Sem Medo nem Esperança
Li no nosso HecatĂŁo que pĂ´r termo aos desejos Ă© proveitoso como remĂ©dio aos nossos temores. Diz ele: «deixarás de ter medo quando deixares de ter esperança». Perguntarás tu como Ă© possĂvel conciliar duas coisas tĂŁo diversas. Mas Ă© assim mesmo, amigo LucĂlio: embora pareçam dissociadas, elas estĂŁo interligadas. Assim como uma mesma cadeia acorrenta o guarda e o prisioneiro, assim aquelas, embora parecendo dissemelhantes, caminham lado a lado: Ă esperança segue-se sempre o medo. Nem Ă© de admirar que assim seja: ambos caracterizam um espĂrito hesitante, preocupado na expectativa do futuro.
A causa principal de ambos é que não nos ligamos ao momento presente antes dirigimos o nosso pensamento para um momento distante e assim é que a capacidade de prever, o melhor bem da condição humana, se vem a transformar num mal. As feras fogem aos perigos que vêem mas assim que fugiram recobram a segurança. Nós tanto nos torturamos com o futuro como com o passado. Muitos dos nossos bens acabam por ser nocivos: a memória reactualiza a tortura do medo, a previsão antecipa-a; apenas com o presente ninguém pode ser infeliz!