Amizade Correcta
O sábio, ainda que se baste a si mesmo, deseja ter um amigo, quanto mais não fosse para exercer a amizade, para não deixar definhar tão grande virtude. Ele não busca, como dizia Epicuro, «alguém que lhe vele à cabeceira em caso de doença, que o socorra quando esteja em grilhões ou na indigência». Busca alguém a cuja cabeceira de doente possa velar; alguém que, quando implicado numa contenda, ele possa salvar dos cárceres inimigos. Pensar em si próprio, e empenhar-se numa amizade com esse pensamento preconcebido, é cometer um erro de cálculo. A empresa terminará como começou. Fulano arranjou um amigo para dispor, um dia, de um libertador que o preserve dos grilhões. Ao primeiro tinido de cadeias, lá se vai o amigo.
Tais sĂŁo as amizades que o mundo chama de «ligações temporárias». O homem a quem se escolhe para prestar serviços deixará de agradar no dia em que nĂŁo sirva para mais nada. DaĂ a constelação de amigos ao redor das grandes fortunas. Vinda a ruĂna, faz-se, Ă volta, a solidĂŁo: os amigos esquivam-se dos lugares onde sĂŁo postos Ă prova. DaĂ, todos esses escândalos: amigos abandonados, amigos traĂdos, sempre por medo! É inevitável que o fim concorde com o começo: o interesse fez de sicrano teu amigo;
Textos sobre Cadeia de SĂ©neca
2 resultadosSem Medo nem Esperança
Li no nosso HecatĂŁo que pĂ´r termo aos desejos Ă© proveitoso como remĂ©dio aos nossos temores. Diz ele: «deixarás de ter medo quando deixares de ter esperança». Perguntarás tu como Ă© possĂvel conciliar duas coisas tĂŁo diversas. Mas Ă© assim mesmo, amigo LucĂlio: embora pareçam dissociadas, elas estĂŁo interligadas. Assim como uma mesma cadeia acorrenta o guarda e o prisioneiro, assim aquelas, embora parecendo dissemelhantes, caminham lado a lado: Ă esperança segue-se sempre o medo. Nem Ă© de admirar que assim seja: ambos caracterizam um espĂrito hesitante, preocupado na expectativa do futuro.
A causa principal de ambos é que não nos ligamos ao momento presente antes dirigimos o nosso pensamento para um momento distante e assim é que a capacidade de prever, o melhor bem da condição humana, se vem a transformar num mal. As feras fogem aos perigos que vêem mas assim que fugiram recobram a segurança. Nós tanto nos torturamos com o futuro como com o passado. Muitos dos nossos bens acabam por ser nocivos: a memória reactualiza a tortura do medo, a previsão antecipa-a; apenas com o presente ninguém pode ser infeliz!