O Amor Ă© Muito DifĂcil
Penso que o amor Ă© muito difĂcil. Existem muitos obstĂĄculos a que possa ser o absoluto que Ă©. A palavra amor Ă© uma palavra muito gasta, muito usada, e muitas vezes mal usada, e eu quando falo de amor faço-o no sentido absoluto… hĂĄ uma sĂ©rie de outros sentimentos aos quais tambĂ©m se chama amor e que nĂŁo o sĂŁo. No amor Ă© preciso que duas pessoas sejam uma e isso nĂŁo Ă© fĂĄcil de encontrar. E, uma vez encontrado, nĂŁo Ă© fĂĄcil de fazer permanecer.
Textos sobre Absoluto de JosĂ© LuĂs Peixoto
6 resultadosUma Casa Cheia de Livros
Os livros, esses animais sem pernas, mas com olhar, observam-nos mansos desde as prateleiras. NĂłs esquecemo-nos deles, habituamo-nos ao seu silĂȘncio, mas eles nĂŁo se esquecem de nĂłs, nĂŁo fazem uma pausa mĂnima na sua vigia, sentinelas atĂ© daquilo que nĂŁo se vĂȘ. Desde as estantes ou pousados sem ordem sobre a mesa, os livros conseguem distinguir o que somos sem qualquer expressĂŁo porque eles sabem, eles existem sobretudo nesse nĂvel transparente, nessa dimensĂŁo sussurrada. Os livros sabem mais do que nĂłs mas, sem defesa, estĂŁo Ă nossa mercĂȘ. Podemos atirĂĄ-los Ă parede, podemos atirĂĄ-los ao ar, folhas a restolhar, ar, ar, e vĂȘ-los cair, duros e sĂ©rios, no chĂŁo.
(…) Os livros, esses animais opacos por fora, essas donzelas. Os livros caem do cĂ©u, fazem grandes linhas rectas e, ao atingir o chĂŁo, explodem em silĂȘncio. Tudo neles Ă© absoluto, atĂ© as contradiçÔes em que tropeçam. E estĂŁo lĂĄ, aqui, a olhar-nos de todos os lados, a hipnotizar-nos por telepatia. Devemos-lhes tanto, atĂ© a loucura, atĂ© os pesadelos, atĂ© a esperança em todas as suas formas.
NĂŁo Podemos Ter a Certeza de Nada
Somos todos iguais na fragilidade com que percebemos que temos um corpo e ilusĂ”es. As ambiçÔes que demorĂĄmos anos a acreditar que alcançåvamos, a pouco e pouco, a pouco e pouco, nĂŁo sĂŁo nada quando vistas de uma perspectiva apenas ligeiramente diferente. Daqui, de onde estou, tudo me parece muito diferente da maneira como esse tudo Ă© visto daĂ, de onde estĂĄs. Depois, hĂĄ os olhos que estĂŁo ainda mais longe dos teus e dos meus. Para esses olhos, esse tudo Ă© nada. Ou esse tudo Ă© ainda mais tudo. Ou esse tudo Ă© mil coisas vezes mil coisas que nos sĂŁo impossĂveis de compreender, apreender, porque sĂł temos uma Ășnica vida.
â PorquĂȘ, pai?
â NĂŁo sei. Mas creio que Ă© assim. SĂł temos uma Ășnica vida. E foi-nos dado um corpo sem respostas. E, para nos defendermos dessa indefinição, transformĂĄmos as certezas que construĂmos na nossa prĂłpria biologia. Fomos e somos capazes de acreditar que a nossa existĂȘncia dependia delas e que nĂŁo serĂamos capazes de continuar sem elas. Aquilo em que queremos acreditar corre no nosso sangue, Ă© o nosso sangue. Mas, em consciĂȘncia absoluta, nĂŁo podemos ter a certeza de nada. Nem de nada de nada,
A Voz que Ouço quando Leio
Quando leio, hĂĄ uma voz que lĂȘ dentro de mim. Paro o olhar sobre o texto impresso, mas nĂŁo acredito que seja o meu olhar que lĂȘ. O meu olhar fica embaciado. Ă essa voz que lĂȘ. Quando Ă© sĂ©ria, ouço-a falar-me de assuntos sĂ©rios. Ăs vezes, sussurra-me. Ăs vezes, grita-me. Essa voz nĂŁo Ă© a minha voz. NĂŁo Ă© a voz que, em filmagens de festas de anos e de natais, vejo sair da minha boca, do movimento dos meus lĂĄbios, a voz que estranho por, num rosto parecido com o meu, nĂŁo me parecer minha. A voz que ouço quando leio existe dentro de mim, mas nĂŁo Ă© minha. NĂŁo Ă© a voz dos meus pensamentos. A voz que ouço quando leio existe dentro de mim, mas Ă© exterior a mim. Ă diferente de mim. Ainda assim, nĂŁo acredito que alguĂ©m possa ter uma voz que lĂȘ igual Ă minha, por isso Ă© minha mas nĂŁo Ă© minha. Mas, claro, nĂŁo posso ter a certeza absoluta. NĂŁo sĂł porque uma voz Ă© indescritĂvel, mas tambĂ©m porque nunca ninguĂ©m me tentou descrever a voz que ouve quando lĂȘ e porque eu nunca falei com ninguĂ©m da voz que ouço quando leio.
Cada Dia Ă© Sempre Diferente dos Outros
Cada dia é sempre diferente dos outros, mesmo quando se faz aquilo que jå se fez. Porque nós somos sempre diferentes todos os dias, estamos sempre a crescer e a saber cada vez mais, mesmo quando percebemos que aquilo em que acreditåvamos não era certo e nos parece que voltåmos atrås. Nunca voltamos atrås. Não se pode voltar atrås, não se pode deixar de crescer sempre, não se pode não aprender. Somos obrigados a isso todos os dias. Mesmo que, às vezes, esqueçamos muito daquilo que aprendemos antes. Mas, ainda assim, quando percebemos que esquecemos, lembramo-nos e, por isso, nunca é exactamente igual.
â PorquĂȘ, pai?
â Porque a memĂłria nĂŁo deixa que seja igual, mesmo que seja uma memĂłria muito vaga, mesmo que seja sĂł assim uma espĂ©cie de sensação muito vaga. Ă que a memĂłria nĂŁo Ă© sempre aquilo que gostarĂamos que fosse. Grande parte dos nossos problemas estĂŁo na memĂłria volĂșvel que possuĂmos. Aquilo que Ă© hoje uma verdade absoluta, amanhĂŁ pode nĂŁo ter nenhum valor. Porque nos esquecemos, filho. Esquecemos muito daquilo que aprendemos. E cansamo-nos. E quando estamos cansados, deixamos de aprender. Queremos nĂŁo aprender por vontade. Essa Ă© a nossa maneira de resistir,
O Absoluto Ă© um Fardo InsuportĂĄvel
Para oferecer conforto rudimentar, retirei peso às palavras e às açÔes.
O conhecimento completo emudece as palavras e tolhe as açÔes.
O absoluto Ă© um fardo insuportĂĄvel.
A irresponsabilidade faz tanta falta como a responsabilidade, cada uma tem a sua hora,
os sĂĄbios usam-nas ao mesmo tempo, mais de uma ou mais de outra, tanto de uma como de outra,
os såbios conseguem distinguir as ocasiÔes e as medidas,
e nĂŁo duvidam que precisam de uma e de outra.