Sonetos sobre Sombra de Teixeira de Pascoaes

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Sonetos de sombra de Teixeira de Pascoaes. Leia este e outros sonetos de Teixeira de Pascoaes em Poetris.

Noites em Claro

Passas em claro as noites a chorar;
Dia a dia, teu rosto empalidece…
Faze tu, pobre Mãe, por serenar,
Santa Resignação sobre ela desce!

Rochedo que a penumbra desvanece,
Tu, por acaso, não lhe podes dar
Um pouco d’esse frio que entorpece
O coração e o deixa descançar?…

Jamais! Não ha remedio! Nem as horas
Que passam! Toda a fria noite choras;
Tua sombra, no chão, é mais escura.

Soffres! E sinto bem que a tua dôr,
Como se fôra um beijo, acêso amôr,
Vae-lhe aquecer, ao longe, a sepultura.

Remorsos

Onde comtigo, um dia, me zanguei,
É hoje um sitio escuro que aborreço;
E sempre que ali passo, eu anoiteço!…
Ah, foi um crime, sim, que pratiquei!

Quantas negras torturas eu padeço
Pelo pequeno mal que te causei!
Se, ao menos, presentisse o que hoje sei?
Mas não; fui mau; fui bruto; reconheço!

E sôffro mais, por isso, a tua morte,
E dou mais chôro amargo ao vento norte,
Mais trevas se acumulam no meu rôsto…

Ó vós que n’este mundo amaes alguem,
Seja linda creança ou pae ou mãe,
Não lhe causeis nem sombra de desgôsto!

Trágica Recordação

Meu Deus! meu Deus! quando me lembro agora
De o ver brincar, e avisto novamente
Seu pequenino Vulto transcendente,
Mas tão perfeito e vivo como outrora!

Julgo que ele ainda vive; e que, lá fóra,
Fala em voz alta e brinca alegremente,
E volve os olhos verdes para a gente,
Dois berços de embalar a luz da aurora!

Julgo que ele ainda vive, mas já perto
Da Morte: sombra escura, abysmo aberto…
Pesadêlo de treva e nevoeiro!

Ó visão da Creança ao pé da Morte!
E a da Mãe, tendo ao lado a negra sorte
A calcular-lhe o golpe traiçoeiro!

Encantamento

Quantas vezes, ficava a olhar, a olhar
A tua dôce e angelica Figura,
Esquecido, embebido num luar,
Num enlêvo perfeito e graça pura!

E á força de sorrir, de me encantar,
Deante de ti, mimosa Creatura,
Suavemente sentia-me apagar…
E eu era sombra apenas e ternura.

Que inocencia! que aurora! que alegria!
Tua figura de Anjo radiava!
Sob os teus pés a terra florescia,

E até meu proprio espirito cantava!
Nessas horas divinas, quem diria
A sorte que já Deus te destinava!

No Seu Tumulo

Sobre o seu frio berço sepulcral,
Meu espirito resa ajoelhado;
E sente-se perfeito e virginal
Na sua dôr divina concentrado.

Caí, gotas de orvalho matinal!
Astros, caí do céu todo estrelado!
Sêcas flôres do zéfiro outomnal,
Vinde enfeitar-lhe o tumulo sagrado!

Ó luar da meia noite, encantamento
De sombra, vem cobri-lo! Ó doido Vento,
Dorme com ele, em paz religiosa…

Sobre ele, ó terra, sê brandura apenas;
Faze-te luz, toma o calor das pennas;
Sê Mãe perfeita, bôa e carinhosa.

Idílio

Sinto que, ás vezes, choras, minha Irmã,
No teu sombrio quarto recolhida…
É que ele vem rompendo a sombra vã
Da Morte, e lhe aparece á luz da vida!

E afflicta, como choras, minha Irmã…
Teu chôro é tua voz emudecida,
Ante a imagem do Filho, essa Manhã
Em profunda saudade amanhecida.

Silencio! Não palpites, coração;
Nem canto de ave ou mistica oração
Um tal idilio venham perturbar!

Deixae o Filho amado e a Mãe saudosa:
O Filho a rir, de face carinhosa,
E a Mãe, tão triste e pálida, a chorar…

Delirio

Não posso crêr na morte do Menino!
E julgo ouvi-lo e vê-lo, a cada passo…
É ele? Não. Sou eu que desatino;
É a minha dôr soffrida, o meu cansaço.

Delirio que me prendes num abraço,
Emendarás a obra do Destino?
Vê-lo-ei sorrir, de novo, no regaço
Da mãe? Verei seu rosto pequenino?

Misterio! Sombra imensa! Alto segredo!
Jamais! jamais! Quem sabe? Tenho mêdo!
Que vejo em mim? A treva? a luz futura?

Ah, que a dôr infinita de o perder
Seja a alegria de o tornar a ver,
Meu Deus, embora noutra creatura!