Sonetos sobre Vozes de Augusto dos Anjos

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O Mar

O mar é triste como um cemitério,
Cada rocha Ă© uma eterna sepultura
Banhada pela imĂĄcula brancura
De ondas chorando num albor etéreo.

Ah! dessas no bramir funéreo
Jamais vibrou a sinfonia pura
Do amor; sĂł descanta, dentre a escura
Treva do oceano, a voz do meu saltério!

Quando a cĂąndida espuma dessas vagas,
Banhando a fria solidĂŁo das fragas,
Onde a quebrar-se tĂŁo fugaz se esfuma.

Reflete a luz do sol que jĂĄ nĂŁo arde,
Treme na treva a pĂșrpura da tarde,
Chora a saudade envolta nesta espuma!

A Esmola De Dulce

Ao Alfredo A.

E todo o dia eu vou como um perdido
De dor, por entre a dolorosa estrada,
Pedir a Dulce, a minha bem amada,
A esmola dum carinho apetecido.

E ela fita-me, o olhar enlanguescido,
E eu balbucio trĂȘmula balada:
– Senhora, dai-me u’a esmola – e estertorada
A minha voz soluça num gemido.

Morre-me a voz, e eu gemo o Ășltimo harpejo,
Estendo à Dulce a mão, a fé perdida,
E dos lĂĄbios de Dulce cai um beijo.

Depois, como este beijo me consola!
Bendita seja a Dulce! A minha vida
Estava unicamente nessa esmola.

Debaixo Do Tamarindo

No tempo de meu Pai, sob estes galhos,
Como uma vela fĂșnebre de cera,
Chorei bilhÔes de vezes com a canseira
De inexorabilĂ­ssimos trabalhos!

Hoje, esta ĂĄrvore de amplos agasalhos
Guarda, como uma caixa derradeira,
O passado da flora brasileira
E a paleontologia dos Carvalhos!

Quando pararem todos os relĂłgios
De minha vida, e a voz dos necrolĂłgios
Gritar nos noticiĂĄrios que eu morri,

Voltando Ă  pĂĄtria da homogeneidade,
Abraçada com a própria Eternidade,
A minha sombra hĂĄ de ficar aqui!

O Canto Dos Presos

Troa, a alardear bĂĄrbaros sons abstrusos,
O epitalĂąmio da Suprema Falta,
Entoado asperamente, em voz muito alta,
Pela promiscuidade dos reclusos!

No wagnerismo desses sons confusos,
Em que o Mal se engrandece e o Ăłdio se exalta,
Uiva, Ă  luz de fantĂĄstica ribalta,
A ignomĂ­nia de todos os abusos!

É a prosĂłdia do cĂĄrcere, Ă© a partĂȘnea
Aterradoramente heterogĂȘnea
Dos grandes transviamentos subjectivos…

È a saudade dos erros satisfeitos,
Que, nĂŁo cabendo mais dentro dos peitos,
Se escapa pela boca dos cativos!

O MartĂ­rio Do Artista

Arte ingrata! E conquanto, em desalento,
A Ăłrbita elipsoidal dos olhos lhe arda,
Busca exteriorizar o pensamento
Que em suas fronetais células guarda!

Tarda-lhe a idéa! A inspiração lhe tarda!
E ei-lo a tremer, rasga o papel, violento,
Como o soldado que rasgou a farda
No desespero do Ășltimo momento!

Tenta chorar e os olhos sente enxutos!…
É como o paralítico que, à mingua
Da prĂłpria voz e na que ardente o lavra

Febre de em vĂŁo falar, com os dedos brutos
Para falar, puxa e repuxa a lĂ­ngua,
E nĂŁo lhe vem Ă  boca uma palavra!

A Esperança

A Esperança não murcha, ela não cansa,
Também como ela não sucumbe a Crença.
Vão-se sonhos nas asas da Descrença,
Voltam sonhos nas asas da Esperança.

Muita gente infeliz assim nĂŁo pensa;
No entanto o mundo Ă© uma ilusĂŁo completa,
E não é a Esperança por sentença
Este laço que ao mundo nos manieta?

Mocidade, portanto, ergue o teu grito,
Sirva-te a crença de fanal bendito,
Salve-te a glĂłria no futuro – avança!

E eu, que vivo atrelado ao desalento,
Também espero o fim do meu tormento,
Na voz da morte a me bradar: descansa!