Passagens de Vinicius de Moraes

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Soneto Sentimental À Cidade De São Paulo

Ó cidade tão lírica e tão fria!
Mercenária, que importa – basta! – importa
Que à noite, quando te repousas morta
Lenta e cruel te envolve uma agonia

Não te amo à luz plácida do dia
Amo-te quando a neblina te transporta
Nesse momento, amante, abres-me a porta
E eu te possuo nua e frígida.

Sinto como a tua íris fosforeja
Entre um poema, um riso e uma cerveja
E que mal há se o lar onde se espera

Traz saudade de alguma Baviera
Se a poesia é tua, e em cada mesa
Há um pecador morrendo de beleza?

Poética

Com as lágrimas do tempo
E a cal do meu dia
Eu fiz o cimento
Da minha poesia

E na perspectiva
Da vida futura
Ergui em carne viva
Sua arquitetura.

Não sei bem se é casa
Se é torre ou se é templo.
(Um templo sem Deus.)

Mas é grande e clara
Pertence ao seu tempo
…. Entrai, irmãos meus!

E se tiver vontade de escrever alguma coisa sobre mim, diga apenas uma frase: ‘Foi meu amigo, acreditou em mim e me quis mais perto de Deus!’ Aí, então derrame uma lágrima.

Cuidado companheiro! A vida é pra valer E não se engane não, tem uma só. […] A vida é a arte do encontro Embora haja tanto desencontro pela vida

Soneto De Um Casamento

Na sala de luz lívida, sorriam
Sombras imóveis; e outras lacrimosas
Perseguiam lembranças dolorosas
Na exaltação das flores que morriam.

Em vácuos de perfume, descaíam
Diáfanos, de diáfanas mãos piedosas
Fátuos sons de brilhantes que fremiam
Entre a crepitação lenta das rosas.

Nas taças cheias acendiam círios
Votivos, e entre as taças e o lírios
Vozes veladas, nessa mesa posta

Velavam… enquanto plácida e perdida
Irreal e longínqua como a vida
Toda de branco perpassava a Morta.

Soneto Da Rosa

Mais um ano na estrada percorrida
Vem, como astro matinal, que a adora
Molhar de puras lágrimas de aurora
A morna rosa escura e apetecida.

E da fragrante tepidez sonora
No recesso, como ávida ferida
Guardar o plasma múltiplo da vida
Que a faz materna e plácida, e agora

Rosa geral de sonho e plenitude
Transforma em novas rosas de beleza
Em novas rosas de carnal virtude.

Para que o sonho viva de certeza
Para que o tempo da paixão não mude
Para que se una o verbo à natureza.

Tristeza não tem fim Felicidade sim A felicidade é como a gota De orvalho numa pétala de flor Brilha tranquila Depois de leve oscila E cai como uma lágrima de amor

Soneto Do Corifeu

São demais os perigos desta vida
Para quem tem paixão, principalmente
Quando uma lua surge de repente
E se deixa no céu, como esquecida.

E se ao luar que atua desvairado
Vem se unir uma música qualquer
Aí então é preciso ter cuidado
Porque deve andar perto uma mulher.

Deve andar perto uma mulher que é feita
De música, luar e sentimento
E que a vida não quer, de tão perfeita.

Uma mulher que é como a própria Lua:
Tão linda que só espalha sofrimento
Tão cheia de pudor que vive nua.