Textos sobre Tempo de Theodor W. Adorno

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Textos de tempo de Theodor W. Adorno. Leia este e outros textos de Theodor W. Adorno em Poetris.

A Necessidade da Mentira

A imoralidade da mentira não consiste na violação da sacrossanta verdade. Ao fim e ao cabo, tem direito a invocá-la uma sociedade que induz os seus membros compulsivos a falar com franqueza para, logo a seguir, tanto mais seguramente os poder surpreender. À universal verdade não convém permanecer na verdade particular, que imediatamente transforma na sua contrária. Apesar de tudo, à mentira é inerente algo repugnante cuja consciência submete alguém ao açoite do antigo látego, mas que ao mesmo tempo diz algo acerca do carcereiro. O erro reside na excessiva sinceridade. Quem mente envergonha-se, porque em cada mentira deve experimentar o indigno da organização do mundo, que o obriga a mentir, se ele quiser viver, e ainda lhe canta: “Age sempre com lealdade e rectidão”.
Tal vergonha rouba a força às mentiras dos mais subtilmente organizados. Elas confundem; por isso, a mentira só no outro se torna imoralidade como tal. Toma este por estúpido e serve de expressão à irresponsabilidade. Entre os insidiosos práticos de hoje, a mentira já há muito perdeu a sua honrosa função de enganar acerca do real. Ninguém acredita em ninguém, todos sabem a resposta. Mente-se só para dar a entender ao outro que a alguém nada nele importa,

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Falar Sempre, Pensar Nunca

Desde que, com a ajuda do cinema, das soap operas e do horney, a psicologia profunda penetra nos últimos rincões, a cultura organizada corta aos homens o acesso à derradeira possibilidade da experiência de si mesmo. E esclarecimento já pronto transforma não só a reflexão espontânea, mas o discernimento analítico, cuja força é igual à energia e ao sofrimento com que eles se obtêm, em produtos de massas, e os dolorosos segredos da história individual, que o método ortodoxo se inclina já a reduzir a fórmulas, em vulgares convenções.
Até a própria dissolução das racionalizações se torna racionalização. Em vez de realizar o trabalho de autognose, os endoutrinados adquirem a capacidade de subsumir todos os conflitos em conceitos como complexo de inferioridade, dependência materna, extrovertido e introvertido, que, no fundo, são pouco menos que incompreensíveis. O horror em face ao abismo do eu é eliminado mediante a consciência de que não se trata mais do que uma artrite ou de sinus troubles.
Os conflitos perdem assim o seu aspecto ameaçador. São aceites; não sanados, mas encaixados somente na superfície da vida normalizada como seu ingrediente inevitável. São, ao mesmo tempo, absorvidos como um mal universal pelo mecanismo da imediata identificação do indivíduo com a instância social;

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O Vazio da Pressa e do Dinamismo

A pressa, o nervosismo, a instabilidade, observados desde o surgimento das grandes cidades, alastram-se nos dias de hoje de uma forma tão epidémica quanto outrora a peste e a cólera. Nesse processo manifestam-se forças das quais os passantes apressados do século XIX não eram capazes de fazer a menor ideia. Todas as pessoas têm necessariamente algum projecto. O tempo de lazer exige que se o esgote. Ele é planeado, utilizado para que se empreenda alguma coisa, preenchido com vistas a toda espécie de espectáculo, ou ainda apenas com locomoções tão rápidas quanto possível. A sombra de tudo isso cai sobre o trabalho intelectual. Este é realizado com má consciência, como se tivesse sido roubado a alguma ocupação urgente, ainda que meramente imaginária. A fim de se justificar perante si mesmo, ele dá-se ares de uma agitação febril, de um grande afã, de uma empresa que opera a todo vapor devido à urgência do tempo e para a qual toda a reflexão — isto é, ele mesmo — é um estorvo. Com frequência tudo se passa como se os intelectuais reservassem para a sua própria produção precisamente apenas aquelas horas que sobram das suas obrigações, saídas, compromissos, e divertimentos inevitáveis.

A Individualidade Não Se Deixa Representar

Conselho ao intelectual: Não deixes que te representem. A fungibilidade das obras e das pessoas e a crença daí derivada de que todos têm de poder fazer tudo revelam-se no seio do estado vigente como grilhões. O ideal igualitário da representatividade é uma fraude, se não for sustentado pelo princípio da revogabilidade e da responsabilidade do rank and file. O mais poderoso é justamente o que menos faz, o que mais se pode encarregar daquele a que se dedica e sua vantagem arrecada. Parece colectivismo e fica-se apenas pela demasiado boa opinião de si mesmo, pela exclusão do trabalho, graças à disposição do trabalho alheio.
Na produção material está solidamente implantada a substituibilidade. A quantificação dos processos laborais diminui tendencialmente a diferença entre o encargo do director geral e o do empregado de uma estação de serviço. É uma ideologia miserável pensar que, nas actuais condições, para a admininstração de um trust se requer mais inteligência, experiência e preparação do que para ler um manómetro. Mas enquanto na produção material há um apego tenaz a esta ideologia, o espírito da que lhe é contrária cai na submissão. Tal é a cada vez mais ruinosa doutrina da universitas litterarum, da igualdade de todos na república das ciências,

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A Precisão da Escrita não Faz o Bom Escritor

Como escritor, poderá alguém fazer a experiência de que quanto mais precisa, esmerada e adequadamente se expressar, tanto mais difícil de entender será o resultado literário, ao passo que quando o faz de forma laxa e irresponsável se vê recompensado com uma segura inteligibilidade. De nada serve evitar asceticamente todos os elementos da linguagem especializada e todas as alusões a esferas culturais não estabelecidas. O rigor e a pureza da textura verbal, inclusive na extrema simplicidade, criam antes um vazio. O desmazelo, o nadar com a corrente familiar do discurso, é um sinal de vinculação e de contacto: sabe-se o que se quer porque se sabe o que o outro quer. Enfrentar a coisa na expressão, em vez da comunicação, é suspeitoso: o específico, o que não está acolhido no esquematismo, parece uma desconsideração, um sintoma de excentricidade, quase de confusão. A lógica do nosso tempo, que tanto se ufana da sua claridade, acolheu ingenuamente tal perversão na categoria da linguagem quotidiana.

A expressão vaga permite a quem a ouve ter uma ideia aproximada do que é que lhe agrada e do que, de qualquer modo, opina. A rigorosa exige a univocidade da concepção, o esforço do conceito,

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