Sonetos sobre SilĂȘncio

109 resultados
Sonetos de silĂȘncio escritos por poetas consagrados, filĂłsofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Ângelus

Desmaia a tarde. Além, pouco e pouco, no poente,
O sol, rei fatigado, em seu leito adormece:
Uma ave canta, ao longe; o ar pesado estremece
Do Ângelus ao soluço agoniado e plangente.

Salmos cheios de dor, impregnados de prece,
Sobem da terra ao céu numa ascensão ardente.
E enquanto o vento chora e o crepĂșsculo desce,
A ave-maria vai cantando, tristemente.

Nest’hora, muita vez, em que fala a saudade
Pela boca da noite e pelo som que passa,
Lausperene de amor cuja mĂĄgoa me invade,

Quisera ser o som, ser a noite, ébria e douda
De trevas, o silĂȘncio, esta nuvem que esvoaça,
Ou fundir-me na luz e desfazer-me toda.

Uma Doença CĂșmplice

uma doença cĂșmplice, marcas pĂșrpura
dĂŁo ao teu rosto a expressĂŁo do exĂ­lio
a que te submetes, gemeste
toda a noite, soçobraste

Ă  febre alta do final da tarde, uma prega,
vincada no teu rosto,
mantém-te inanimado
entre a vigĂ­lia e a injĂșria

que hĂĄ no sacrifĂ­cio
e te pÔe a carne em chaga.
uma doença altiva, a consistĂȘncia

do silĂȘncio Ă© como aço e o transe
permanece, Ă© superiormente excessiva
tanta angĂșstia.

As MĂŁos

Brandamente escrevem dos espasmos do sol.
Envelhecem do pulso ao cérebro, ao calor baço
de um revérbero no eixo dos ventos, usura
das mĂĄscaras que, sucessivamente, as transformam

de consciĂȘncia em cal ou metal obscuro.
E jå não é por si que a presença existe ou
subsiste o que separa. Destroem as sementes,
apodrecem como um sopro e nĂŁo sĂŁo remanso

na areia ou domadoras de chamas. Igualam-se
Ă  ĂĄgua, para serem raiz do que se cala
e insinuam-se, para sempre, no pĂł da noite.

Um castelo de pele tomba. Deixam de ser
nomeadas ou nome. Escrevem, brandamente,
do termo da mĂșsica o luto do silĂȘncio.

Um PĂĄssaro a Morrer

NĂŁo Ă© vida nem morte, Ă© uma passagem,
nem antes nem depois: somente agora,
um minuto nos tantos duma hora.
Uma pausa. Um intervalo. Uma viragem.

Prisioneira de mim, onde a coragem
de quebrar as algemas, ir-me embora,
se tudo o que em mim ria agora chora,
se jĂĄ nĂŁo me seduz outra viagem?

E nada disto é céu nem é inferno.
Tristeza, sĂł tristeza. Sol de Inverno,
sem uma flor a abrir na minha mĂŁo,

sem um bĂșzio a cantar ao meu ouvido.
SĂł tristeza, um silĂȘncio desmedido
e um påssaro a morrer: meu coração.

Já Sobre o Coche de Ébano Estrelado

Jå sobre o coche de ébano estrelado,
Deu meio giro a Noite escura e feia,
Que profundo silĂȘncio me rodeia
Neste deserto bosque, Ă  luz vedado!

Jaz entre as folhas Zéfiro abafado,
O Tejo adormeceu na lisa areia;
Nem o mavioso rouxinol gorjeia,
Nem pia o mocho, Ă s trevas acostumado.

SĂł eu velo, sĂł eu, pedindo Ă  Sorte
Que o fio com que estĂĄ mih’alma presa
À vil matĂ©ria lĂąnguida, me corte.

Consola-me este horror, esta tristeza,
Porque a meus olhos se afigura a Morte
No silĂȘncio total da Natureza.

Elogio da Morte

I

Altas horas da noite, o Inconsciente
Sacode-me com força, e acordo em susto.
Como se o esmagassem de repente,
Assim me påra o coração robusto.

NĂŁo que de larvas me povĂŽe a mente
Esse vĂĄcuo nocturno, mudo e augusto,
Ou forceje a razĂŁo por que afugente
Algum remorso, com que encara a custo…

Nem fantasmas nocturnos visionĂĄrios,
Nem desfilar de espectros mortuĂĄrios,
Nem dentro de mim terror de Deus ou Sorte…

Nada! o fundo dum poço, hĂșmido e morno,
Um muro de silĂȘncio e treva em torno,
E ao longe os passos sepulcrais da Morte.

II

Na floresta dos sonhos, dia a dia,
Se interna meu dorido pensamento.
Nas regiÔes do vago esquecimento
Me conduz, passo a passo, a fantasia.

Atravesso, no escuro, a névoa fria
D’um mundo estranho, que povĂŽa o vento,
E meu queixoso e incerto sentimento
Só das visÔes da noite se confia.

Que mĂ­sticos desejos me enlouquecem?
Do Nirvana os abismos aparecem,
A meus olhos, na muda imensidade!

N’esta viagem pelo ermo espaço,

Continue lendo…

Ícaro

A minha Dor, vesti-a de brocado,
Fi-la cantar um choro em melopeia,
Ergui-lhe um trono de oiro imaculado,
Ajoelhei de mĂŁos postas e adorei-a.

Por longo tempo, assim fiquei prostrado,
Moendo os joelhos sobre lodo e areia.
E as multidÔes desceram do povoado,
Que a minha dor cantava de sereia…

Depois, ruflaram alto asas de agoiro!
Um silĂȘncio gelou em derredor…
E eu levantei a face, a tremer todo:

Jesus! ruĂ­ra em cinza o trono de oiro!
E, misérrima e nua, a minha Dor
Ajoelhara a meu lado sobre o lodo.

Soneto VI

Ora alegre, ora triste, ou rindo, ou grave,
Ou queda, ou dando passos concertados
Ou tomeis com silĂȘncio altos cuidados,
Ora ouça vossa voz branda e suave;

Ora abertos os olhos (onde a chave
Tem amor do que pode) ora cerrados,
Ou estĂȘm de asperezas descuidados,
Ora sua aspereza tudo agrave;

Ou do crespo ouro que toda alma prende
Vossa cabeça rodeada seja,
Ou dele solto a luz estĂȘ invejosa:

Agora assi, agora assi vos veja,
Igualmente a meus olhos sois fermosa,
Igualmente em meu peito o amor se acende!

Estranha Encruzilhada

NĂŁo sei por que cruzou com a tua a minha estrada,
o destino Ă© inconsciente e nĂŁo sabe o que faz…
– Encontro-te, e afinal, jĂĄ sei que tu Ă©s amada,
encontras-me, e afinal, jĂĄ Ă© bem tarde demais…

JĂĄ nĂŁo posso esquecer a existĂȘncia passada,
perdi meu coração – o amor nĂŁo tenho mais…
– jĂĄ nĂŁo tens coração, e a tua alma, coitada,
sofrendo hĂĄ de ficar sem me esquecer jamais…

Até hoje nesse amor não tínhamos pensado:
Ă© por isso talvez que em silĂȘncio tu choras,
e em silĂȘncio tambĂ©m meu pranto Ă© derramado

Eu cheguei… Tu chegaste… Estranha encruzilhada:
se eu tenho que partir depois que tu me adoras,
se, tu tens que ficar sabendo-te adorada!…

Beethoven Surdo

Surdo, na universal indiferença, um dia,
Beethoven, levantando um desvairado apelo,
Sentiu a terra e o mar num mudo pesadelo.
E o seu mundo interior cantava e restrugia.

Torvo o gesto, perdido o olhar, hirto o cabelo,
Viu, sobre a orquestração que no seu crùnio havia,
Os astros em torpor na imensidade fria,
O ar e os ventos sem voz, a natureza em gelo.

Era o nada, a eversĂŁo do caos no cataclismo,
A sĂ­ncope do som no pĂĄramo profundo,
O silĂȘncio, a algidez, o vĂĄcuo, o horror no abismo.

E Beethoven, no seu supremo desconforto,
Velho e pobre, caiu, como um deus moribundo,
Lançando a maldição sobre o universo morto!

Alvorecer

A noite empalidece. Alvorecer…
Ouve-se mais o gargalhar da fonte…
Sobre a cidade muda, o horizonte
É uma orquídea estranha a florescer.

HĂĄ andorinhas prontas a dizer
A missa d’alva, mal o sol desponte.
Gritos de galos soam monte em monte
Numa intensa alegria de viver.

Passos ao longe… um vulto que se esvai…
Em cada sombra Colombina trai…
Anda o silĂȘncio em volta a q’rer falar…

E o luar que desmaia, macerado,
Lembra, pĂĄlido, tonto, esfarrapado,
Um Pierrot, todo branco, a soluçar…

Blasfémia

SilĂȘncio, meu Amor, nĂŁo digas nada!
Cai a noite nos longes donde vim…
Toda eu sou alma e amor, sou um jardim,
Um pĂĄtio alucinante de Granada!

Dos meus cĂ­lios a sombra enluarada,
Quando os teus olhos descem sobre mim,
Traça trémulas hastes de jasmim
Na palidez da face extasiada!

Sou no teu rosto a luz que o alumia,
Sou a expressão das tuas mãos de raça,
E os beijos que me dĂĄs jĂĄ foram meus!

Em ti sou GlĂłria, Altura e Poesia!
E vejo-me — milagre cheio de graça! —
Dentro de ti, em ti igual a Deus!…

Anjo

Quando a fitar-te ainda o sol declina
E a cor dos teus cabelos no Ar flutua,
A tua alma na minha se insinua,
Teu vulto Ă© prece alando-se, divina!

A nossa voz, esparsa em luz, fascina;
A nossa voz… perdoa, Amor, a tua!
Ergues o olhar: crece em silĂȘncio a lua,
Como uma flor, na tarde peregrina!

E a tua graça, etéreo Abril jucundo,
BĂȘnção de Deus que tudo beija e alcança,
Sorri em flor na escuridĂŁo do Mundo…

A luz do Céu é o teu olhar sem fim;
E, no silĂȘncio feito de esperança,
ouço o teu coração bater por mim!

Mendiga

Na vida nada tenho e nada sou;
Eu ando a mendigar pelas estradas…
No silĂȘncio das noites estreladas
Caminho, sem saber para onde vou!

Tinha o manto do sol… quem mo roubou?!
Quem pisou minhas rosas desfolhadas?!
Quem foi que sobre as ondas revoltadas
A minha taça de oiro espedaçou?!

Agora vou andando e mendigando,
Sem que um olhar dos mundos infinitos
Veja passar o verme, rastejando…

Ah, quem me dera ser como os chacais
Uivando os brados, rouquejando os gritos
Na solidĂŁo dos ermos matagais!…

Soneto do amor difĂ­cil

A praia abandonada recomeça
logo que o mar se vai, a desejĂĄ-lo:
Ă© como o nosso amor, somente embalo
enquanto nĂŁo Ă© mais que uma promessa…

Mas se na praia a onda se espedaça,
hĂĄ logo nostalgia duma flor
que ali devia estar para compor
a vaga em seu rumor de fim de raça.

Bruscos e doloridos, refulgimos
no silĂȘncio de morte que nos tolhe,
como entre o mar e a praia um longo molhe
de sĂșbito surgido Ă  flor dos limos.

E deste amor difĂ­cil sĂł nasceu
desencanto na curva do teu céu.

Espiritualismo

I

Como um vento de morte e de ruĂ­na,
A DĂșvida soprou sobre o Universo.
Fez-se noite de sĂșbito, imerso
O mundo em densa e algida neblina.

Nem astro jĂĄ reluz, nem ave trina,
Nem flor sorri no seu aéreo berço.
Um veneno subtil, vago, disperso,
Empeçonhou a criação divina.

E, no meio da noite monstruosa,
Do silĂȘncio glacial, que paira e estende
O seu sudĂĄrio, d’onde a morte pende,

SĂł uma flor humilde, misteriosa,
Como um vago protesto da existĂȘncia,
Desabroxa no fundo da ConsciĂȘncia.

II

Dorme entre os gelos, flor imaculada!
Luta, pedindo um ultimo clarĂŁo
Aos sĂłis que ruem pela imensidĂŁo,
Arrastando uma aurĂ©ola apagada…

Em vĂŁo! Do abismo a boca escancarada
Chama por ti na gĂ©lida amplidĂŁo…
Sobe do poço eterno, em turbilhão,
A treva primitiva conglobada…

Tu morrerås também. Um ai supremo,
Na noite universal que envolve o mundo,
Ha-de ecoar, e teu perfume extremo

No vĂĄcuo eterno se esvairĂĄ disperso,
Como o alento final d’um moribundo,
Como o Ășltimo suspiro do Universo.

Continue lendo…

Quatro Sonetos De Meditação – II

Uma mulher me ama. Se eu me fosse
Talvez ela sentisse o desalento
Da ĂĄrvore jovem que nĂŁo ouve o vento
Inconstante e fiel, tardio e doce

Na sua tarde em flor. Uma mulher
Me ama como a chama ama o silĂȘncio
E o seu amor vitorioso vence
O desejo da morte que me quer.

Uma mulher me ama. Quando o escuro
Do crepĂșsculo mĂłrbido e maduro
Me leva a face ao gĂȘnio dos espelhos

E eu, moço, busco em vão meus olhos velhos
Vindos de ver a morte em mim divina:
Uma mulher me ama e me ilumina.

O Sol Da Tarde

Aquela tarde em que eu estava em Roma,
aquela tarde com sol da manhĂŁ,
como ser sĂł a tarde, se era a soma
do sol filtrado pela telha vĂŁ?

Assim sĂŁo sob o sol todas as tardes:
são clarÔes e janelas, são aromas,
e o silĂȘncio que cala o vĂŁo alarde
da tarde que se estende sobre Roma.

Sob o sol que declina, aqui estou
esperando que a noite caia em Roma
como um pĂĄlio que oculta o nada e a morte.

Roma dos obeliscos e sarcĂłfagos!
Depois de tanto sol e tanto vento
a noite desce e eu sou a noite e pĂł.

Esta Saudade

Esta saudade Ă©s tu… E Ă© toda feita
de ti, dos teus cabelos, dos teus olhos
que permanecem como estrelas vagas:
dos anseios de amor, coagulados.

Esta saudade Ă©s tu… É esse teu jeito
de pomba mansa nos meus braços quieta;
Ă© a tua voz tecida de silĂȘncio
nas palavras de amor que ainda sussurram…

Esta saudade sĂŁo teus seios brancos;
tuas carĂ­cias que ainda estĂŁo comigo
deixando insones todos os sentidos.

Esta saudade Ă©s tu… Ă© a tua falta
viva, em meu corpo, na minha alma, viva,
… enquanto eu morro no meu pensamento.

Narciso

Dentro de mim me quis eu ver. Tremia,
Dobrado em dois sobre o meu prĂłprio poço…
Ah, que terrível face e que arcabouço
Este meu corpo lĂąnguido escondia!

Ó boca tumular, cerrada e fria,
Cujo silĂȘncio esfĂ­ngico bem ouço!
Ó lindos olhos sîfregos, de moço,
Numa fronte a suar melancolia!

Assim me desejei nestas imagens.
Meus poemas requintados e selvagens,
O meu Desejo os sulca de vermelho:

Que eu vivo Ă  espera dessa noite estranha,
Noite de amor em que me goze e tenha,
…LĂĄ no fundo do poço em que me espelho!