Citação de

Em Nada Podemos Estar Firmes

Em nada podemos estar firmes, pois vivemos no meio de mil revoluções diversas: as idades, e a fortuna continuamente combatem a nossa constância; tudo consiste em representação que começa, não para existir, mas para acabar; menos para ser, que para ter sido. Vimos ao mundo a mostrar-nos, e a fazer parte da diversidade dele; as cousas parece que nos vão fugindo, até que nós vimos a desaparecer também. Somos formados de inclinações opostas entre si, e temos em nós uma propensão oculta, que sobre a aparência de buscar os objectos, só procura neles a mudança.
A inconstância nos serve de alívio, e desoprime, porque a firmeza é como um peso, que não podemos suportar sempre, por mais que seja leve; e com efeito como podem as nossas ideias serem fixas, e sempre as mesmas, se nós sempre vamos sendo outros? Tudo nos é dado por um certo tempo; em breves dias, e em breves horas se desvanece a razão da novidade, que nos fazia apetecer; fica invisível aquele agrado, que nos tinha induzido para desejar. Quantas vezes esperamos as sombras da noite com mais fervor do que as luzes do dia; não por vício do desejo, mas porque não temos forças para suportar o bem, nem para conservar o mal?

Tudo nos cansa: não só nos é preciso constância para sofrer; também necessitamos paciência para gozar; a mesma delícia nos importuna. Perdemos as cousas, primeiro pela nossa indiferença, que pelo fim delas; primeiro porque se acaba em nós o gosto, do que nelas a duração; unicamente sensíveis quando começamos a ter, ou a alcançar; então gozamos, depois só possuímos. Os objectos depois de vistos muitas vezes, ficam como diferentes da primeira vez que os vimos; perdem todo o nosso reparo, e atenção: os olhos facilmente se esquecem do que sempre vêem; não porque o costume nos tire a admiração, mas porque a fraqueza dos nossos sentidos a não pode conservar.