Textos sobre Prazer de Eugénio de Andrade

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Textos de prazer de Eugénio de Andrade. Leia este e outros textos de Eugénio de Andrade em Poetris.

MemĂłria doutro Rio

São muito vastas as noites de insónia, quase sempre atravessadas por um rio. Quando não chove, confusamente dispo-me atrás dos amieiros e abandono-me à corrente. Sigo para o sul, que é para onde correm todos os rios, pelo menos os meus.
Um dia, numa lĂ­ngua de areia, avistei dois corpos que se penetravam exasperados. Fiquei aterrado: primeiro pensei que ele a estava a matar, a seguir que ambos estivessem a morrer, sĂł depois percebi o que se passava, e o meu prĂłprio corpo se exasperou. Quando acabaram, a mulher chorava e o homem quase lhe mijava em cima. Afastaram-se cada um para seu lado, sem trocarem palavra.
Contei o que vira a um pastor que encontrei mais abaixo. Pouco mais velho era do que eu, mas mostrou-me como o prazer não tem forçosamente que ver com a culpa.

Em Louvor das Crianças

Se há na terra um reino que nos seja familiar e ao mesmo tempo estranho, fechado nos seus limites e simultaneamente sem fronteiras, esse reino é o da infância. A esse país inocente, donde se é expulso sempre demasiado cedo, apenas se regressa em momentos privilegiados — a tais regressos se chama, às vezes, poesia. Essa espécie de terra mítica é habitada por seres de uma tão grande formosura que os anjos tiveram neles o seu modelo, e foi às crianças, como todos sabem pelos evangelhos, que foi prometido o Paraíso.
A sedução das crianças provém, antes de mais, da sua proximidade com os animais — a sua relação com o mundo não é a da utilidade, mas a do prazer. Elas não conhecem ainda os dois grandes inimigos da alma, que são, como disse Saint-Exupéry, o dinheiro e a vaidade. Estas frágeis criaturas, as únicas desde a origem destinadas à imortalidade, são também as mais vulneráveis — elas têm o peito aberto às maravilhas do mundo, mas estão sem defesa para a bestialidade humana que, apesar de tanta tecnologia de ponta, não diminui nem se extingue.
O sofrimento de uma criança é de uma ordem tão monstruosa que,

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