A Vaidade no Sofrimento
Há ocasiões, em que contraĂmos a obrigação connosco, de nĂŁo admitirmos alĂvio nas nossas mágoas, e nos armamos de rigor, e de aspereza contra tudo o que pode consolar-nos, como querendo, que a constância na pena nos justifique, e sirva de mostrar a injustiça da fortuna: parece-nos, que o ser firme a nossa dor, Ă© prova de ser justa; esta ideia nos inspira a vaidade, menos cuidadosa no sossego do nosso ânimo, do que atenta em procurar a estimação dos homens. Uma grande pena admira-se, e respeita-se; Ă© o que basta para que a vaidade nos faça persistir no sentimento.
Textos sobre Constância de Matias Aires
3 resultadosA Vaidade Também Pode Ser Benéfica
A vaidade por ser causa de alguns males, nĂŁo deixa de ser princĂpio de alguns bens: das virtudes meramente humanas, poucas se haviam de achar nos homens, se nos homens nĂŁo houvesse vaidade: nĂŁo sĂł seriam raras as acções de valor, de generosidade, e de constância, mas ainda estes termos, ou palavras, seriam como bárbaras, e ignoradas totalmente. Digamos, que a vaidade as inventou.
O ser inflexĂvel Ă© ser constante; o desprezar a vida Ă© ter valor: SĂŁo virtudes, que a natureza desaprova, e que a vaidade canoniza. A aleivosia, a ingratidĂŁo, a deslealdade, sĂŁo vĂcios notados de vileza, por isso deles nos defende a vaidade; porque esta abomina tudo quanto Ă© vil. Assim se vĂŞ, que há vĂcios, de que a vaidade nos preserva, e que há virtudes, que a mesma vaidade nos ensina.
Em Nada Podemos Estar Firmes
Em nada podemos estar firmes, pois vivemos no meio de mil revoluções diversas: as idades, e a fortuna continuamente combatem a nossa constância; tudo consiste em representação que começa, não para existir, mas para acabar; menos para ser, que para ter sido. Vimos ao mundo a mostrar-nos, e a fazer parte da diversidade dele; as cousas parece que nos vão fugindo, até que nós vimos a desaparecer também. Somos formados de inclinações opostas entre si, e temos em nós uma propensão oculta, que sobre a aparência de buscar os objectos, só procura neles a mudança.
A inconstância nos serve de alĂvio, e desoprime, porque a firmeza Ă© como um peso, que nĂŁo podemos suportar sempre, por mais que seja leve; e com efeito como podem as nossas ideias serem fixas, e sempre as mesmas, se nĂłs sempre vamos sendo outros? Tudo nos Ă© dado por um certo tempo; em breves dias, e em breves horas se desvanece a razĂŁo da novidade, que nos fazia apetecer; fica invisĂvel aquele agrado, que nos tinha induzido para desejar. Quantas vezes esperamos as sombras da noite com mais fervor do que as luzes do dia; nĂŁo por vĂcio do desejo, mas porque nĂŁo temos forças para suportar o bem,