Luto por uma Novidade de EspĂrito
Procuro me manter isolada contra a agonia de viver dos outros, e essa agonia que lhes parece um jogo de vida e morte mascara uma outra realidade, tĂŁo extraordinĂĄria essa verdade que os outros cairiam de espanto diante dela, como num escĂąndalo. Enquanto isso, ora estudam, ora trabalham, ora amam, ora crescem, ora se afanam, ora se alegram, ora se entristecem. A vida com letra maiĂșscula nada pode me dar porque vou confessar que tambĂ©m eu devo ter entrado por um beco sem saĂda como os outros. Porque noto em mim, nĂŁo um bocado de fatos, e sim procuro quase tragicamente ser. Ă uma questĂŁo de sobrevivĂȘncia assim como a de comer carne humana quando nĂŁo hĂĄ alimento. Luto nĂŁo contra os que compram e vendem apartamentos e carros e procuram se casar e ter filhos mas luto com extrema ansiedade por uma novidade de espĂrito. Cada vez que me sinto quase um pouco iluminada vejo que estou tendo uma novidade de espĂrito.
Minha vida é um reflexo deformado assim como se deforma num lago ondulante e inståvel o reflexo de um rosto. Imprecisão trémula. Como o que acontece com a ågua quando se mergulha a mão na ågua.
Textos sobre Lagos de Clarice Lispector
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Vou Voltar para Mim Mesma
Minha vida Ă© um grande desastre. Ă um desencontro cruel, Ă© uma casa vazia. Mas tem um cachorro dentro latindo. E eu â sĂł me resta latir para Deus. Vou voltar para mim mesma. Ă lĂĄ que eu encontro uma menina morta sem pecĂșlio. Mas uma noite vou Ă Secção de Cadastro e ponho fogo em tudo e nas identidades das pessoas sem pecĂșlio. E sĂł entĂŁo fico tĂŁo autĂłnoma que sĂł pararei de escrever depois de morrer. Mas Ă© inĂștil, o lago azul da eternidade nĂŁo pega fogo. Eu Ă© que me incineraria atĂ© meus ossos. Virarei nĂșmero e pĂł. Que assim seja. AmĂ©n. Mas protesto. Protesto Ă toa como um cĂŁo na eternidade da Seção de Cadastro.