Textos de José Tolentino Mendonça

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Textos de José Tolentino Mendonça. Conheça este e outros autores famosos em Poetris.

Não Será Tempo de Voltarmos aos Sentidos?

Não somos apenas o nosso corpo, estamos também integrados num corpus social, que solicita, expande e reprime a nossa sensibilidade. Basta ouvir aquele que foi o maior teórico da comunicação do século XX, Marshall McLuhan, para perceber até que ponto isso é aproveitado pela sociedade de comunicação global, para quem o indivíduo passa a ser uma presa. O que diz McLuhan sobre a televisão, por exemplo, é imensamente elucidativo: «Um dos efeitos da televisão é retirar a identidade pessoal. Só por ver televisão, as pessoas tornam-se num grupo coletivo de iguais. Perdem o interesse pela singularidade pessoal.» Se repararmos, os meios que lideram a comunicação humana contemporânea (da televisão ao telefone, do e-mail às redes sociais) interagem apenas com aqueles dos nossos sentidos que captam sinais à distância: fundamentalmente a visão e a audição. Origina-se assim uma descontrolada hipertrofia dos olhos e ouvidos, sobre os quais passa a recair toda a responsabilidade pela participação no real. «Viste aquilo?», «já ouviste a última do…»: os nossos quotidianos são continuamente bombardeados pela pressão do ver e do ouvir. O mesmo se passa com a locomoção: seja a pilotar um avião, a conduzir um automóvel, ou seja o peão a deslocar-se nas artérias das cidades modernas,

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A Nossa Maior Crueldade é o Tempo

A nossa maior crueldade é o tempo. Como um fabricante de armadilhas desajeitado que acaba sempre prisioneiro das engrenagens que produz, também nós inventamos o tempo e nunca temos tempo. Os nossos relógios nunca dormem. Quantas vezes o tempo é a nossa desculpa para desinvestir da vida, para perpetuar o desencontro que mantemos com ela? Como não temos diante de nós os séculos, renunciamos à audácia de viver plenamente o breve instante. A imagem de crono, devorando aquilo que gera, obsidia-nos. O tempo consome-nos sem nos encaminhar verdadeiramente para a consumação da promessa. Nesse sentido, o consumo desenfreado não é outra coisa que uma bolsa de compensações. As coisas que se adquirem são naquele momento, obviamente, mais do que coisas: são promessas que nos acenam, são protestos impotentes por uma existência que não nos satisfaz, são ficções do nosso teatro interno, são uma corrida contra o tempo. A verdade é que precisamos reconciliar-nos com o tempo. Não nos basta um conceito de tempo linear, ininterrupto, mecanizado, puramente histórico. O continuum homogéneo do tempo que a teoria do progresso desenha não conhece a rutura trazida pela novidade surpreendente. E a redenção é essa novidade. Precisamos identificar uma dupla significação no instante presente.

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O Amor é o Caminho que nos Leva à Esperança

O amor é o caminho que nos leva à esperança. E esta não é uma espécie de consolação, enquanto se esperam dias melhores. Nem é sobretudo expectativa do que virá. Esperar não significa projetar-se num futuro hipotético, mas saber colher o invisível no visível, o inaudível no audível, e por aí fora. Descobrir uma dimensão outra dentro e além desta realidade concreta que nos é dada como presente. Todos os nossos sentidos são implicados para acolher, com espanto e sobressalto, a promessa que vem, não apenas num tempo indefinido futuro, mas já hoje, a cada momento. A esperança mantém-nos vivos. Não nos permite viver macerados pelo desânimo, absorvidos pela desilusão, derrubados pelas forças da morte. Compreender que a esperança floresce no instante é experimentar o perfume do eterno.

Controlar a Vida a 360 Graus

Vivemos numa sociedade dominada cada vez mais pelo mito do controlo. E o seu postulado dogmático é este: a receita para uma vida realizada é a capacidade de controlá-la a 360 graus. Não percebemos até que ponto uma mentalidade assim representa a negação do princípio de realidade. Isto para dizer como somos pouco ajudados a lidar com a irrupção do inesperado que hoje o sofrimento representa. Sentimos a dor como uma tempestade estranha que se abate sobre nós, tirânica e inexplicável. Quando ela chega, só conseguimos sentir-nos capturados por ela, e os nossos sentidos tornam-se como persianas que, mesmo inconscientemente, baixamos. A luz já não nos é tão grata, as cores deixam de levar-nos consigo na sua ligeireza, os odores atormentam-nos, ignoramos o prazer, evitamos a melodia das coisas. Damos por nós ausentes nessa combustão silenciosa e fechada onde parece que o interesse sensorial pela vida arde. «A dor é tão grande, a dor sufoca, já não tem ar. A dor precisa de espaço», escreve Marguerite Duras nas páginas autobiográficas do volume a que chamou «A Dor». E descobrimo-nos mais sós do que pensávamos no meio desse incêndio íntimo que cresce. Nas etapas de sofrimento a impotência parece aprisionar enigmaticamente todas as nossas possibilidades.

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Viver em Estado de Amor

Respirar, viver não é apenas agarrar e libertar o ar, mecanicamente: é existir com, é viver em estado de amor. E, do mesmo modo, aderir ao mistério é entrar no singular, no afetivo. Deus é cúmplice da afetividade: omnipotente e frágil; impassível e passível; transcendente e amoroso; sobrenatural e sensível. A mais louca pretensão cristã não está do lado das afirmações metafísicas: ela é simplesmente a fé na ressurreição do corpo.

O amor é o verdadeiro despertador dos sentidos. As diversas patologias dos sentidos que anteriormente revisitámos mostram como, quando o amor está ausente, a nossa vitalidade hiberna. Uma das crises mais graves da nossa época é a separação entre conhecimento e amor. A mística dos sentidos, porém, busca aquela ciência que só se obtém amando. Amar significa abrir-se, romper o círculo do isolamento, habitar esse milagre que é conseguirmos estar plenamente connosco e com o outro. O amor é o degelo. Constrói-se como forma de hospitalidade (o poeta brasileiro Mário Quintana escreve que «o amor é quando a gente mora um no outro»), mas pede aos que o seguem uma desarmada exposição. Os que amam são, de certa maneira, mais vulneráveis. Não podem fazer de conta. Se apetece cantar na rua,

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