O CĂ©u, de Opacas Sombras Abafado
O céu, de opacas sombras abafado,
Tornando mais medonha a noite fea,
Mugindo sobre as rochas, que saltea,
O mar, em crespos montes levantado;Desfeito em furacÔes o vento irado;
Pelos ares zunindo a solta area;
O pĂĄssaro nocturno, que vozea
No agoireiro cipreste alĂ©m pousado;Formam quadro terrĂvel, mas aceito,
Mas grato aos olhos meus, grato Ă fereza
Do ciĂșme e saudade, a que ando afeito.Quer no horror igualar-me a Natureza;
Porém cansa-se em vão, que no meu peito
HĂĄ mais escuridade, hĂĄ mais tristeza.
Sonetos sobre Tristeza de Manuel Maria Barbosa du Bocage
7 resultadosCamÔes, Grande CamÔes, quão Semelhante
CamÔes, grande CamÔes, quão semelhante
Acho teu fado ao meu, quando os cotejo!
Igual causa nos fez, perdendo o Tejo,
Arrostar co’o sacrĂlego gigante;Como tu, junto ao Ganges sussurrante,
Da penĂșria cruel no horror me vejo;
Como tu, gostos vĂŁos, que em vĂŁo desejo,
TambĂ©m carpindo estou, saudoso amante.LudĂbrio, como tu, da Sorte dura
Meu fim demando ao CĂ©u, pela certeza
De que sĂł terei paz na sepultura.Modelo meu tu Ă©s, mas… oh, tristeza!…
Se te imito nos transes da Ventura,
NĂŁo te imito nos dons da Natureza.
Neste HorrĂvel Sepulcro Da ExistĂȘncia
Neste horrĂvel sepulcro da existĂȘncia
O triste coração de dor se parte;
A mesquinha razĂŁo se vĂȘ sem arte,
Com que dome a frenĂ©tica impaciĂȘncia:Aqui pela opressĂŁo, pela violĂȘncia
Que em todos os sentidos se reparte,
TransitĂłrio poder que imitar-te,
Eterna, vingadora omnipotĂȘncia!Aqui onde o peito abrange, e sente,
Na mais ampla expressĂŁo acha estreiteza,
Negra idéia do abismo assombra a mente.Difere acaso da infernal tristeza
Não ver terra, nem céu, nem mar, nem gente,
Ser vivo, e nĂŁo gozar da Natureza ?
JĂĄ Sobre o Coche de Ăbano Estrelado
JĂĄ sobre o coche de Ă©bano estrelado,
Deu meio giro a Noite escura e feia,
Que profundo silĂȘncio me rodeia
Neste deserto bosque, Ă luz vedado!Jaz entre as folhas ZĂ©firo abafado,
O Tejo adormeceu na lisa areia;
Nem o mavioso rouxinol gorjeia,
Nem pia o mocho, Ă s trevas acostumado.SĂł eu velo, sĂł eu, pedindo Ă Sorte
Que o fio com que estĂĄ mih’alma presa
à vil matéria lùnguida, me corte.Consola-me este horror, esta tristeza,
Porque a meus olhos se afigura a Morte
No silĂȘncio total da Natureza.
Ă Trevas, que Enlutais a Natureza
Ă trevas, que enlutais a Natureza,
Longos ciprestes desta selva anosa,
Mochos de voz sinistra e lamentosa,
Que dissolveis dos fados a incerteza;Manes, surgidos da morada acesa
Onde de horror sem fim PlutĂŁo se goza,
NĂŁo aterreis esta alma dolorosa,
Que é mais triste que voz minha tristeza.Perdi o galardão da fé mais pura,
Esperanças frustrei do amor mais terno,
A posse de celeste formosura.Volvei, pois, sombras vĂŁs, ao fogo eterno;
E, lamentando a minha desventura,
Movereis Ă piedade o mesmo Inferno.
Nascemos para Amar
Nascemos para amar; a Humanidade
Vai, tarde ou cedo, aos laços da ternura.
Tu Ă©s doce atractivo, Ăł Formosura,
Que encanta, que seduz, que persuade.Enleia-se por gosto a liberdade;
E depois que a paixĂŁo na alma se apura,
Alguns entĂŁo lhe chamam desventura,
Chamam-lhe alguns entĂŁo felicidade.Qual se abisma nas lĂŽbregas tristezas,
Qual em suaves jĂșbilos discorre,
Com esperanças mil na ideia acesas.Amor ou desfalece, ou påra, ou corre:
E, segundo as diversas naturezas,
Um porfia, este esquece, aquele morre.
O autor aos seus versos
Chorosos versos meus desentoados,
Sem arte, sem beleza e sem brandura,
Urdidos pela mĂŁo da Desventura,
Pela baça Tristeza envenenados:Vede a luz, não busqueis, desesperados,
No mudo esquecimento a sepultura;
Se os ditosos vos lerem sem ternura,
Ler-vos-ão com ternura os desgraçados:Não vos inspire, ó versos, cobardia
Da sĂĄtira mordaz o furor louco,
Da maldizente voz e tirania:Desculpa tendes, se valeis tĂŁo pouco,
Que nĂŁo pode cantar com melodia
Um peito de gemer cansado e rouco.