!

NĂŁo, nĂŁo busques saber por que, Senhora,
É minha sina perenal, tristonha
– Cantar o Ocaso quando surge a Aurora.