A Medida da FĂ©
TĂŁo mais opressiva que a convicção implacĂĄvel do nosso presente estado pecaminoso Ă© a mais frĂĄgil convicção da antiga, eterna justificação da nossa existĂȘncia temporal. SĂł a capacidade de suportar desta segunda convicção, que na sua pureza abrange completamente a primeira, Ă© a medida da fĂ©.
Muitos consideram que, ao lado da grande fraude primitiva, existe em cada caso particular uma pequena fraude especial, encenada em proveito prĂłprio, do mesmo modo como, por exemplo, numa intriga amorosa, representada no palco, a actriz, alĂ©m do falso sorriso para o seu amante, tem ainda outro, particularmente pĂ©rfido, dirigido a um espectador determinado na Ășltima fileira da galeria. Isso significa ir longe demais.
Textos sobre ExistĂȘncia de Franz Kafka
5 resultadosEscrever um DiĂĄrio
Nunca mais deixo o diĂĄrio. Aqui Ă© que eu tenho de me firmar, porque sĂł aqui Ă© que o posso fazer. Bem gostaria de explicar o sentimento de felicidade que de vez em quando, como agora, tenho em mim. Ă de facto qualquer coisa de efervescente que me enche completamente de um tremor leve e agradĂĄvel e que me convence da existĂȘncia de capacidades de cuja inexistĂȘncia nem me posso convencer com toda a certeza em qualquer momento, mesmo agora.
Medo de Casar
Resumo de todos os argumentos a favor e contra o meu casamento:
1. Incapacidade de suportar a vida sozinho, o que nĂŁo implica incapacidade de viver, pelo contrĂĄrio; atĂ© Ă© improvĂĄvel que eu saiba viver com alguĂ©m, mas sozinho nĂŁo consigo aguentar o assalto da minha prĂłpria vida, as exigĂȘncias da minha pessoa, os ataques do tempo e da idade, a vaga pressĂŁo do desejo de escrever, a insĂłnia, a proximidade da loucura â nĂŁo consigo aguentar isto sĂł. Ă claro que junto «talvez» a tudo isto. A relação com F. vai dar Ă minha existĂȘncia mais força para resistir.
2. Tudo me faz imediatamente pensar. Todas as piadas no jornal humorĂstico, o que me lembro de Flaubert e de Grillparzer, as camisas de noite nas camas dos meus pais, ali postas para a noite, o casamento de Max. Ontem a minha irmĂŁ disse: «Todas as pessoas casadas (as pessoas que conhecemos) sĂŁo felizes. NĂŁo percebo», esta afirmação tambĂ©m me fez pensar, fiquei outra vez com medo.
3. Tenho de estar sĂł muito tempo. O que consegui fazer foi apenas o resultado de estar sĂł.
4. Odeio tudo o que nĂŁo se relacione com a literatura,
A ExistĂȘncia Baseada Em JustificaçÔes
NinguĂ©m aqui gera mais do que a sua possibilidade espiritual de viver; pouco importa que dĂȘ a aparĂȘncia de trabalhar para se alimentar, para se vestir, etc.; com cada bocada visĂvel uma invisĂvel lhe Ă© estendida, com cada vestimenta visĂvel uma invisĂvel vestimenta. EstĂĄ nisso a justificação de cada homem. Parece fundamentar a sua existĂȘncia com justificaçÔes ulteriores, mas essa Ă© apenas a imagem invertida que oferece o espelho da psicologia, de facto erege a sua vida sobre as suas justificaçÔes. Ă verdade que cada homem deve poder justificar a sua vida (ou a sua morte, o que vem dar no mesmo), nĂŁo pode furtar-se a essa tarefa.
Ser Pontual
NĂŁo sou pontual, porque nĂŁo sinto os sofrimentos da espera. Espero que nem um boi. Porque se eu sinto uma finalidade na minha existĂȘncia actual, mesmo que seja muito incerta, sinto-me na minha fraqueza tĂŁo vaidoso que era capaz de aguentar tudo sĂł para ter esta finalidade Ă minha frente. Mesmo se estivesse apaixonado, o que eu entĂŁo nĂŁo faria! Quanto tempo nĂŁo esperei, hĂĄ anos, debaixo das arcadas do Ring atĂ© M. passar, mesmo para a ver andar com o namorado. Tenho chegado atrasado a encontros em parte por descuido, em parte pela minha ignorĂąncia dos sofrimentos da espera, mas tambĂ©m em parte para obter novas e complicadas finalidades atravĂ©s de uma busca renovada e incerta da pessoa com quem tinha combinado o encontro, e assim conseguir a possibilidade de uma espera incerta e longa. Pelo facto de eu em criança ter um medo terrĂvel de esperar por alguĂ©m, poderia concluir-se que estava destinado a qualquer coisa melhor e que previa o meu futuro.