As Subtilezas da Alma
Tal como o corpo assimila coisas de toda a natureza – vulgares, poluĂdas ou purificadas por um padre ou por uma visĂŁo – e as converte em destreza ou força, mĂşsculo ou suavidade de linhas, curvas e cor do cabelo, dos lábios e dos olhos, assim tambĂ©m a Alma, por sua vez, tem as suas funções assimiladoras e pode transformar em nobres pensamentos e elevadas paixões o que em si mesmo Ă© baixo, cruel e degradante; mais ainda, pode encontrar nestas a maneira mais digna de afirmação. E muitas vezes pode revelar-se a si mesma de um modo mais perfeito atravĂ©s daquilo que estava destinado a destruĂ-la ou a profaná-la.
Passagens sobre Cabelos
272 resultadosBarba, n. O cabelo que é habitualmente cortado por aqueles que abominam o absurdo costume chinês de rapar a cabeça.
Auto-Retrato
O’Neill (Alexandre), moreno portuguĂŞs,
cabelo asa de corvo; da angĂşstia da cara,
nariguete que sobrepuja de través
a ferida desdenhosa e nĂŁo cicatrizada.Se a visagem de tal sujeito Ă© o que vĂŞs
(omita-se o olho triste e a testa iluminada)
o retrato moral também tem os seus quês
(aqui, uma pequena frase censurada…)No amor? No amor crĂŞ (ou nĂŁo fosse ele O’Neill!)
e tem a veleidade de o saber fazer
(pois amor não há feito) das maneiras milque são a semovente estátua do prazer.
Mas sofre de ternura, bebe de mais e ri-se
do que neste soneto sobre si mesmo disse…
Meridional
Cabelos
Ă“ vagas de cabelo esparsas longamente,
Que sois o vasto espelho onde eu me vou mirar,
E tendes o cristal dum lago refulgente
E a rude escuridĂŁo dum largo e negro mar;Cabelos torrenciais daquela que me enleva,
Deixai-me mergulhar as mãos e os braços nus
No báratro febril da vossa grande treva,
Que tem cintilações e meigos céus de luz.Deixai-me navegar, morosamente, a remos,
Quando ele estiver brando e livre de tufões,
E, ao plácido luar, ó vagas, marulhemos
E enchamos de harmonia as amplas solidões.Deixai-me naufragar no cimo dos cachopos
Ocultos nesse abismo ebânico e tão bom
Como um licor renano a fermentar nos copos,
Abismo que se espraia em rendas de Alençon!E, ó mágica mulher, ó minha Inigualável,
Que tens o imenso bem de ter cabelos tais,
E os pisas desdenhosa, altiva, imperturbável,
Entre o rumor banal dos hinos triunfais;Consente que eu aspire esse perfume raro,
Que exalas da cabeça erguida com fulgor,
Perfume que estonteia um milionário avaro
E faz morrer de febre um louco sonhador.
Acto ou qualquer outra Coisa
Acto ou qualquer outra coisa. Eu sei, aquela mulher
tĂŁo tranquila
vendo da janela do quarto o porto
vendo dos barcos o fumo rente aos mastros
eu seiessa mulher bem podia ter o nome quando
por detrás da janela observa
outras coisas que nĂŁo sĂŁo barcos e mastros.Talvez os homenzinhos de azul despertem seus desejos
ou sĂł o azul desbotado, mas nĂŁo
nĂŁo nessa janela nesse porto de cidade que nĂŁo sei
e ela sabeenvolta no vestido, ruivo o cabelo,
envolta nas madeiras da portada.
O chão deve ranger sob os seus pés.
N. H.
Tu não és de Romeu a doce amante,
A triste Julieta, que suspira,
Solto o cabelo aos ventos ondeante,
Inquietas cordas de suspensa lira.Não és Ofélia, a virgem lacrimante,
Que ao luar nos jardins vaga e delira,
E é levada nas águas flutuante,
Como em sonho de amor que cedo expira.És a estátua de mármore de rosa;
Galatéia acordando voluptuosa
Do grego artista ao fogo de mil beijos…És a lânguida JĂşlia que desmaia,
És Haidéia nos côncavos da praia;
Fosse eu o Dom JoĂŁo dos teus desejos!…
Retrato
Pintar o rosto de Márcia
Com tal primor determino,
Que seja logo seu rosto
Pela pinta conhecido.
Anda doudo de prazer
Seu cabelo por tĂŁo lindo,
Pois mal lhe vai uma onda,
Quando outra já lhe tem vindo.
Sua testa com seus arcos
Do Turco Império castigo
Vencido tem SolimĂŁo,
Meias Luas tem vencido.
Dormidos seus olhos sĂŁo,
Porém Planetas tão ricos
Nunca já foram sonhados,
Bem que sempre sĂŁo dormidos.
A dormir creio se lançam
Por ter de mortais, e vivos
TĂŁo boa fama cobrado,
Nome tĂŁo grande adquirido.
Entre seus raios se mostra
O grande nariz bornido,
Por final que entre seus raios
Prova o nariz de aquilino.
Nas taças de suas faces
Feitas do metal mais limpo,
Como certos Reverendos,
Mistura o branco co’tinto.
As perlas dos dentes alvos,
Os rubins dos beiços finos
Tem desdentado o marfim,
E a cor mais viva comido.
O passadiço da voz
Nem Ă© neve, nem Ă© vidro,
Nem mármore, nem marfim,
Nem cristal, mas passadiço.
Vénus
I
Ă€ flor da vaga, o seu cabelo verde,
Que o torvelinho enreda e desenreda…
O cheiro a carne que nos embebeda!
Em que desvios a razĂŁo se perde!PĂştrido o ventre, azul e aglutinoso,
Que a onda, crassa, num balanço alaga,
E reflui (um olfato que se embriaga)
Como em um sorvo, murmura de gozo.O seu esboço, na marinha turva…
De pé flutua, levemente curva;
Ficam-lhe os pĂ©s atrás, como voando…E as ondas lutam, como feras mugem,
A lia em que a desfazem disputando,
E arrastando-a na areia, co’a salsugem.II
Singra o navio. Sob a água clara
VĂŞ-se o fundo do mar, de areia fina…
_ Impecável figura peregrina,
A distância sem fim que nos separa!Seixinhos da mais alva porcelana,
Conchinhas tenuemente cor de rosa,
Na fria transparĂŞncia luminosa
Repousam, fundos, sob a água plana.E a vista sonda, reconstrui, compara,
Tantos naufrágios, perdições, destroços!
_ Ă“ fĂşlgida visĂŁo, linda mentira!RĂłseas unhinhas que a marĂ© partira…
Dentinhos que o vaivĂ©m desengastara…
No Teu Colo
No teu colo cabem todos os meus medos.
E se Deus existir, Ă© a calma do teus ombros, o sossego divino que vai do teu pescoço ao teu peito. E eu ali, tĂŁo pequeno que nem meço os centĂmetros que tenho, e ainda assim tĂŁo grande que nem o cĂ©u teria espaço para me guardar assim. Somos criaturas para alĂ©m do mundo, pares Ăşnicos de uma viagem que nem o final dos corpos conseguirá parar.
Até o pior da vida se acalma quando estou nos teus olhos.
Há pessoas más, mãe. Pessoas que não imaginam o que é resistir por dentro deste corpo, por trás destes ossos, sob os escombros de uma idade por descobrir. Há pessoas que não sabem que sou uma criança com medo como todas as crianças (uma pessoa com medo como todas as pessoas: os adultos também têm medo, não têm, mãe?, toda a gente tem medo, não tem, mãe?), e ontem um adulto disse-me para crescer e aparecer, e uma criança menos criança do que eu agarrou-me pelos cabelos e atirou-me ao chão, a escola toda a olhar e a rir, e o adulto a dizer «cresce e aparece» e a criança a dizer «toma lá que é para aprenderes».
Cantiga de Banheiro
A moça vai tomar banho,
banho domiciliar.
A moça não se dispersa
na piscina nem no mar.
A moça entra no banheiro
e torce a chave e o ferrolho
da porta. (Há na fechadura
um olho que chama outro olho.)
A moça vai tomar banho.
Deixa os chinelos no canto.
Perdeu os itinerários.
Solta os cabelos castanhos.
Fica nua. Dela saltam
peitos agressivos de
bicos rubros, insinuantes,
de leite e amor para as bocas
dos babies e dos amantes.
A moça morena espia
dentro do espelho da pia
a exclusivamente sua
liberta beleza nua.Comprime-se o espelho quando
a moça se distancia.
Na solidĂŁo do banheiro,
vĂŞ-se emparedada viva
nas paredes de azulejo
e nua fica debaixo
do chuveiro de onde a água
humaniza-se e, acrobata,
dá um pulo da cascata
doméstica com a intenção
de levar a moça longe,
de fazer um filho plástico
no ventre virgem lambido
de esponja e de sabonete.Quando a branca toalha asséptica
abriu-se na fĂşria ambiente,
Põe-me as MĂŁos nos Ombros…
Põe-me as mĂŁos nos ombros…
Beija-me na fronte…
Minha vida Ă© escombros,
A minha alma insonte.Eu nĂŁo sei por quĂŞ,
Meu desde onde venho,
Sou o ser que vĂŞ,
E vê tudo estranho.Põe a tua mão
Sobre o meu cabelo…
Tudo Ă© ilusĂŁo.
Sonhar Ă© sabĂŞ-lo.
Tenho Saudades da CarĂcia dos Teus Braços
Tenho saudades da carĂcia dos teus braços, dos teus braços fortes, dos teus braços carinhosos que me apertam e que me embalam nas horas alegres, nas horas tristes. Tenho saudades dos teus beijos, dos nossos grandes beijos que me entontecem e me dĂŁo vontade de chorar. Tenho saudades das tuas mĂŁos (…) Tenho saudades da seda amarela tĂŁo leve, tĂŁo suave, como se o sol andasse sobre o teu cabelo, a polvilhá-lo de oiro. Minha linda seda loira, como eu tenho vontade de te desfiar entre os meus dedos! Tu tens-me feito feliz, como eu nunca tivera esperanças de o ser. Se um dia alguĂ©m se julgar com direitos a perguntar-te o que fizeste de mim e da minha vida, tu dize-lhe, meu amor, que fizeste de mim uma mulher e da minha vida um sonho bom; podes dizer seja a quem for, a meu pai como a meu irmĂŁo, que eu nunca tive ninguĂ©m que olhasse para mim como tu olhas, que desde criança me abandonaram moralmente que fui sempre a isolada que no meio de toda a gente Ă© mais isolada ainda. Podes dizer-lhe que eu tenho o direito de fazer da minha vida o que eu quiser,