Sonetos sobre Lágrimas de Cruz e Souza

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Sonetos de lágrimas de Cruz e Souza. Leia este e outros sonetos de Cruz e Souza em Poetris.

Musica Misteriosa

Tenda de Estrelas nĂ­veas, refulgentes,
Que abris a doce luz de alampadários,
As harmonias dos Estradivarius
Erram da Lua nos clarões dormentes…

Pelos raios fluĂ­dicos, diluentes
Dos Astros, pelos trêmulos velários,
Cantam Sonhos de místicos templários,
De ermitões e de ascetas reverentes…

Cânticos vagos, infinitos, aéreos
Fluir parecem dos Azuis etéreos,
Dentre os nevoeiros do luar fluindo…

E vai, de Estrela a Estrela, a luz da Lua,
Na láctea claridade que flutua,
A surdina das lágrimas subindo…

Aos Mortos

Oh! nĂŁo Ă© bom rir-se de um morto — brusca
Pois deve ser a sensação que aumenta
Desoladora, vagarosa, lenta
Da negra morte tĂ©trica velhusca…

Tudo que em vida, como um sol, corusca,
Que nos aquece, que nos acalenta,
Tudo que a dor e a lágrima afugenta,
O olhar da morte nos apaga e ofusca…

Nunca se deve desprezar os mortos…
Nos regelados e sombrios portos,
Onde a matéria se transforma e urge

Exuberar na planturosa leiva,
Vivem os mortos no vigor da seiva,
Porque dĂŁo vida ao que da vida surge!…

25 De Março

25 DE MARÇO
(Recife, 1885)
Em Pernambuco para o Ceará

Bem como uma cabeça inteiramente nua
De sonhos e pensar, de arroubos e de luzes,
O sol de surpreso esconde-se, recua,
Na Ăłrbita traçada — de fogo dos obuses.

Da enérgica batalha estóica do Direito
Desaba a escravatura — a lei cujos fossos
Se ergue a consciĂŞncia — e a onda em mil destroços
Resvala e tomba e cai o branco preconceito.

E o Novo Continente, ao largo e grande esforço
De gerações de herĂłis — presentes pelo dorso
Ă€ rubra luz da glĂłria — enquanto voa e zumbe.

O inseto do terror, a treva que amortalha,
As lágrimas do Rei e os bravos da canalha,
O velho escravagismo estéril que sucumbe.

Surdinas

Ă€s raparigas tristes

Vais partir, vais partir que eu bem te vejo
Na branca face os gélidos suores,
Vais procurar as musicas melhores
Do sol, da glĂłria e do celeste beijo.

Dentro de ti harpas do desejo
NĂŁo vibram mais — embora que tu chores —
Nem pelas tuas aflições maiores
Se escuta um vago e enfraquecido arpejo…

Bem! vais partir, vais demandar esferas
Amplas de luz, feitas de primaveras,
Paisagens novas e amplidĂŁo florida…

Mas ao chegar-te a lágrima infinita,
Lembra-te ainda, ó pálida bonita
De que houve alguém que te adorou na vida.

Irradiações

Às crianças

Qual da amplidão fantástica e serena
Ă€ luz vermelha e rĂştila da aurora
Cai, gota a gota, o orvalho que avigora
A imaculada e cândida açucena.

Como na cruz, da triste Madalena
Aos pés de Cristo, a lágrima sonora
Caia, rolou, qual bálsamo que irrora
A negra mágoa, a indefinida pena…

Caia por vós, esplêndidas crianças
Bando feliz de castas esperanças,
Sonhos da estrela no infinito imersas;

Caia por vĂłs, as mĂşsicas formosas,
Como um dilĂşvio matinal de rosas,
Todo o luar benéfico dos versos!

Decadentes

Richepin, Rollinat! gritos sangrentos
Da carne alvoroçada de desejos,
Mosto de risos, lágrimas e beijos,
Estertores de abutres famulentos.

Desesperado frĂŞmito dos ventos,
De harpas, sutis, fantásticos harpejos,
Clarins de guerra, e cânticos e adejos
De aves — todos os vivos elementos.

Tudo flameja e nas estrofes canta,
Estruge, zune, em borbotões levanta
Noites, luares, fulgurantes dias.

Mas nessa ideal temperatura forte
Tudo isso Ă© triste como a flor da morte
Que brota dentro das caveiras frias…

A Dor

Torva Babel das lágrimas, dos gritos,
Dos soluços, dos ais, dos longos brados,
A Dor galgou os mundos ignorados,
Os mais remotos, vagos infinitos.

Lembrando as religiões, lembrando os ritos,
Avassalara os povos condenados,
Pela treva, no horror, desesperados,
Na convulsão de Tântalos aflitos.

Por buzinas e trompas assoprando
As gerações vão todas proclamando
A grande Dor aos frĂ­gidos espaços…

E assim parecem, pelos tempos mudos,
Raças de Prometeus titânios, rudos,
Brutos e colossais, torcendo os braços!

Salve! Rainha!

Ă“ sempre virgem Maria, concebida
sem pecado original, desde o
primeiro instante do teu ser…

MĂŁe de MisericĂłrdia, sem pecado
Original, desde o primeiro instante!
Salve! Rainha da MansĂŁo radiante,
Virgem do Firmamento constelado…

Teu coração de espadas lacerado,
Sangrando sangue e fel martirizante,
Escute a minha Dor, a torturante,
A Dor do meu soluço eternizado.

A minha Dor, a minha Dor suprema,
A Dor estranha que me prende, algema
Neste Vale de lágrimas profundo…

Salve! Rainha! por quem brado e clamo
E brado e brado e com angĂşstia chamo,
Chamo, atravĂ©s das convulsões do mundo!…

Os Dois

Aos pobres

— Minha mĂŁe, minha mĂŁe, quanta grandeza
Nesses plácidos, quanta majestade;
Como essa gente há de viver, como há de
Ser grande sempre na feliz riqueza.

Nem uma lágrima sequer — e Ă  mesa
D’entre as baixelas, d’entre a imensidade
Da prata e do ouro — a azul felicidade
Dos bons manjares de Ăłtima surpresa.

Nem um instante os olhos rasos d’água,
Nem a ligeira oscilação da mágoa
Na vida farta de prazer, sonora.

— Como o teu louco pensamento expandes
Filho — a ventura nĂŁo Ă© sĂł dos grandes
Porque, olha, o mar tambĂ©m Ă© grande e… chore!

Sempre E Sempre

De longe ou perto, juntas, separadas,
Olhando sempre os mesmos horizontes,
Presas, unidas nossas duas fontes
GĂŞmeas, ardentes, novas, inspiradas;

Vendo cair as lágrimas prateadas,
Sentindo o coro harmĂ´nico das fontes,
Sempre fitando a cĂşspide dos montes
E o rosicler das frescas alvoradas;

Sempre embebendo os lĂ­mpidos olhares
Na claridĂŁo dos humildes luares,
No loiro sol das crenças se embebendo,

VĂŁo nossas almas brancas e floridas
Pelo futuro azul das nossas vidas,
Sempre se amando, sempre se querendo.

Cristo

Cristo morreu, Ăł tristes criaturas,
Era matéria como vós, morreu;
E quando a noite sepulcral desceu
Gelou com ele o oceano das ternuras.

Nunca outro sol de irradiações mais puras
Subiu tĂŁo alto e tanto resplendeu,
Nunca ninguém tão firme combateu
Da humanidade todas as torturas.

Morreu, que se ele, o Deus, ressuscitasse,
Limpa de sangue e lágrimas a face,
Os seus olhos tranqĂĽilos, virginais,

Dons inefáveis, corações piedosos,
Tinham de abrir-se muito dolorosos,
Também chorando quando vós chorais!