Sonetos sobre Lágrimas de Cruz e Souza

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Lágrimas Da Aurora, Poemas Cristalinos

Lágrimas da aurora, poemas cristalinos
Que rebentais das cobras do mistério!
Aves azuis do manto auri-sidĂ©rio…
Raios de luz, fantásticos, divinos!…

Astros diáfanos, brandos, opalmos,
Brancas cecens do Paraíso etéreo,
Canto da tarde, límpido, aéreo,
Harpa ideal, dos encantados hinos!…

Brisas suaves, virações amenas,
LĂ­rios do vale, roseirais do lago,
Bandos errantes de sutis falenas!…

Vinde do arcano n’um potente afago
Louvar o Gênio das mansões serenas,
Esse ProdĂ­gio singular e mago!!…

Frutas E Flores

Laranjas e morangos — quanto Ă s frutas,
Quanto às flores, porém, ah! quanto às flores,
Trago-te dálias rubras, d’essas cores
Das brilhantes auroras impolutas.

Venho de ouvir as misteriosas lutas
Do mar chorando lágrimas de amores;
Isto Ă©, venho de estar entre os verdores
De um sĂ­tio cheio de asperezas brutas,

Mas onde as almas — pássaros que voam —
Vivem sorrindo Ă s mĂşsicas que ecoam
Dos campos livres na rural pobreza.

Trago-te frutas, flores, sĂł apenas,
Porque não pude, irmã das açucenas,
Trazer-te o mar e toda a natureza!

Spleen De Deuses

Oh! Dá-me o teu sinistro Inferno
Dos desesperos tétricos, violentos,
Onde rugem e bramem como os ventos
Anátemas da Dor, no fogo eterno…

Dá-me o teu fascinante, o teu falerno
Dos falernos das lágrimas sangrentos
Vinhos profundos, venenosos, lentos
Matando o gozo nesse horror do Averno.

Assim o Deus dos Páramos clamava
Ao DemĂ´nio soturno, e o rebelado,
CapricĂłrnio SatĂŁ, ao Deus bradava.

Se és Deus-e já de mim tens triunfado,
Para lavar o Mal do Inferno e a bava
Dá-me o tĂ©dio senil do cĂ©u fechado…

LĂ­rio Lutuoso

EssĂŞncia das essĂŞncias delicadas,
Meu perfumoso e tenebroso lĂ­rio,
Oh! dá-me a glória de celeste Empíreo
Da tu’alma nas sombras encantadas.

Subindo lento escadas por escadas,
Nas espirais nervosas do MartĂ­rio,
Das Ă‚nsias, da Vertigem, do DelĂ­rio,
Vou em busca de mágicas estradas.

Acompanha-me sempre o teu perfume,
LĂ­rio da Dor que o Mal e o Bem resumem,
Estrela negra, tenebroso fruto.

Oh! dá-me a glória do teu ser nevoento
para que eu possa haurir o sentimento
Das lágrimas acerbas do teu luto!.

VisĂŁo Guiadora

Ă“ alma silenciosa e compassiva
Que conversas com os Anjos da Tristeza,
Ó delicada e lânguida beleza
Nas cadeias das lágrimas cativa.

Frágil, nervosa timidez lasciva,
Graça magoada, doce sutileza
De sombra e luz e da delicadeza
Dolorosa de mĂşsica aflitiva.

Alma de acerbo, amargurado exĂ­lio,
Perdida pelos céus num vago idílio
Com as almas e visões dos desolados.

Ă“ tu que Ă©s boa e porque Ă©s boa Ă©s bela,
Da Fé e da Esperança eterna estrela
Todo o caminho dos desamparados.

Sensibilidade

Como os audazes, ruivos argonautas,
Intrépidos, viris e corajosos
Que voltam dos orientes fantasiosos,
Dos paĂ­ses de NĂşbios e Aranautas.

Como esses bravos, que por naus incautas,
Regressam dos oceanos borrascosos,
Indo encontrar nos lares harmoniosos
De luz, vinho e alegria as mesas lautas.

Tal o meu coração, quando aparece
A tua imagem, canta e resplandece,
Sem lutas, sem paixões, livre de abrolhos.

A meu pesar, louco de ver-te, louco,
As lágrimas me correm pouco a pouco,
Como o champanhe virginal dos olhos…

Alma Mater

Alma da Dor, do Amor e da Bondade,
Alma purificada no Infinito,
PerdĂŁo santo de tudo o que Ă© maldito,
Harpa consoladora da Saudade!

Das estrelas serena virgindade,
Alma sem um soluço e sem um grito,
Da alta Resignação, da alta Piedade!
Tu, que as profundas lágrimas estancas

E sabes levantar Imagens brancas
No silencio e na sombra mais velada…

Derrama os lĂ­rios, os teus lĂ­rios castos,
Em Jordões imortais, vastos e vastos,
No fundo da minh’alma lacerada!

Madona Da Tristeza

Quando te escuto e te olho reverente
E sinto a tua graça triste e bela
De ave medrosa, tĂ­mida, singela,
Fico a cismar enternecidamente.

Tua voz, teu olhar, teu ar dolente
Toda a delicadeza ideal revela
E de sonhos e lágrimas estrela
O meu ser comovido e penitente.

Com que mágoa te adoro e te contemplo,
Ă“ da Piedade soberano exemplo,
Flor divina e secreta da Beleza.

Os meus soluços enchem os espaços
Quando te aperto nos estreitos braços,
solitária madona da Tristeza!

A Morte

Oh! que doce tristeza e que ternura
No olhar ansioso, aflito dos que morrem…
De que âncoras profundas se socorrem
Os que penetram nessa noite escura!

Da vida aos frios véus da sepultura
Vagos momentos trĂŞmulos decorrem…
E dos olhos as lágrimas escorrem
Como farĂłis da humana Desventura.

Descem entĂŁo aos golfos congelados
Os que na terra vagam suspirando,
Com os velhos corações tantalizados.

Tudo negro e sinistro vai rolando
Báratro abaixo, aos ecos soluçados
Do vendaval da Morte ondeando, uivando…

Velho

Estás morto, estás velho, estás cansado!
Como um sulco de lágrimas pungidas,
Ei-las, as rugas, as indefinidas
Noites do ser vencido e fatigado.

Envolve-te o crepĂşsculo gelado
Onde vai soturno amortalhando as vidas
Ante o responso em mĂşsicas gemidas
No fundo coração dilacerado.

A cabeça pendida de fadiga,
Sentes a morte taciturna e amiga
Que os teus nervos cĂ­rculos governa.

Estás velho, estás morto! Ó dor, delírio,
Alma despedaçada de martírio,
Ó desespero da Desgraça eterna!

Deus Do Mal

EspĂ­rito do Mal, Ăł deus perverso
Que tantas almas dĂşbias acalentas,
Veneno tentador na luz disperso
Que a prĂłpria luz e a prĂłpria sombra tentas.

SĂ­mbolo atroz das culpas do Universo,
Espelho fiel das convulsões violentas
Do gasto coração no lodo imerso
Das tormentas vulcânicas, sangrentas.

Toda a tua sinistra trajetĂłria
Tem um brilho de lágrima ilusória,
As melodias mĂłrbidas do Inferno…

És Mal, mas sendo Mal és soluçante,
Sem a graça divina e consolante,
RĂ©probo estranho do PerdĂŁo eterno!

Floripes

Fazes lembrar as mouras dos castelos,
As errantes visões abandonadas
Que pelo alto das torres encantadas
Suspiravam de trĂŞmulos anelos.

Traços ligeiros, tímidos, singelos
Acordam-te nas formas delicadas
Saudades mortas de regiões sagradas,
Carinhos, beijos, lágrimas, desvelos.

Um requinte de graça e fantasia
Dá-te segredos de melancolia,
Da Lua todo o lânguido abandono…

Desejos vagos, olvidadas queixas
VĂŁo morrer no calor dessas madeixas,
Nas virgens florescĂŞncias do teu sono.

Perante A Morte

Perante a Morte empalidece e treme,
Treme perante a Morte, empalidece.
Coroa-te de lágrimas, esquece
O Mal cruel que nos abismos geme.

Ah! longe o Inferno que flameja e freme,
Longe a PaizĂŁo que sĂł no horror floresce…
A alma precisa de silĂŞncio e prece,
Pois na prece e silĂŞncio nada teme.

SilĂŞncio e prece no fatal segredo,
Perante o pasmo do sombrio medo
Da morte e os seus aspectos reverentes…

SilĂŞncio para o desespero insano,
O furor gigantesco e sobre-humano,
A dor sinistra de ranger os dentes!

Feliz!

Ser de beleza, de melamcolia,
Espírito de graça e de quebranto,
Deus te bendiga o doloroso pranto,
Enxugue as tuas lágrimas um dia.

Se a tu’alma Ă© d’estrela e d’harmonia,
Se o que vem dela tem divino encanto,
Deus a proteja no sagrado manto,
No céu, que é o vale azul da Nostalgia.

Deus a proteja na felicidade
Do sonho, do mistério, da saudade,
De cânticos, de aroma e luz ardente.

E sĂŞ feliz e sĂŞ feliz subindo,
Subindo, a Perfeição na alma sentindo
Florir e alvorecer libertamente!

Um Ser

Um ser na placidez da Luz habita,
Entre os mistérios inefáveis mora.
Sente florir nas lágrimas que chora
A alma serena, celestial, bendita.

Um ser pertence Ă  mĂşsica infinita
Das Esferas, pertence Ă  luz sonora
Das estrelas do Azul e hora por hora
Na Natureza virginal palpita.

Um ser desdenha das fatais poeiras,
Dos miseráveis ouropéis mundanos
E de todas as frĂ­volas cegueiras…

Ele passa, atravessa entre os humanos,
Como a vida das vidas forasteiras
Fecundada nos prĂłprios desenganos.

SilĂŞncios

Largos SilĂŞncios interpretativos,
Adoçados por funda nostalgia,
Balada de consolo e simpatia
Que os sentimentos meus torna cativos.

Harmonia de doces lenitivos,
Sombra, segredo, lágrima, harmonia
Da alma serena, da alma fugidia
Nos seus vagos espasmos sugestivos.

Ó Silêncios! ó cândidos desmaios,
Vácuos fecundos de celestes raios
De sonhos, no mais lĂ­mpido cortejo…

Eu vos sinto os mistérios insondáveis,
Como de estranhos anjos inefáveis
O glorioso esplendor de um grande beijo!

Musica Misteriosa

Tenda de Estrelas nĂ­veas, refulgentes,
Que abris a doce luz de alampadários,
As harmonias dos Estradivarius
Erram da Lua nos clarões dormentes…

Pelos raios fluĂ­dicos, diluentes
Dos Astros, pelos trêmulos velários,
Cantam Sonhos de místicos templários,
De ermitões e de ascetas reverentes…

Cânticos vagos, infinitos, aéreos
Fluir parecem dos Azuis etéreos,
Dentre os nevoeiros do luar fluindo…

E vai, de Estrela a Estrela, a luz da Lua,
Na láctea claridade que flutua,
A surdina das lágrimas subindo…

Aos Mortos

Oh! nĂŁo Ă© bom rir-se de um morto — brusca
Pois deve ser a sensação que aumenta
Desoladora, vagarosa, lenta
Da negra morte tĂ©trica velhusca…

Tudo que em vida, como um sol, corusca,
Que nos aquece, que nos acalenta,
Tudo que a dor e a lágrima afugenta,
O olhar da morte nos apaga e ofusca…

Nunca se deve desprezar os mortos…
Nos regelados e sombrios portos,
Onde a matéria se transforma e urge

Exuberar na planturosa leiva,
Vivem os mortos no vigor da seiva,
Porque dĂŁo vida ao que da vida surge!…

25 De Março

25 DE MARÇO
(Recife, 1885)
Em Pernambuco para o Ceará

Bem como uma cabeça inteiramente nua
De sonhos e pensar, de arroubos e de luzes,
O sol de surpreso esconde-se, recua,
Na Ăłrbita traçada — de fogo dos obuses.

Da enérgica batalha estóica do Direito
Desaba a escravatura — a lei cujos fossos
Se ergue a consciĂŞncia — e a onda em mil destroços
Resvala e tomba e cai o branco preconceito.

E o Novo Continente, ao largo e grande esforço
De gerações de herĂłis — presentes pelo dorso
Ă€ rubra luz da glĂłria — enquanto voa e zumbe.

O inseto do terror, a treva que amortalha,
As lágrimas do Rei e os bravos da canalha,
O velho escravagismo estéril que sucumbe.

Surdinas

Ă€s raparigas tristes

Vais partir, vais partir que eu bem te vejo
Na branca face os gélidos suores,
Vais procurar as musicas melhores
Do sol, da glĂłria e do celeste beijo.

Dentro de ti harpas do desejo
NĂŁo vibram mais — embora que tu chores —
Nem pelas tuas aflições maiores
Se escuta um vago e enfraquecido arpejo…

Bem! vais partir, vais demandar esferas
Amplas de luz, feitas de primaveras,
Paisagens novas e amplidĂŁo florida…

Mas ao chegar-te a lágrima infinita,
Lembra-te ainda, ó pálida bonita
De que houve alguém que te adorou na vida.