Sonetos sobre Fortes de Cruz e Souza

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Sonetos de fortes de Cruz e Souza. Leia este e outros sonetos de Cruz e Souza em Poetris.

Natureza

Aos Poetas

Tudo por ti resplende e se constela,
Tudo por ti, suavĂ­ssimo, flameja;
És o pulmão da racional peleja,
Sempre viril, consoladora e bela.

Teu coração de pérolas se estrela,
E o bom falerno dĂĄs a quem deseja
Vigor, saĂșde a crença que floreja,
Que as expansÔes do cérebro revela.

Toda essa luz que bebe-se de um hausto
Nos livros sĂŁos, todo esse enorme fausto
Vem das verduras brandas que reluzem!

Esse da idĂ©ia esplĂȘndido eletrismo,
O forte, o grande, audaz psicologismo,
Os organismos naturais produzem…

Luz Da Natureza

Luz que eu adoro, grande Luz que eu amo,
Movimento vital da Natureza,
Ensina-me os segredos da Beleza
E de todas as vozes por quem chamo.

Mostra-me a Raça, o peregrino Ramo
Dos Fortes e dos Justos da Grandeza,
Ilumina e suaviza esta rudeza
Da vida humana, onde combato e clamo.

Desta minh’alma a solidĂŁo de prantos
Cerca com os teus leÔes de brava crença,
Defende com so teus glĂĄdios sacrossantos.

DĂĄ-me enlevos, deslumbra-me, da imensa
Porta esferal, dos constelados mantos
Onde a FĂ© do meu Sonho se condensa!

VĂŁo-Se De Todo Os Pardacentos Nimbos

VĂŁo-se de todo os pardacentos nimbos…
Chovem da luz as nĂ­tidas faĂ­scas
E no esplendor de irradiaçÔes mouriscas,
Abrem-se as flores em gentis corimbos.

Muito mais lestas do que amigos fimbos,
Do Azul cortando as bordaduras priscas,
Pombas do mato esvoaçando, ariscas,
Do céu se perdem nos profundos limbos.

A natureza pulsa como a forja…
PĂĄssaros vibram no clarim da gorja,
As retumbantes, fortes clarinadas.

A grande artĂ©ria dos assombros pula…
E do oxigĂȘnio, a força que regula
Enche os pulmÔes a largas baforadas.

Anda-Me A Alma

Anda-me a alma inteira de tal sorte,
Meus gozos, meu pesar, nos dela unidos
Que os dela são também os meus sentidos,
Que o meu é também dela o mesmo norte.

Unidos corpo a corpo — um elo forte
Nos prende eternamente — e nos ouvidos
Sentimos sons iguais. Vemos floridos
Os sons do porvir, em azul coorte…

O mesmo diapasĂŁo musicaliza
Os seres de nos dois — um sol irisa
Os nossos coraçÔes — dĂĄ luz, constela…

Anda esta vida, espiritualizada
Por este amor — anda-me assim — ligada
A minha sombra com a sombra dela.

Ermida

LĂĄ onde a calma e a placidez existe,
Sobre as colinas que o vergel encobre,
Aquela ermida como estĂĄ tĂŁo pobre,
Aquela ermida como estĂĄ tĂŁo triste.

A minha musa, sem falar, assiste,
Do meio-dia ante o aspecto nobre,
O vago, estranho e murmurante dobre
Daquela ermida que aos trovÔes resiste

E as gargalhadas funéreas, sombrias,
Dos crus invernos e das ventanias,
Do temporal desolador e forte.

Daquela triste esbranquiçada ermida,
Que me recorda, me parece a vida
Jogada às magoas e ilusÔes da sorte.

Flores Da Lua

Brancuras imortais da Lua Nova
Frios de nostalgia e sonolĂȘncia…
Sonhos brancos da Lua e viva essĂȘncia
Dos fantasmas noctĂ­vagos da Cova.

Da noite a tarda e taciturna trova
Soluça, numa tremula dormĂȘncia…
Na mais branda, mais leve florescĂȘncia
Tudo em VisÔes e Imagens se renova.

Mistérios virginais dormem no Espaço,
Dormem o sono das profundas seivas,
MonĂłtono, infinito, estranho e lasso…

E das Origens na luxĂșria forte
Abrem nos astros, nas sidéreas leivas
Flores amargas do palor da Morte.

Celeste

Aos coraçÔes ideais

Lembra-me ainda — ao lado de um repuxo,
Pela brancura de um luar de agosto,
O teu maninho, um loiro pequerrucho
Brincava, rindo, te afagando o rosto…

Lembra-me ainda — as sombras do sol posto,
Numa saleta sem brasÔes de luxo,
De alguns bordados de fineza e gosto
Delineavas o gentil debuxo…

E o gĂĄs que forte e cintilante ardia,
Te iluminava, te alagava… ria…
Da luz ficavas no imponente abrigo.

E agora… deixa que ao cair da noite,
Esta lembrança dentro de mim se acoite,
Como a andorinha no telhado amigo!

MĂŁos

V

Ó MĂŁos ebĂșrneas, MĂŁos de claros veios,
Esquisitas tulipas delicadas,
LĂąnguidas MĂŁos sutis e abandonadas,
Finas e brancas, no esplendor dos seios.

Mãos etéricas, diåfanas, de enleios,
De eflĂșvios e de graças perfumadas,
RelĂ­quias imortais de eras sagradas
De amigos templos de relĂ­quias cheios.
MĂŁos onde vagam todos os segredos,
Onde dos ciĂșmes tenebrosos, tredos,
Circula o sangue apaixonado e forte.

Mãos que eu amei, no féretro medonho
Frias, jĂĄ murchas, na fluidez do Sonho,
Nos mistérios simbólicos da Morte!

Guerra Junqueiro

Quando ele do Universo o largo supedĂąneo
Galgou como os clarĂ”es — quebrando o que nĂŁo serve,
Fazendo que explodissem os astros de seu crĂąnio,
As gemas da razĂŁo e os mĂșsculos da verve;

Quando ele esfuziou nos pĂĄramos as trompas,
As trompas marciais — as liras do estupendo,
Pejadas de prodĂ­gios, assombros e de pompas,
Crescendo em proporçÔes, crescendo e recrescendo;

Quando ele retesou os nervos e as artérias
Do verso orbicular — rasgando das misĂ©rias
O ventre do Ideal na forte hematemese.

Clamando — Ă© minha a luz, que o sĂ©culo propague-a,
Quando ele avassalou os pĂ­ncaros da ĂĄguia
E o sol do Equador vibrou-lhe aquelas teses!

Mundo InaccessĂ­vel

Tu’alma lembra um mundo inaccessĂ­vel
Onde sĂł astros e ĂĄguias vĂŁo pairando,
Onde sĂł se escuta, trĂĄgica, cantando,
A sinfonia da AmplidĂŁo terrĂ­vel!

Alma nenhuma, que nĂŁo for sensĂ­vel,
Que asas nĂŁo tenha para as ir vibrando,
Essa regiĂŁo secreta desvendando,
Falece, morre, num pavor incrĂ­vel!

É preciso ter asas e ter garras
Para atingir aos ruĂ­dos de fanfarras
Do mundo da tu’alma augusta e forte.

É preciso subir ígneas montanhas
E emudecer, entre visÔes estranhas,
Num sentimento mais sutil que a Morte!

Decadentes

Richepin, Rollinat! gritos sangrentos
Da carne alvoroçada de desejos,
Mosto de risos, lĂĄgrimas e beijos,
Estertores de abutres famulentos.

Desesperado frĂȘmito dos ventos,
De harpas, sutis, fantĂĄsticos harpejos,
Clarins de guerra, e cĂąnticos e adejos
De aves — todos os vivos elementos.

Tudo flameja e nas estrofes canta,
Estruge, zune, em borbotÔes levanta
Noites, luares, fulgurantes dias.

Mas nessa ideal temperatura forte
Tudo isso Ă© triste como a flor da morte
Que brota dentro das caveiras frias…

Boca Imortal

Abre a boca mordaz num riso convulsivo
Ó fera sensual, luxuriosa fera!
Que essa boca nervosa, em riso de pantera,
Quando ri para mim lembra um capro lascivo.

Teu olhar dĂĄ-me febre e dĂĄ-me um brusco e vivo
Tremor as carnes, que eu, se ele em mim reverbera,
Fico aceso no horror da paixĂŁo que ele gera,
Inflamada, fatal, dum sangue rubro e ativo.

Mas a boca produz tais sensaçÔes de morte,
O teu riso, afinal, Ă© tĂŁo profundo e forte
E tem de tanta dor tantas negras raĂ­zes;

Rigolboche do tom, Ăł flor pompadouresca!
Que Ă©s, para mim, no mundo, a trĂĄgica e dantesca
Imperatriz da Dor, entre as imperatrizes!

RĂ©quiem Do Sol

Águia triste do Tédio, sol cansado,
Velho guerreiro das batalhas fortes!
Das ilusĂ”es as trĂȘmulas coortes
Buscam a luz do teu clarĂŁo magoado…

A tremenda avalanche do Passado
Que arrebatou tantos milhÔes de mortes
Passa em tropel de trĂĄgicos Mavortes
Sobre o teu coração ensangĂŒentado…

Do alto dominas vastidÔes supremas
Águia do Tédio presa nas algemas
Da Legenda imortal que tudo engelha…

Mas lĂĄ, na Eternidade, de onde habitas,
Vagam finas tristezas infinitas,
Todo o mistério da beleza velha!