Ah! Imiga Cruel, Que Apartamento
Ah! imiga cruel, que apartamento
Ă© este que fazeis da pĂĄtria terra?
Quem do paterno ninho vos desterra,
glĂłria dos olhos, bem do pensamento?Is tentar da fortuna o movimento
e dos ventos cruéis a dura guerra?
Ver brenhas d’ĂĄgua, e o mar feito em serra,
levantado de um vento e d’outro vento?Mas jĂĄ que vos partis, sem vos partirdes,
para convosco o Céu tanta ventura,
que seja mor que aquela que esperardes.E sĂł nesta verdade ide segura:
que ficam mais saudades com partirdes,
do que breves desejos de chegardes.
Sonetos sobre Terra de LuĂs de CamĂ”es
27 resultadosTomava Daliana Por Vingança
Tomava Daliana por vingança
da culpa do pastor que tanto amava,
casar com Gil vaqueiro; e em si vingava
o erro alheio e pérfida esquivança.A discrição segura, a confiança,
as rosas que seu rosto debuxava,
o descontentamento lhas secava,
que tudo muda ĂŒa ĂĄspera mudança.Gentil planta disposta em seca terra,
lindo fruito de dura mĂŁo colhido,
lembranças d’outro amor, e fĂ© perjura,tornaram verde prado em dura serra;
interesse enganoso, amor fingido,
fizeram desditosa a fermosura.
Quando Se Vir Com Ăgua O Fogo Arder
Quando se vir com ĂĄgua o fogo arder,
e misturar co dia a noite escura,
e a terra se vir naquela altura
em que se vem os Céus prevalecer;o Amor por razão mandado ser,
e a todos ser igual nossa ventura,
com tal mudança, vossa formosura
então a poderei deixar de ver.Porém não sendo vista esta mudança
no mundo (como claro estĂĄ nĂŁo ver-se),
não se espere de mim deixar de ver-vos.Que basta estar em vós minha esperança,
o ganho de minha alma, e o perder-se,
para nĂŁo deixar nunca de querer-vos.
Que Levas, Cruel Morte?- Um Claro Dia.
Que levas, cruel Morte?- Um claro dia.
– A que horas o tomaste?- Amanhecendo.
– Entendes o que levas?- NĂŁo o entendo.
– Pois quem to faz levar?- Quem o entendia.Seu corpo quem o goza?- A terra fria.
– Como ficou sua luz?- Anoitecendo.
– LusitĂąnia que diz?- Fica dizendo:
Enfim, nĂŁo mereci Dona Maria.Mataste quem a viu?- JĂĄ morto estava.
– Que diz o cru Amor?- Falar nĂŁo ousa.
– E quem o faz calar?- Minha vontade.Na corte que ficou?- Saudade brava.
– Que fica lĂĄ que ver?- NenhĂŒa cousa;
mas fica que chorar sua beldade.
A VĂłs Seu Resplendor Deu Sol e Lua
Pelos raros extremos que mostrou
Em såbia Palas, Vénus em formosa,
Diana em casta, Juno em animosa,
Ăfrica, Europa e Ăsia as adorou.Aquele saber grande que juntou
EspĂrito e corpo em liga generosa,
Esta mundana mĂĄquina lustrosa
De sĂł quatro elementos fabricou.Mas fez maior milagre a natureza
Em vĂłs, Senhoras, pondo em cada uma
O que por todas quatro repartiu.A vĂłs seu resplendor deu Sol e Lua:
A vós com viva luz, graça e pureza,
Ar, Fogo, Terra e Ăgua vos serviu.
Quem Jaz no GrĂŁo Sepulcro
Quem jaz no grĂŁo sepulcro, que descreve
TĂŁo ilustres sinais no forte escudo?
Ninguém, que nisso, enfim, se torna tudo;
Mas foi quem tudo pĂŽde e quem tudo teve.Foi Rei? Fez tudo quanto a Rei deve:
PĂŽs na guerra e na paz devido estudo.
Mas quĂŁo pesado foi ao Mouro rudo,
Tanto lhe seja agora a terra leve.Alexandre serå? Ninguém se engane:
Mais que o adquirir, o sustentar estima.
SerĂĄ Adriano grĂŁo senhor do mundo?Mais observante foi da Lei de cima.
Ă Numa? Numa nĂŁo, mas Ă© Joane
De Portugal Terceiro sem Segundo.
Doces Ăguas E Claras Do Mondego
Doces ĂĄguas e claras do Mondego,
doce repouso de minha lembrança,
onde a comprida e pérfida esperança
longo tempo após si me trouxe cego;de vós me aparto; mas, porém, não nego
que inda a memória longa, que me alcança,
me não deixa de vós fazer mudança,
mas quanto mais me alongo, mais me achego.Bem pudera Fortuna este instrumento
d’alma levar por terra nova e estranha,
oferecido ao mar remoto e vento;mas alma, que de cĂĄ vos acompanha,
nas asas do ligeiro pensamento,
para vĂłs, ĂĄguas, voa, e em vĂłs se banha.