Textos sobre CĂ©rebro de MillĂ´r Fernandes

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Textos de cérebro de Millôr Fernandes. Leia este e outros textos de Millôr Fernandes em Poetris.

O JuĂ­zo Final

Chegou o miserável milionário no céu e, impacientemente, esperou a sua vez de ser julgado. Introduziram-no numa sala, noutra sala, noutra sala, até que se viu frente a uma luz ofuscante, na qual pouco a pouco foi dintinguindo a figura santa do pai dos Homens. Em voz tonitroante este, tendo à direita, Pedro, e, à esquerda, uma figura que ele não conhecia, julgou sumariamente dois outros pecadores que estavam à sua frente. E, afinal, dirigiu-se a ele:
– Que fez vocĂŞ de bom na sua vida ?
– Bem, eu nasci, cresci, amei, casei, tive filhos, vivi.
– Ora – disse o Senhor – isso sĂŁo actos sociais e biolĂłgicos a que vocĂŞ estava destinado. Quero saber que bondade especĂ­fica e determinada vocĂŞ teve para com o seu semelhante.
– Bem – disse o milionário – eu criei indĂşstrias, comprei fazendas, dei emprego a muita gente, melhorei as condições sociais de muita gente.
– NĂŁo, isso nĂŁo serve – disse o Todo-Poderoso – essas acções estavam implĂ­citas ao acto de vocĂŞ enriquecer. VocĂŞ as praticou porque precisava viver melhor. NĂŁo foram intrinsecamente boas acções, desprendidas, nĂŁo servem.
O milionário escarafunchou o cérebro e não encontrou nada.

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Pensar Custa

Pensar é a todo momento e a todo custo. Pensar dói, cansa e só traz aborrecimentos. Melhor é não pensar. Mas pensar não é facultativo. Se o cérebro, a mínima parte dele que seja, deixa de estar alerta por um momento, penetram lá, como parasitas difíceis de erradicar, «ideias» vindas da imprensa, do rádio, da televisão, da propaganda geral, dos produtos em série, do consumo degenerado, dos doutores em lei, arte, literatura, ciência, política, sociologia. Essa massa de desinformação, não só inútil como nociva, nos é, aliás, imposta de maneira criminosa nos primeiros anos de nossa vida. E se, algum dia, chegamos a pensar no verdadeiro sentido do termo, todo o restante esforço da existência é para nos livrarmos de uma lamentável herança cultural. Pois, infelizmente, o cérebro humano é um dos poucos órgãos do corpo que não têm uma válvula excretora. E as fezes culturais ficam lá, nos envenenando pelo resto da vida, transformando o mais complexo e mais nobre órgão do corpo numa imensa fossa, imunda e fedorenta. Um lamentável erro da Criação.