Textos sobre Gosto de Matias Aires

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Textos de gosto de Matias Aires. Leia este e outros textos de Matias Aires em Poetris.

Predisposição de Espírito

A nossa tristeza faz-nos parecer tudo o que vemos triste; a nossa alegria tudo nos mostra alegre; e o nosso contentamtento tudo nos mostra com agrado; os objectos influem menos em nós, do que nós influímos em nós mesmos. Vemos como de fora as aparências de que o mundo se compõe, por isso não conhecemos o seu verdadeiro ser, nem gozamos delas no estado em que as achamos, mas sim naquele em que elas nos acham. A delícia dos olhos, e do gosto, dependem mais da nossa disposição que da sua eficácia; o mesmo, que ontem nos atraiu hoje nos aborrece; ontem porque estava sem perturbação o nosso ânimo, hoje porque está com desassossego; e tudo porque não somos hoje, o que ontem fomos: o mesmo que hoje nos agrada, amanhã nos desgosta, e os objectos, por serem os mesmos, não causam sempre em nós as mesmas impressões; por motivos diferentes recebemos alterações iguais. O pouco que basta para afligir-nos, ou para contentar-nos, bem mostra o pouco constantes, que são em nós a aflição, e o contentamento; por isso uma, e outra coisa nos deixa com a mesma facilidade com que nos penetra.

O Gosto é a Causa da Aparência

O nosso engenho todo se esforça em pôr as coisas numa perspectiva tal, que vistas de um certo modo, fiquem a parecer o que nós queremos que elas sejam, e não o que elas são. A razão é como um instrumento lisonjeiro, por meio do qual vemos as coisas, grandes, ou pequenas, falsas, ou verdadeiras. O nosso pensamento não se acomoda às coisas, acomoda-se ao nosso gosto. O amor, a vaidade, e o interesse são os moldes em que as coisas se formam, e se configuram para se apresentarem a nós; e com efeito nenhuma coisa se nos mostra como é, contra a nossa vontade.

Entendimento Influenciado pela Vontade

Na ciência de julgar, alguma vez é desculpável o erro do entendimento, o da vontade nunca; como se o entender mal não fosse crime, erro sim; ou como se houvesse uma grande diferença entre o erro, e o crime: o entendimento pode errar, porém só a vontade pode delinquir. Assim se desculpam comummente os julgadores, mas é porque não vêem, que o que dizem que procedeu do entendimento, se bem se ponderar, procedeu unicamente da vontade. É um parto suposto, cuja origem, não é aquela que se dá. Querem os sábios enobrecer o erro, com o fazer vir do entendimento, e com lhe encobrir o vício que trouxe da vontade; mas quem é que deixa de ver, que o nosso entendimento quási sempre se sujeita ao que nós queremos; e que o seu maior empenho, é servir à nossa inclinação; por isso raras vezes se opõe, e o mais em que se ocupa, é em conformar-se de tal sorte ao nosso gosto, que ainda a nós mesmos fique parecendo, que foi resolução do entendimento aquilo que não foi senão acto da vontade.
O entendimento é a parte que temos em nós mais lisonjeira; daqui vem que nem sempre segue a razão,

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Em Nada Podemos Estar Firmes

Em nada podemos estar firmes, pois vivemos no meio de mil revoluções diversas: as idades, e a fortuna continuamente combatem a nossa constância; tudo consiste em representação que começa, não para existir, mas para acabar; menos para ser, que para ter sido. Vimos ao mundo a mostrar-nos, e a fazer parte da diversidade dele; as cousas parece que nos vão fugindo, até que nós vimos a desaparecer também. Somos formados de inclinações opostas entre si, e temos em nós uma propensão oculta, que sobre a aparência de buscar os objectos, só procura neles a mudança.
A inconstância nos serve de alívio, e desoprime, porque a firmeza é como um peso, que não podemos suportar sempre, por mais que seja leve; e com efeito como podem as nossas ideias serem fixas, e sempre as mesmas, se nós sempre vamos sendo outros? Tudo nos é dado por um certo tempo; em breves dias, e em breves horas se desvanece a razão da novidade, que nos fazia apetecer; fica invisível aquele agrado, que nos tinha induzido para desejar. Quantas vezes esperamos as sombras da noite com mais fervor do que as luzes do dia; não por vício do desejo, mas porque não temos forças para suportar o bem,

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A Vaidade Deforma a Alegria e a Tristeza

As virtudes humanas muitas vezes se compõem de melancolia, e de um retiro agreste. As mais das vezes é humor o que julgamos razão; é temperamento o que chamamos desengano; e é enfermidade o que nos parece virtude. Tudo são efeitos da tristeza; esta obriga-nos a seguir os partidos mais violentos, e mais duros; raras vezes nos faz reflectir sobre o passado, quási sempre nos ocupa em considerar futuros; por isso nos infunde temor, e cobardia, na incerteza de acontecimentos felizes, ou infaustos; e verdadeiramente a alegria nos governa em forma, que seguimos como por força os movimentos dela; e do mesmo modo os da tristeza.
Um ânimo alegre disfarça mal o riso, um coração triste encobre mal o seu desgosto: como há-de chorar quem está contente? E como há-de rir quem está triste? Se alguma vez se chora donde só se deve rir, ou se ri por aquilo por que se deve chorar, a alma então penetrada de dor, ou de prazer, desmente aquele exterior fingido, e falso. Só a vaidade sabe transformar o gosto em dor, e esta em prazer, a alegria em tristeza, e esta em contentamento; por isso as feridas não se sentem, antes lisonjeiam,

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O Amor não se Pode Definir

O amor não se pode definir; e talvez que esta seja a sua melhor definição. Sendo em nós limitado o modo de explicar, é infinito o modo de sentir; por isso nem tudo o que se sabe sentir, se sabe dizer: o gosto, e a dor, não se podem reduzir a palavras. O amor não só tem ocupado, e há-de ocupar o coração dos homens, mas também os seus discursos; porém por mais que a imaginação se esforce, tudo o que produzir a respeito do amor, são átomos. Os que amam não têm livre o espírito para dizerem o que sentem; e sempre acham que o que sentem é mais do que o que dizem; o mesmo amor entorpece a ideia e lhes serve de embaraço: os que não amam, mal podem discorrer sobre uma impressão, que ignoram; os que amaram são como a cinza fria, donde só se reconhece o efeito da chama, e não a sua natureza; ou também como o cometa, que depois de girar a esfera, sem deixar vestígio algum, desaparece.