Alda
Alva, do alvor das límpidas geleiras,
Desta ressumbra candidez de aromas…
Parece andar em nichos e redomas
De Virgens medievais que foram freiras.Alta, feita no talhe das palmeiras,
A coma de ouro, com o cetim das comas,
Branco esplendor de faces e de pomas
Lembra ter asas e asas condoreiras.Pássaros, astros, cânticos, incensos
Formam-lhe aureoles, sóis, nimbos imensos
Em torno a carne virginal e rara.Alda fez meditar nas monjas alvas,
Salvas do Vicio e do Pecado salvas,
Amortalhadas na pureza clara.
Sonetos sobre Sol de Cruz e Souza
77 resultadosHarpas Eternas
Hordas de Anjos titânicos e altivos,
Serenos, colossais, flamipotentes,
De grandes asas vívidas, frementes,
De formas e de aspectos expressivos.Passam, nos sóis da Glória redivivos,
Vibrando as de ouro e de Marfim dolentes,
Finas harpas celestes, refulgentes,
Da luz nos altos resplendores vivosE as harpas enchem todo o imenso espaço
De um cântico pagão, lascivo, lasso,
Original, pecaminoso e brando…E fica no ar, eterna, perpetuada
A lânguida harmonia delicada
Das harpas, todo o espaço avassalando.
25 De Março
25 DE MARÇO
(Recife, 1885)
Em Pernambuco para o CearáBem como uma cabeça inteiramente nua
De sonhos e pensar, de arroubos e de luzes,
O sol de surpreso esconde-se, recua,
Na órbita traçada — de fogo dos obuses.Da enérgica batalha estóica do Direito
Desaba a escravatura — a lei cujos fossos
Se ergue a consciência — e a onda em mil destroços
Resvala e tomba e cai o branco preconceito.E o Novo Continente, ao largo e grande esforço
De gerações de heróis — presentes pelo dorso
À rubra luz da glória — enquanto voa e zumbe.O inseto do terror, a treva que amortalha,
As lágrimas do Rei e os bravos da canalha,
O velho escravagismo estéril que sucumbe.
Impassível
Teu coração de mármore não ama
Nem um dia sequer, nem um só dia.
Essa inclemente natureza fria
Jamais na luz dos astros se derrama.Mares e céus, a imensidade clama
Por esse olhar d’estrelas e harmonia,
Sem uma névoa de melancolia,
Do amor nas pompas e na vida chama.A Imensidade nunca mais quer vê-lo,
Indiferente às comoções, de gelo
Ao mar, ao sol, aos roseirais de aromas.Ama com o teu olhar, que a tudo encantas,
Ou se antes de pedra, como as santas,
Mudas e tristes dentro das redomas.
Surdinas
Às raparigas tristes
Vais partir, vais partir que eu bem te vejo
Na branca face os gélidos suores,
Vais procurar as musicas melhores
Do sol, da glória e do celeste beijo.Dentro de ti harpas do desejo
Não vibram mais — embora que tu chores —
Nem pelas tuas aflições maiores
Se escuta um vago e enfraquecido arpejo…Bem! vais partir, vais demandar esferas
Amplas de luz, feitas de primaveras,
Paisagens novas e amplidão florida…Mas ao chegar-te a lágrima infinita,
Lembra-te ainda, ó pálida bonita
De que houve alguém que te adorou na vida.
Delírio Do Som
O Boabdil mais doce que um carinho,
O teu piano ebúrneo soluçava,
E cada nota, amor, que ele vibrava,
Era-me n’alma um sol desfeito em vinho.Me parecia a música do arminho,
O perfume do lírio que cantava,
A estrela-d’alva que nos céus entoava
Uma canção dulcíssima baixinho.Incomparável, teu piano — e eu cria
Ver-te no espaço, em fluidos de harmonia,
Bela, serena, vaporosa e nua;Como as visões olímpicas do Reno,
Cantando ao ar um delicioso treno
Vago e dolente, com uns tons de lua.
Guerra Junqueiro
Quando ele do Universo o largo supedâneo
Galgou como os clarões — quebrando o que não serve,
Fazendo que explodissem os astros de seu crânio,
As gemas da razão e os músculos da verve;Quando ele esfuziou nos páramos as trompas,
As trompas marciais — as liras do estupendo,
Pejadas de prodígios, assombros e de pompas,
Crescendo em proporções, crescendo e recrescendo;Quando ele retesou os nervos e as artérias
Do verso orbicular — rasgando das misérias
O ventre do Ideal na forte hematemese.Clamando — é minha a luz, que o século propague-a,
Quando ele avassalou os píncaros da águia
E o sol do Equador vibrou-lhe aquelas teses!
Auréola Equatorial
A Teodoreto Souto
Fundi em bronze a estrofe augusta dos prodígios,
Poetas do Equador, artísticos Barnaves;
Que o facho — Abolição — rasgando as nuvens graves
De raios e bulcões — triunfa nos litígios!— O rei Mamoud, o Sol, vibrou p’raquelas bandas
do Norte — a grande luz — elétrico, explodindo,
Assim como quem vai, intrépido, subindo
À luz da idade nova — em claras propagandas.— Os pássaros titãs nos seus conciliábulos,
— Chilreiam, vão cantando em místicos vocábulos,
Alargam-se os pulmões nevrálgicos das zonas;Abri alas, abri! — Que em túnica de assombros,
Irá passar por vós, com a Liberdade aos ombros,
Como um colosso enorme o impávido Amazonas!
Alma Que Chora
A João Saldanha
Em vão do Cristo aos olhos dulçurosos
Onde há o sol do bem e da verdade,
Cheios da luz eterna de saudade,
Como dois mansos corações piedosos,Em vão do Cristo os olhos lacrimosos
E aquela doce e pura suavidade
Do seu semblante, casto, de bondade,
Cor do luar dos sonhos venturosos,Servem de exemplo a dor escruciante
Que te apunhala e fere a cada instante,
A punhaladas ríspidas, austeras!Viste partir a tua irmã, se, viste,
Como num céu enévoado e triste
O bando azul das fúlgidas quimeras…
Sonhador
Por sóis, por belos sóis alvissareiros,
Nos troféus do teu Sonho irás cantando
As púrpuras romanas arrastando,
Engrinaldado de imortais loureiros.Nobre guerreiro audaz entre os guerreiros,
Das Idéias as lanças sopesando,
Verás, a pouco e pouco, desfilando
Todos os teus desejos condoreiros…Imaculado, sobre o lodo imundo,
Há de subir, com as vivas castidades,
Das tuas glórias o clarão profundo.Há de subir, além de eternidades,
Diante do torvo crocitar do mundo,
Para o branco Sacrário das Saudades!
Plangência Da Tarde
Quando do campo as prófugas ovelhas
Voltam a tarde, lépidas, balando
Com elas o pastor volta cantando
E fulge o ocaso em convulsões vermelhas.Nos beirados das casas, sobre as telhas
Das andorinhas esvoaça o bando…
E o mar, tranqüilo, fica cintilando
Do sol que morre as últimas centelhas.O azul dos montes vago na distância…
No bosque, no ar, a cândida fragrância
Dos aromas vitais que a tarde exala.Às vezes, longe, solta, na esplanada,
A ovelha errante, tonta e desgarrada,
Perdida e triste pelos ermos bala …
Alçando O Livro Colossal Ardente
Alçando o livro colossal ardente
Traças no crânio um sulco luminoso,
E vais seguindo o remontar garboso
Do sol fagueiro lá no espaço ingente!Ergues a fronte juvenil potente
Já como herói ou lutador famoso
E c’uma forma de pensar honroso
Fazes-te esperança da brasílea gente!Seis vezes astro de maior grandeza
Enfim lá surges nos exames belos
Enfim triunfas na brilhante empresa!Seis vezes quebras da ignorância os elos,
Seis vezes vives com mais sã firmeza,
Gemem seis vezes a louvar-te os prelos!…
Post Mortem
Quando do amor das Formas inefáveis
No teu sangue apagar-se a imensa chama,
Quando os brilhos estranhos e variáveis
Esmorecerem nos troféus da Fama.Quando as níveas Estrelas invioláveis,
Doce velário que um luar derrama,
Nas clareiras azuis ilimitáveis
Clamarem tudo o que o teu Verso clama.Já terás para os báratros descido,
Nos cilícios da Morte revestido,
Pés e faces e mãos e olhos gelados…Mas os teus Sonhos e Visões e Poemas
Pelo alto ficarão de eras supremas
Nos relevos do Sol eternizados!
O Chalé
É um chalé luzido e aristocrático,
De fulgurantes, ricos arabescos,
Janelas livres para os ares frescos,
Galante, raro, encantador, simpático.O sol que vibra em rubro tom prismático,
No resplendor dos luxos principescos,
Dá-lhe uns alegres tiques romanescos,
Um colorido ideal silforimático.Há um jardim de rosas singulares,
Lírios joviais e rosas não vulgares,
Brancas e azuis e roxas purpúreas.E a luz do luar caindo em brilhos vagos,
Na placidez de adormecidos lagos
Abre esquisitas radiações sulfúreas.
Celeste
Vi-te crescer! tu eras a criança
Mais linda, mais gentil, mais delicada:
Tinhas no rosto as cores da alvorada
E o sol disperso pela loira trança.Asas tinhas também, as da esperança…
E de tal sorte eras sutil e alada
Que parecias ave arrebatada
Na luz do Espaço onde a razão descansa!Depois, então, fizeste-te menina,
Visão de amor, puríssima, divina,
Perante a qual ainda hoje me ajoelho.Cresceste mais! És bela e moça agora…
Mas eu, que acompanhei toda essa aurora,
Sinto bem quanto estou ficando velho.
Quando Será?!
Quando será que tantas almas duras
Em tudo, já libertas, já lavadas
nas águas imortais, iluminadas
Do sol do Amor, hão de ficar bem puras?Quando será que as límpidas frescuras
Dos claros rios de ondas estreladas
Dos céus do Bem, hão de deixar clareadas
Almas vis, almas vãs, almas escuras?Quando será que toda a vasta Esfera,
Toda esta constelada e azul Quimera,
Todo este firmamento estranho e mudo,Tudo que nos abraça e nos esmaga,
quando será que uma resposta vaga,
Mas tremenda, hão de dar de tudo, tudo?!
Alma Antiga
Põe a tua alma francamente aberta
Ao sol que pelos páramos faísca,
Que o sol para a tua alma velha e prisca
Deve de ser como um clarim de alerta.Desperta, pois, por entre o sol, desperta
Como de um ninho a pomba quente e arisca
À luz da aurora que dos altos risca
De listrões d’ouro a vastidão deserta.Vai por abril em flores gorgeando
Como pássaro exul as canções leves
Que os ventos vão nas árvores deixando.E tira da tua alma, ó doce amiga,
Almas serenas, puras como a neve,
Almas mais novas que a tua alma antiga!