Sonetos sobre Sofrimento de Luís de Camões

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Sonetos de sofrimento de Luís de Camões. Leia este e outros sonetos de Luís de Camões em Poetris.

Louvado Seja Amor em Meu Tormento

No tempo que de amor viver soĂ­a,
Nem sempre andava ao remo ferrolhado;
Antes agora livre, agora atado,
Em várias flamas variamente ardia.

Que ardesse n’um sĂł fogo nĂŁo queria
O CĂ©u porque tivesse experimentado
Que nem mudar as causas ao cuidado
Mudança na ventura me faria.

E se algum pouco tempo andava isento,
Foi como quem co’o peso descansou
Por tornar a cansar com mais alento.

Louvado seja Amor em meu tormento,
Pois para passatempo seu tomou
Este meu tĂŁo cansado sofrimento!

Se tanta pena tenho merecida

Se tanta pena tenho merecida
Em pago de sofrer tantas durezas,
Provai, Senhora, em mim vossas cruezas,
Que aqui tendes u~a alma oferecida.

Nela experimentai, se sois servida,
Desprezos, desfavores e asperezas,
Que mores sofrimentos e firmezas
Sustentarei na guerra desta vida.

Mas contra vosso olhos quais serĂŁo?
Forçado é que tudo se lhe renda,
Mas porei por escudo o coração.

Porque, em tão dura e áspera contenda,
É bem que, pois não acho defensão,
Com me meter nas lanças me defenda.

Lágrimas de Honesta Piedade e Imortal Contentamento

Amor, que o gesto humano na alma escreve,
Vivas faĂ­scas me mostrou um dia,
Donde um puro cristal se derretia
Por entre vivas rosas a alva neve.

A vista, que em si mesma nĂŁo se atreve,
Por se certificar do que ali via,
Foi convertida em fonte, que fazia
A dor ao sofrimento doce e leve.

Jura Amor, que brandura de vontade
Causa o primeiro efeito; o pensamento
Endoidece, se cuida que Ă© verdade.

Olhai como Amor gera, em um momento,
De lágrimas de honesta piedade
Lágrimas de imortal contentamento.

Quanto Mais me Paga, Mais me Deve

Passo por meus trabalhos tĂŁo isento
De sentimento grande nem pequeno,
Que sĂł por a vontade com que peno
Me fica Amor devendo mais tormento.

Mas vai-me Amor matando tanto a tento,
Temperando a triaga c’o veneno,
Que do penar a ordem desordeno,
Porque nĂŁo mo consente o sofrimento.

Porém se esta fineza o Amor sente
E pagar-me meu mal com mal pretende,
Torna-me com prazer como ao sol neve.

Mas se me vĂŞ co’os males tĂŁo contente,
Faz-se avaro da pena, porque entende
Que quanto mais me paga, mais me deve.

Fortuna Em Mim Guardando Seu Direito

Fortuna em mim guardando seu direito
em verde derrubou minha alegria.
Oh! quanto se acabou naquele dia,
cuja triste lembrança arde em meu peito!

Quando contemplo tudo, bem suspeito
que a tal bem, tal descanso se devia,
por nĂŁo dizer o mundo que podia
achar-se em seu engano bem perfeito.

Mas se a Fortuna o fez por descontar-me
tamanho gosto , em cujo sentimento
a memĂłria nĂŁo faz senĂŁo matar-me ,

que culpa pode dar-me o sofrimento,
se a causa que ele tem de atormentar-me,
eu tenho de sofrer o seu tormento?

Um Mover D’olhos, Brando E Piadoso

Um mover d’olhos, brando e piadoso,
sem ver de quĂŞ; um riso brando e honesto,
quase forçado; um doce e humilde gesto,
de qualquer alegria duvidoso;

um despejo quieto e vergonhoso;
um repouso gravĂ­ssimo e modesto;
ĂĽa pura bondade, manifesto
indĂ­cio da alma, limpo e gracioso;

um encolhido ousar; ĂĽa brandura;
um medo sem ter culpa; um ar sereno;
um longo e obediente sofrimento;

esta foi a celeste fermosura
da minha Circe, e o mágico veneno
que pĂ´de transformar meu pensamento.

O Mágico Veneno

Um mover de olhos, brando e piedoso,
Sem ver de quĂŞ; um riso brando e honesto,
Quase forçado; um doce e humilde gesto,
De qualquer alegria duvidoso;

Um despejo quieto e vergonhoso;
Um repouso gravĂ­ssimo e modesto;
Uma pura bondade, manifesto
IndĂ­cio da alma, limpo e gracioso;

Um encolhido ousar; uma brandura;
Um medo sem ter culpa; um ar sereno;
Um longo e obediente sofrimento;

Esta foi a celeste formosura
Da minha Circe, e o mágico veneno
Que pĂ´de transformar meu pensamento.

Lembranças Saudosas

Lembranças saudosas, se cuidais
De me acabar a vida neste estado,
NĂŁo vivo com meu mal tĂŁo enganado,
Que nĂŁo espere dele muito mais.

De longo tempo já me costumais
A viver de algum bem desesperado:
Já tenho co’a Fortuna concertado
De sofrer os tormentos que me dais.

Atada ao remo tenho a paciĂŞncia
Para quantos desgostos der a vida;
Cuide quanto quiser o pensamento.

Que pois nĂŁo posso ter mais resistĂŞncia
Para tĂŁo dura queda, de subida,
Aparar-lhe-ei debaixo o sofrimento.