Sonetos sobre Vida de Cruz e Souza

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Sonetos de vida de Cruz e Souza. Leia este e outros sonetos de Cruz e Souza em Poetris.

Luz Da Natureza

Luz que eu adoro, grande Luz que eu amo,
Movimento vital da Natureza,
Ensina-me os segredos da Beleza
E de todas as vozes por quem chamo.

Mostra-me a Raça, o peregrino Ramo
Dos Fortes e dos Justos da Grandeza,
Ilumina e suaviza esta rudeza
Da vida humana, onde combato e clamo.

Desta minh’alma a solidĂŁo de prantos
Cerca com os teus leões de brava crença,
Defende com so teus gládios sacrossantos.

Dá-me enlevos, deslumbra-me, da imensa
Porta esferal, dos constelados mantos
Onde a FĂ© do meu Sonho se condensa!

Espiritualismo

Ontem, Ă  tarde, alguns trabalhadores,
Habitantes de além, de sobre a serra,
Cavavam, revolviam toda a terra,
Do sol entre os metálicos fulgores.

Cada um deles ali tinha os ardores
De febre de lutar, a luz que encerra
Toda a nobreza do trabalho e — que erra
Só na cabeça dos conspiradores,

Desses obscuros revolucionários
Do bem fecundo e cultural das leivas
Que são da Vida os maternais sacrários.

E pareceu-me que do chĂŁo estuante
Vi porejar um bálsamo de seivas
Geradoras de um mundo mais pensante.

Os Mortos

Ao menos junto dos mortos pode a gente
Crer e esperar n’alguma suavidade:
Crer no doce consolo da saudade
E esperar do descanso eternamente.

Junto aos mortos, por certo, a fé ardente
NĂŁo perde a sua viva claridade;
Cantam as aves do céu na intimidade
Do coração o mais indiferente.

Os mortos dĂŁo-nos paz imensa Ă  vida,
Dão a lembrança vaga, indefinida
Dos seus feitos gentis, nobres, altivos.

Nas lutas vĂŁs do tenebroso mundo
Os mortos sĂŁo ainda o bem profundo
Que nos faz esquecer o horror dos vivos.

Quando Eu Partir

Quando eu partir, que eterna e que infinita
Há de crescer-me a dor de tu ficares;
Quanto pesar e mesmo que pesares,
Que comoção dentro desta alma aflita.

Por nossa vida toda sol, bonita,
Que sentimento, grande como os mares,
Que sombra e luto pelos teus olhares
Onde o carinho mais feliz palpita…

Nesse teu rosto da maior bondade
Quanta saudade mais, que atroz saudade…
Quanta tristeza por nĂłs ambos, quanta,

Quando eu tiver já de uma vez partido,
Ă“ meu amor, Ăł meu muito querido
Amor, meu bem, meu tudo, Ăł minha santa!

SĂ­miles

(Desterro)

Pedro traiu a fé do Apostolado.
Madalena chorou de arrependida;
E nessa mágoa triste e indefinida
Havia ainda uns laivos de pecado.

Tudo que a BĂ­blia tinha decretado,
Tudo o que a lenda humilde e dolorida
De Jesus Cristo apregoou na vida,
Cumpriu-se Ă  risca, foi executado.

O filho-Deus da cândida Maria,
Da flor de JericĂł, na cruz sombria
Os seus dias amáveis terminou.

Pedro traiu a fé dos companheiros.
Madalena chorou sob os olmeiros
Jesus Cristo sofreu e… perdoou.

Ilusões Mortas

A Virgílio Várzea

Os meus amores vĂŁo-se mar em fora,
E vĂŁo-se mar em fora os meus amores,
A murchar, a murchar, como essas flores
Sem mais orvalho e a doce luz da aurora.

E os meus amores nĂŁo virĂŁo agora,
NĂŁo baterĂŁo as asas multicores,
Como as aves mansas — dentre os esplendores
Do meu prazer, do meu prazer de outrora.

Tudo emigrou, rasgando a esfera branca
Das ilusões, — tudo em revoada franca
Partiu — deixando um bem-estar saudoso

No fundo ideal de toda a minha vida,
Qual numa taça a gota indefinida
De um bom licor antigo e saboroso.

Imortal Atitude

Abre os olhos Ă  Vida e fica mudo!
Oh! Basta crer indefinidamente
Para ficar iluminado tudo
De uma luz imortal e transcendente.

Crer Ă© sentir, como secreto escudo,
A alma risonha, lĂşcida, vidente…
E abandonar o sujo deus cornudo,
O sátiro da Carne impenitente.

Abandonar os lânguidos rugidos,
O infinito gemido dos gemidos
Que vai no lodo a carne chafurdando.

Erguer os olhos, levantar os braços
Para o eterno Silêncio dos Espaços
E no SilĂŞncio emudecer olhando…

Sem Esperança

Ó cândidos fantasmas da Esperança,
Meigos espectros do meu vĂŁo Destino,
Volvei a mim nas leves ondas do Hino
Sacramental de Bem-aventurança.

Nas veredas da vida a alma nĂŁo cansa
De vos buscar pelo Vergel divino
Do céu sempre estrelado e diamantino
Onde toda a alma no PerdĂŁo descansa.

Na volĂşpia da dor que me transporta,
Que este meu ser transfunde nos Espaços,
Sinto-te longe, ó Esperança morta.

E em vĂŁo alongo os vacilantes passos
Ă€ procura febril da tua porta,
Da ventura celeste dos teus braços.

Anda-Me A Alma

Anda-me a alma inteira de tal sorte,
Meus gozos, meu pesar, nos dela unidos
Que os dela são também os meus sentidos,
Que o meu é também dela o mesmo norte.

Unidos corpo a corpo — um elo forte
Nos prende eternamente — e nos ouvidos
Sentimos sons iguais. Vemos floridos
Os sons do porvir, em azul coorte…

O mesmo diapasĂŁo musicaliza
Os seres de nos dois — um sol irisa
Os nossos corações — dá luz, constela…

Anda esta vida, espiritualizada
Por este amor — anda-me assim — ligada
A minha sombra com a sombra dela.

Ermida

Lá onde a calma e a placidez existe,
Sobre as colinas que o vergel encobre,
Aquela ermida como está tão pobre,
Aquela ermida como está tão triste.

A minha musa, sem falar, assiste,
Do meio-dia ante o aspecto nobre,
O vago, estranho e murmurante dobre
Daquela ermida que aos trovões resiste

E as gargalhadas funéreas, sombrias,
Dos crus invernos e das ventanias,
Do temporal desolador e forte.

Daquela triste esbranquiçada ermida,
Que me recorda, me parece a vida
Jogada às magoas e ilusões da sorte.

Falando Ao CĂ©u

Falas ao CĂ©u, Amor! Em vĂŁo tu falas!
Mas o céu, esse é velho, esse é velhinho,
Todo ele Ă© branco, faz lembrar o linho
Dos leitos alvos onde tu te embalas.

A alma do céu é como velhas salas
Sem ar, sem luz, como lares sem vinho
Sem água e pão, sem fogo e sem carinho,
Sem as mais toscas, as mais simples galas.

Sempre surdo, hoje o cĂ©u Ă© mudo, Ă© cego…
Jamais o coração ao céu entrego,
Eu que tĂŁo cego vou por entre abrolhos.

Mas se queres tornar jovem e louro
Dá-lhe o bordão do teu amor um pouco
Fala e vista, com a vida dos teus olhos…

ManhĂŁ

Alta alvorada. — Os Ăşltimos nevoeiros
A luz que nasce levemente espalha;
Move-se o bosque, a selva que farfalha
Cheia da vida dos clarões primeiros.

Da passarada os vĂ´os condoreiros,
Os cantos e o ar que as árvores ramalha
Lembram combate, estrĂ­dula batalha
De elementos contrários e altaneiros.

Vozes, trinados, vibrações, rumores
Crescem, vĂŁo se fundindo aos esplendores
Da luz que jorra de invisível taça.

E como um rei num galeĂŁo do Oriente
O sol põe-se a tocar bizarramente
Fanfarras marciais, trompas de caça.

MĂŁe E Filho

Ă€s mĂŁes desamparadas

Jesus, meu filho, o encanto das crianças,
Quando na cruz, de angustia espedaçado,
Em sangue casto e lĂ­mpido banhado,
Manso, tĂŁo manso como as pombas mansas;

Embora as duras e afiadas lanças
Com que os judeus, tinham, de lado a lado,
Seu coração puríssimo varado,
Inda no olhar raiavam-lhe esperanças.

Por isso, Ăł filho, Ăł meu amor — se a esmola
De algum conforto essencial nĂŁo rola
Por nĂłs — Ă© forca conduzir a cruz!…

Mas, volta Ăł filho, pesaroso e triste.
Se a nossa vida sĂł na dor consiste,
Ah! minha mĂŁe, por que morreu Jesus?…

A Morte

Oh! que doce tristeza e que ternura
No olhar ansioso, aflito dos que morrem…
De que âncoras profundas se socorrem
Os que penetram nessa noite escura!

Da vida aos frios véus da sepultura
Vagos momentos trĂŞmulos decorrem…
E dos olhos as lágrimas escorrem
Como farĂłis da humana Desventura.

Descem entĂŁo aos golfos congelados
Os que na terra vagam suspirando,
Com os velhos corações tantalizados.

Tudo negro e sinistro vai rolando
Báratro abaixo, aos ecos soluçados
Do vendaval da Morte ondeando, uivando…

Da Mundana Lida, Eis Que Cansado

“Minha vida Ă© um montĂŁo de ruĂ­nas em árido deserto
Um abismo de ais e de suspiros”.

Da mundana lida, eis que cansado,
Co’a lira toda espedaçada,
A alma de suspiros retalhada,
Cumpre o infeliz seu triste fado.

Ai! que viver mais desgraçado!…
Que sorte tĂŁo crua e desazada!…
Quem assim tem a vida amargurada
Antes já morrer, ser sepultado.

Só eu triste padeço feras dores,
Imensas e de fel, sem terem fim,
Envolto no véu dos dissabores.

Oh! Cristo eu nĂŁo sei se sĂł a mim
Deste essa vida d’amargores,
Pois que Ă© demais sofrer-se assim!

Ironia De Lágrimas

Junto da Morte Ă© que floresce a Vida!
Andamos rindo junto Ă  sepultura.
A boca aberta, escancarada, escura
Da cova Ă© como flor apodrecida.

A Morte lembra a estranha Margarida
Do nosso corpo, Fausto sem ventura…
Ela anda em torno a toda a criatura
Numa dança macabra indefinida.

Vem revestida em suas negras sedas
E a marteladas lĂşgubrees e tredas
Das ilusões o eterno esquife prega.

E adeus caminhos vĂŁos, mundos risonhos,
Lá vem a loba que devora os sonhos,
Faminta, absconsa, imponderada, cega!

Amor

Nas largas mutações perpétuas do universo
O amor Ă© sempre o vinho enĂ©rgico, irritante…
Um lago de luar nervoso e palpitante…
Um sol dentro de tudo altivamente imerso.

Não há para o amor ridículos preâmbulos,
Nem mesmo as convenções as mais superiores;
E vamos pela vida assim como os noctâmbulos
Ă  fresca exalação salĂşbrica das flores…

E somos uns completos, célebres artistas
Na obra racional do amor — na heroicidade,
Com essa intrepidez dos sábios transformistas.

Cumprimos uma lei que a seiva nos dirige
E amamos com vigor e com vitalidade,
A cor, os tons, a luz que a natureza exige!…

Mocidade

Ah! esta mocidade! — Quem Ă© moço
Sente vibrar a febre enlouquecida
Das ilusões, da crença mais florida
Na muscular artĂ©ria de Colosso…

Das incertezas nunca mede o poço…
Asas abertas — na amplidĂŁo da vida,
Páramo a dentro — de cabeça erguida,
VĂŞ do futuro o mais alegre esboço…

Chega a velhice, a neve das idades
E quem foi moço, volve, com saudades,
Do azul passado, o fulgido compĂŞndio…

Ai! esta mocidade palpitante,
Lembra um inseto de ouro, rutilante,
Em derredor das chamas de um incĂŞndio!

Supremo Anseio

Esta profunda e intérmina esperança
Na qual eu tenho o espĂ­rito seguro,
A tão profunda imensidade avança
Como é profunda a idéia do futuro.

Abre-se em mim esse clarĂŁo, mais puro
Que o céu preclaro em matinal bonança:
Esse clarĂŁo, em que eu melhor fulguro,
Em que esta vida uma outra vida alcança.

Sim! Inda espero que no fim da estrada
Desta existência de ilusões cravada
Eu veja sempre refulgir bem perto

Esse clarĂŁo esplendoroso e louro
Do amor de mĂŁe — que Ă© como um fruto de ouro,
Da alma de um filho no eternal deserto.

No Seio Da Terra

Do pélago dos pélagos sombrios,
Cá do seio da Terra, olhando as vidas,
Escuto o murmurar de almas perdidas,
Como o secreto murmurar dos rios.

Trazem-me os ventos negros calafrios
E os loluços das almas doloridas
Que tĂŞm sede das terras prometidas
E morrem como abutres erradios.

As ânsias sobem, as tremendas ânsias!
Velhices, mocidades e as infâncias
Humansa entre a Dor se despedaçam…

Mas, sobre tantos convulsivos gritos,
Passam horas, espaços, infinitos,
Esferas, gerações, sonhando, passam!