Natureza
Aos Poetas
Tudo por ti resplende e se constela,
Tudo por ti, suavĂssimo, flameja;
Ăs o pulmĂŁo da racional peleja,
Sempre viril, consoladora e bela.Teu coração de pérolas se estrela,
E o bom falerno dĂĄs a quem deseja
Vigor, saĂșde a crença que floreja,
Que as expansÔes do cérebro revela.Toda essa luz que bebe-se de um hausto
Nos livros sĂŁos, todo esse enorme fausto
Vem das verduras brandas que reluzem!Esse da idĂ©ia esplĂȘndido eletrismo,
O forte, o grande, audaz psicologismo,
Os organismos naturais produzem…
Sonetos sobre Fortes de Cruz e Souza
13 resultadosLuz Da Natureza
Luz que eu adoro, grande Luz que eu amo,
Movimento vital da Natureza,
Ensina-me os segredos da Beleza
E de todas as vozes por quem chamo.Mostra-me a Raça, o peregrino Ramo
Dos Fortes e dos Justos da Grandeza,
Ilumina e suaviza esta rudeza
Da vida humana, onde combato e clamo.Desta minh’alma a solidĂŁo de prantos
Cerca com os teus leÔes de brava crença,
Defende com so teus glĂĄdios sacrossantos.DĂĄ-me enlevos, deslumbra-me, da imensa
Porta esferal, dos constelados mantos
Onde a FĂ© do meu Sonho se condensa!
VĂŁo-Se De Todo Os Pardacentos Nimbos
VĂŁo-se de todo os pardacentos nimbos…
Chovem da luz as nĂtidas faĂscas
E no esplendor de irradiaçÔes mouriscas,
Abrem-se as flores em gentis corimbos.Muito mais lestas do que amigos fimbos,
Do Azul cortando as bordaduras priscas,
Pombas do mato esvoaçando, ariscas,
Do cĂ©u se perdem nos profundos limbos.A natureza pulsa como a forja…
PĂĄssaros vibram no clarim da gorja,
As retumbantes, fortes clarinadas.A grande artĂ©ria dos assombros pula…
E do oxigĂȘnio, a força que regula
Enche os pulmÔes a largas baforadas.
Anda-Me A Alma
Anda-me a alma inteira de tal sorte,
Meus gozos, meu pesar, nos dela unidos
Que os dela são também os meus sentidos,
Que o meu Ă© tambĂ©m dela o mesmo norte.Unidos corpo a corpo — um elo forte
Nos prende eternamente — e nos ouvidos
Sentimos sons iguais. Vemos floridos
Os sons do porvir, em azul coorte…O mesmo diapasĂŁo musicaliza
Os seres de nos dois — um sol irisa
Os nossos coraçÔes — dĂĄ luz, constela…Anda esta vida, espiritualizada
Por este amor — anda-me assim — ligada
A minha sombra com a sombra dela.
Ermida
LĂĄ onde a calma e a placidez existe,
Sobre as colinas que o vergel encobre,
Aquela ermida como estĂĄ tĂŁo pobre,
Aquela ermida como estĂĄ tĂŁo triste.A minha musa, sem falar, assiste,
Do meio-dia ante o aspecto nobre,
O vago, estranho e murmurante dobre
Daquela ermida que aos trovÔes resisteE as gargalhadas funéreas, sombrias,
Dos crus invernos e das ventanias,
Do temporal desolador e forte.Daquela triste esbranquiçada ermida,
Que me recorda, me parece a vida
Jogada às magoas e ilusÔes da sorte.
Flores Da Lua
Brancuras imortais da Lua Nova
Frios de nostalgia e sonolĂȘncia…
Sonhos brancos da Lua e viva essĂȘncia
Dos fantasmas noctĂvagos da Cova.Da noite a tarda e taciturna trova
Soluça, numa tremula dormĂȘncia…
Na mais branda, mais leve florescĂȘncia
Tudo em VisÔes e Imagens se renova.Mistérios virginais dormem no Espaço,
Dormem o sono das profundas seivas,
MonĂłtono, infinito, estranho e lasso…E das Origens na luxĂșria forte
Abrem nos astros, nas sidéreas leivas
Flores amargas do palor da Morte.
Celeste
Aos coraçÔes ideais
Lembra-me ainda — ao lado de um repuxo,
Pela brancura de um luar de agosto,
O teu maninho, um loiro pequerrucho
Brincava, rindo, te afagando o rosto…Lembra-me ainda — as sombras do sol posto,
Numa saleta sem brasÔes de luxo,
De alguns bordados de fineza e gosto
Delineavas o gentil debuxo…E o gĂĄs que forte e cintilante ardia,
Te iluminava, te alagava… ria…
Da luz ficavas no imponente abrigo.E agora… deixa que ao cair da noite,
Esta lembrança dentro de mim se acoite,
Como a andorinha no telhado amigo!
MĂŁos
V
Ă MĂŁos ebĂșrneas, MĂŁos de claros veios,
Esquisitas tulipas delicadas,
LĂąnguidas MĂŁos sutis e abandonadas,
Finas e brancas, no esplendor dos seios.Mãos etéricas, diåfanas, de enleios,
De eflĂșvios e de graças perfumadas,
RelĂquias imortais de eras sagradas
De amigos templos de relĂquias cheios.
MĂŁos onde vagam todos os segredos,
Onde dos ciĂșmes tenebrosos, tredos,
Circula o sangue apaixonado e forte.Mãos que eu amei, no féretro medonho
Frias, jĂĄ murchas, na fluidez do Sonho,
Nos mistérios simbólicos da Morte!
Guerra Junqueiro
Quando ele do Universo o largo supedĂąneo
Galgou como os clarĂ”es — quebrando o que nĂŁo serve,
Fazendo que explodissem os astros de seu crĂąnio,
As gemas da razĂŁo e os mĂșsculos da verve;Quando ele esfuziou nos pĂĄramos as trompas,
As trompas marciais — as liras do estupendo,
Pejadas de prodĂgios, assombros e de pompas,
Crescendo em proporçÔes, crescendo e recrescendo;Quando ele retesou os nervos e as artérias
Do verso orbicular — rasgando das misĂ©rias
O ventre do Ideal na forte hematemese.Clamando — Ă© minha a luz, que o sĂ©culo propague-a,
Quando ele avassalou os pĂncaros da ĂĄguia
E o sol do Equador vibrou-lhe aquelas teses!
Mundo InaccessĂvel
Tu’alma lembra um mundo inaccessĂvel
Onde sĂł astros e ĂĄguias vĂŁo pairando,
Onde sĂł se escuta, trĂĄgica, cantando,
A sinfonia da AmplidĂŁo terrĂvel!Alma nenhuma, que nĂŁo for sensĂvel,
Que asas nĂŁo tenha para as ir vibrando,
Essa regiĂŁo secreta desvendando,
Falece, morre, num pavor incrĂvel!Ă preciso ter asas e ter garras
Para atingir aos ruĂdos de fanfarras
Do mundo da tu’alma augusta e forte.Ă preciso subir Ăgneas montanhas
E emudecer, entre visÔes estranhas,
Num sentimento mais sutil que a Morte!
Decadentes
Richepin, Rollinat! gritos sangrentos
Da carne alvoroçada de desejos,
Mosto de risos, lĂĄgrimas e beijos,
Estertores de abutres famulentos.Desesperado frĂȘmito dos ventos,
De harpas, sutis, fantĂĄsticos harpejos,
Clarins de guerra, e cĂąnticos e adejos
De aves — todos os vivos elementos.Tudo flameja e nas estrofes canta,
Estruge, zune, em borbotÔes levanta
Noites, luares, fulgurantes dias.Mas nessa ideal temperatura forte
Tudo isso Ă© triste como a flor da morte
Que brota dentro das caveiras frias…
Boca Imortal
Abre a boca mordaz num riso convulsivo
Ă fera sensual, luxuriosa fera!
Que essa boca nervosa, em riso de pantera,
Quando ri para mim lembra um capro lascivo.Teu olhar dĂĄ-me febre e dĂĄ-me um brusco e vivo
Tremor as carnes, que eu, se ele em mim reverbera,
Fico aceso no horror da paixĂŁo que ele gera,
Inflamada, fatal, dum sangue rubro e ativo.Mas a boca produz tais sensaçÔes de morte,
O teu riso, afinal, Ă© tĂŁo profundo e forte
E tem de tanta dor tantas negras raĂzes;Rigolboche do tom, Ăł flor pompadouresca!
Que Ă©s, para mim, no mundo, a trĂĄgica e dantesca
Imperatriz da Dor, entre as imperatrizes!
RĂ©quiem Do Sol
Ăguia triste do TĂ©dio, sol cansado,
Velho guerreiro das batalhas fortes!
Das ilusĂ”es as trĂȘmulas coortes
Buscam a luz do teu clarĂŁo magoado…A tremenda avalanche do Passado
Que arrebatou tantos milhÔes de mortes
Passa em tropel de trĂĄgicos Mavortes
Sobre o teu coração ensangĂŒentado…Do alto dominas vastidĂ”es supremas
Ăguia do TĂ©dio presa nas algemas
Da Legenda imortal que tudo engelha…Mas lĂĄ, na Eternidade, de onde habitas,
Vagam finas tristezas infinitas,
Todo o mistério da beleza velha!