Fábula
Estavam ali diante dos meus olhos: era terrĂvel e ao mesmo tempo fascinante.
Ao princĂpio pensei que ele a estava a matar, logo a seguir percebi que nĂŁo, que talvez ambos estivessem a morrer, sĂł depois qualquer apelo distante se fez carne em mim. EntĂŁo todo eu fiquei amarrado aos seus gestos, Ă quela respiração fatigada e difĂcil, Ă quele balbucio que lhes saĂa ralo da boca.
Os seio de Maria caĂam nus da blusa. Uma das mĂŁos do carpinteiro perdia-se nos seus cabelos emaranhados, a outra parecia ter-se enterrado na areia. O resto era aquele corpo todo dè homem: rĂgido e fremente, ao mesmo tempo, Ă força de concentrar todo o Ămpeto nas nádegas, arco de onde a flecha partia, para se cravar exasperada nas entranhas da rapariga. Parecia um cavalo ofegante — os olhos cerrados, o suor escorrendo da raiz dos cabelos, espa-lhando-se pelas costas, pelos flancos, pelas pernas, quase todas descobertas. Um cavalo cego mordendo o cĂ©u branco de agosto. Mas a terra chamou-o, e um relincho prolongado encheu o leito do ribeiro, morreu no alto dos amieiros. Por fim a paz desceu ao mundo.
Maria olhava o carpinteiro com olhos rasos de espanto, como quem tivesse perdido tudo naquele instante.
Textos sobre Passos de Eugénio de Andrade
2 resultadosO Porto Ă© SĂł…
O Porto é só uma certa maneira de me refugiar na tarde, forrar-me de silêncio e procurar trazer à tona algumas palavras, sem outro fito que não seja o de opor ao corpo espesso destes muros a insurreição do olhar.
O Porto é só esta atenção empenhada em escutar os passos dos velhos, que a certas horas atravessam a rua para passarem os dias no café em frente, os olhos vazios, as lágrimas todas das crianças de S. Victor correndo nos sulcos da sua melancolia.
O Porto é só a pequena praça onde há tantos anos aprendo metodicamente a ser árvore, procurando assim parecer-me cada vez mais com a terra obscura do meu próprio rosto.
Desentendido da cidade, olho na palma da mĂŁo os resĂduos da juventude, e dessa paixĂŁo sem regra deixarei que uma pĂ©tala poise aqui, por ser tĂŁo branca.1979