Textos sobre Analfabetos

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Textos de analfabetos escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Não Será Tempo de Voltarmos aos Sentidos?

Não somos apenas o nosso corpo, estamos também integrados num corpus social, que solicita, expande e reprime a nossa sensibilidade. Basta ouvir aquele que foi o maior teórico da comunicação do século XX, Marshall McLuhan, para perceber até que ponto isso é aproveitado pela sociedade de comunicação global, para quem o indivíduo passa a ser uma presa. O que diz McLuhan sobre a televisão, por exemplo, é imensamente elucidativo: «Um dos efeitos da televisão é retirar a identidade pessoal. Só por ver televisão, as pessoas tornam-se num grupo coletivo de iguais. Perdem o interesse pela singularidade pessoal.» Se repararmos, os meios que lideram a comunicação humana contemporânea (da televisão ao telefone, do e-mail às redes sociais) interagem apenas com aqueles dos nossos sentidos que captam sinais à distância: fundamentalmente a visão e a audição. Origina-se assim uma descontrolada hipertrofia dos olhos e ouvidos, sobre os quais passa a recair toda a responsabilidade pela participação no real. «Viste aquilo?», «já ouviste a última do…»: os nossos quotidianos são continuamente bombardeados pela pressão do ver e do ouvir. O mesmo se passa com a locomoção: seja a pilotar um avião, a conduzir um automóvel, ou seja o peão a deslocar-se nas artérias das cidades modernas,

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Uma Nova Etapa na Vida a partir da Leitura de um Livro

Somos subeducados, atrasados e analfabetos; e neste particular confesso que não faço grande distinção entre a ignorância do meu concidadão que não sabe absolutamente ler nada, e a ignorância do que apenas aprendeu a ler o que se destina a crianças e inteligências medíocres. Deveríamos estar à altura dos grandes da Antiguidade, mas em parte por saber primacialmente quão grandes eles foram. Somos uma raça de homens-passarinhos; nos nossos voos intelectuais mal nos alçamos um pouco acima das colunas do jornal.
Nem todos os livros são tão insípidos como os seus leitores. É provável que haja palavras endereçadas exactamente à nossa condição, as quais, se de facto pudéssemos ouvi-las e entendê-las, seriam mais salutares às nossas vidas que a própria manhã ou a Primavera, revelando-nos talvez uma face inédita das coisas.
Quantos homens não inauguraram uma nova etapa na vida a partir da leitura de um livro! Deve existir para nós o livro capaz de explicar os nossos mistérios e de revelar outros insuspeitados. As coisas que ora nos parecem inexprimíveis, podemos encontrá-las expressas algures.
As mesmas questões que nos inquietam, intrigam e confundem, foram postas por sua vez a todos os homens sábios; nenhuma foi omitida,

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O Caminho de um Criador

Creio que tem havido sempre na nossa terra uma descabida preocupação canónica à ilharga de cada artista. Interessa mais ao zelo nacional averiguar se um poeta morreu sacramentado, do que ler os seus versos. Ninguém quer saber se o caminho de um criador o leva à morada das musas e da beleza; espreita-se da janela, mas é para ver se ele vai à missa. Ora isto é de analfabetos, de pessoas que verdadeiramente não sabem nem querem saber do valor de um poema, do mundo de liberdade e de independência que ele encerra. E uma gente assim não me convém, nem tão-pouco o Deus intolerante que servem. Por isso me vou divertindo com as minhas divindades naturais, luciferinamente, certo de que o diabo é ainda uma grande companhia. Foi a ele que Jesus disse que o seu reino não era deste mundo. E o meu, precisamente, é.

As Máscaras e a Guerra

… A minha casa ficou entre os dois sectores… De um lado avançavam mouros e italianos… Do outro lado avançavam, retrocediam ou aguentavam-se os defensores de Madrid… Pelas paredes tinham entrado as granadas da artilharia… As janelas desfizeram-se em estilhaços… Encontrei restos de chumbo no chão, entre os meus livros… Mas as minhas máscaras tinham desaparecido… As minhas máscaras trazidas do Sião, de Bali, de Samatra, do arquipélago malaio, de Bandung. Douradas, cinzentas, cor de tomate, com sobrancelhas prateadas ou azuis, infernais, ensimesmadas, as minhas máscaras eram a única lembrança daquele primeiro Oriente aonde cheguei solitário e que me tinha acolhido com o seu odor de chá, de esterco, de ópio, de suor, de jasmins intensos, de frangipana, de fruta podre pelas ruas… Aquelas máscaras, memória de puríssimas danças, dos bailes defronte do templo… Gotas de madeira coloridas pelos mitos, restos daquela floral mitologia que traçava no ar sonhos, costumes, demóniosi mistérios incompatíveis com a minha natureza americana… E então… Talvez os militantes tenham assomado às janelas da minha casa com as máscaras postas, talvez tenham assustado os mouros entre dois disparos… Muitas deles ficaram em estilhas e sangrentas, ali mesmo… Outras teriam rolado desde o meu quinto andar, arrancadas por um tiro…

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