Textos sobre Voltas de Fernando Pessoa

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Textos de voltas de Fernando Pessoa. Leia este e outros textos de Fernando Pessoa em Poetris.

Sonhos Prometedores

Tenho mais pena dos que sonham o provĂĄvel, o legĂ­timo e o prĂłximo, do que dos que devaneiam sobre o longĂ­nquo e o estranho. Os que sonham grandemente, ou sĂŁo doidos e acreditam no que sonham e sĂŁo felizes, ou sĂŁo devaneadores simples, para quem o devaneio Ă© uma mĂșsica da alma, que os embala sem lhes dizer nada. Mas o que sonha o possĂ­vel tem a possibilidade real da verdadeira desilusĂŁo. NĂŁo me pode pesar muito o ter deixado de ser imperador romano, mas pode doer-me o nunca ter sequer falado Ă  costureira que, cerca da nove horas, volta sempre a esquina da direita. O sonho que nos promete o impossĂ­vel jĂĄ nisso nos priva dele, mas o sonho que nos promete o possĂ­vel intromete-se com a prĂłpria vida e delega nela a sua solução. Um vive exclusivo e independente; o outro submisso das contingĂȘncias do que acontece.

Hoje Tomei a DecisĂŁo de Ser Eu

Hoje, ao tomar de vez a decisĂŁo de ser Eu, de viver Ă  altura do meu mister, e, por isso, de desprezar a ideia do reclame, e plebeia sociabilizacĂŁo de mim, do Interseccionismo, reentrei de vez, de volta da minha viagem de impressĂ”es pelos outros, na posse plena do meu GĂ©nio e na divina consciĂȘncia da minha MissĂŁo. Hoje sĂł me quero tal qual meu carĂĄcter nato quer que eu seja; e meu GĂ©nio, com ele nascido, me impĂ”e que eu nĂŁo deixe de ser.
Atitude por atitude, melhor a mais nobre, a mais alta e a mais calma. Pose por pose, a pose de ser o que sou.
Nada de desafios Ă  plebe, nada de girĂąndolas para o riso ou a raiva dos inferiores. A superioridade nĂŁo se mascara de palhaço; Ă© de renĂșncia e de silĂȘncio que se veste.
O Ășltimo rasto de influĂȘncia dos outros no meu carĂĄcter cessou com isto. Reconheci — ao sentir que podia e ia dominar o desejo intenso e infantil de « lançar o Interseccionismo» — a tranquila posse de mim.
Um raio hoje deslumbrou-me de lucidez. Nasci.

O Significado dos Sonhos

Os meu sonhos eram de muitas espĂ©cies mas representavam manifestaçÔes de um Ășnico estado de alma. Ora sonhava ser um Cristo, a sacrificar-me para redimir a humanidade, ora um Lutero, a quebrar com todas as convençÔes estabelecidas, ora um Nero, mergulhado em sangue e na luxĂșria da carne. Ora me via numa alucinação o amado das multidĂ”es, aplaudido, desfilando ao longo (…), ora o amado das mulheres, atraindo-as arrebatadoramente para fora das suas casas, dos seus lares, ora o desprezado por todos embora o eleito do bem, por todos a sacrificar-me. Tudo o que lia, tudo o que ouvia, tudo o que via — cada ideia vinda de fora, cada (…), cada acontecimento era o ponto de partida de um sonho. Vinha de um circo e ficava em casa ousando imaginar-me um palhaço, com luzes em arco Ă  minha volta. Via soldados passarem na minha mente a falarem com uma visĂŁo de mim prĂłprio, tratando-me por capitĂŁo, chefiando, ordenando, vitorioso. Quando lia algo acerca de aventureiros imediatamente me convertia neles, por completo. Quando lia algo acerca de criminosos, morria por cometer crimes atĂ© me apavorar com o meu desarranjo mental. Conforme as coisas que via, ou ouvia, ou lia, vivia em todas as classes sociais,

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