O Cortejo Ingénuo dos Nossos Sonhos

NĂŁo desenhamos uma imagem ilusĂłria de nĂłs prĂłprios, mas inĂșmeras imagens, das quais muitas sĂŁo apenas esboços, e que o espĂ­rito repele com embaraço, mesmo quando porventura haja colaborado, ele prĂłprio, na sua formação. Qualquer livro, qualquer conversa podem fazĂȘ-las surgir; renovadas por cada paixĂŁo nova, mudam com os nossos mais recentes prazeres e os nossos Ășltimos desgostos. SĂŁo, contudo, bastante fortes para deixarem, em nĂłs, lembranças secretas que crescem atĂ© formarem um dos elementos mais importantes da nossa vida: a consciĂȘncia que temos de nĂłs mesmos tĂŁo velada, tĂŁo oposta a toda a razĂŁo, que o prĂłprio esforço do espĂ­rito para a captar a faz anular-se.
Nada de definido, nem que nos permita definir-nos; uma espĂ©cie de potĂȘncia latente… como se houvesse apenas faltado a ocasiĂŁo para cumprirmos no mundo real os gestos dos nossos sonhos, conservamos a impressĂŁo confusa, nĂŁo de os ter realizado, mas de termos sido capazes de os realizar. Sentimos esta potĂȘncia em nĂłs como o atleta conhece a sua força sem pensar nela. Actores miserĂĄveis que jĂĄ nĂŁo querem deixar os seus papĂ©is gloriosos, somos, para nĂłs mesmos, seres nos quais dorme, amalgamado, o cortejo ingĂ©nuo das possibilidades das nossas acçÔes e dos nossos sonhos.

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