Passagens de Camilo Pessanha

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Caminho

II

Encontraste-me um dia no caminho
Em procura de quê, nem eu o sei.
– Bom dia, companheiro – te saudei,
Que a jornada é maior indo sozinho.

É longe, é muito longe, há muito espinho!
Paraste a repousar, eu descansei…
Na venda em que poisaste, onde poisei,
Bebemos cada um do mesmo vinho.

É no monte escabroso, solitário.
Corta os pés como a rocha dum calvário,
E queima como a areia!… Foi no entanto

Que chorámos a dor de cada um…
E o vinho em que choraste era comum:
Tivemos que beber do mesmo pranto.

Canção da Partida

Ao meu coração um peso de ferro
Eu hei de prender na volta do mar.
Ao meu coração um peso de ferro… Lançá-lo ao mar.
Quem vai embarcar, que vai degredado,

As penas do amor não queira levar…
Marujos, erguei o cofre pesado, Lançai-o ao mar.
E hei de mercar um fecho de prata.
O meu coração é o cofre selado.

A sete chaves: tem dentro uma carta…
_ A última, de antes do teu noivado.
A sete chaves, _ a carta encantada!

E um lenço bordado… Esse hei de o levar,
Que é para o molhar na água salgada
No dia em que enfim deixar de chorar.

Na Cadeia os Bandidos Presos!

Na cadeia os bandidos presos!
O seu ar de contemplativos!
Que é das flores de olhos acesos?!
Pobres dos seus olhos cativos.

Passeiam mudos entre as grades,
Parecem peixes num aquário.
_ Campo florido das Saudades,
Porque rebentas tumultuário?

Serenos… Serenos… Serenos…
Trouxe-os algemados a escolta.
_ Estranha taça de venenos
Meu coração sempre em revolta.

Coração, quietinho… quietinho…
Porque te insurges e blasfemas?
Pschiu… Não batas… Devagarinho…
Olha os soldados, as algemas!

Depois das Bodas de Oiro

Depois das bodas de oiro,
Da hora prometida,
Não sei que mal agoiro
Me anoiteceu a vida…

Temo de regressar…
E mata-me a saudade…
_ Mas de me recordar
Não sei que dor me invade.

Nem quero prosseguir,
Trilhar novos caminhos,
Meus pobres pés dorir,
Já roxos dos espinhos.

Nem ficar… e morrer…
Perder-te, imagem vaga…
Cessar… não mais te ver…
Como uma luz se apaga…

Branco e Vermelho

A dor, forte e imprevista,
Ferindo-me, imprevista,
De branca e de imprevista
Foi um deslumbramento,
Que me endoidou a vista,
Fez-me perder a vista,
Fez-me fugir a vista,
Num doce esvaimento.
Como um deserto imenso,
Branco deserto imenso,
Resplandecente e imenso,
Fez-se em redor de mim.

Todo o meu ser, suspenso,
Não sinto já, não penso,
Pairo na luz, suspenso…
Que delícia sem fim!
Na inundação da luz
Banhando os céus a flux,
No êxtase da luz,
Vejo passar, desfila
(Seus pobres corpos nus
Que a distancia reduz,
Amesquinha e reduz
No fundo da pupila)
Na areia imensa e plana
Ao longe a caravana
Sem fim, a caravana
Na linha do horizonte
Da enorme dor humana,
Da insigne dor humana…
A inútil dor humana!
Marcha, curvada a fronte.
Até o chão, curvados,
Exaustos e curvados,
Vão um a um, curvados,
Escravos condenados,
No poente recortados,
Em negro recortados,
Magros, mesquinhos, vis.
A cada golpe tremem
Os que de medo tremem,

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Estátua

Cansei-me de tentar o teu segredo:
No teu olhar sem cor, de frio escalpelo,
O meu olhar quebrei, a debatê-lo,
Como a onda na crista dum rochedo.

Segredo dessa alma e meu degredo
E minha obsessão! Para bebê-lo
Fui teu lábio oscular, num pesadelo,
Por noites de pavor, cheio de medo.

E o meu ósculo ardente, alucinado,
Esfriou sobre o mármore correto
Desse entreaberto lábio gelado…

Desse lábio de mármore, discreto,
Severo como um túmulo fechado,
Sereno como um pélago quieto.

No Claustro De Celas

Eis quanto resta do idílio acabado,
– Primavera que durou um momento…
Como vão longe as manhãs do convento!
– Do alegre conventinho abandonado…

Tudo acabou… Anêmonas, hidrângeas,
Silindras, – flores tão nossas amigas!
No claustro agora viçam as ortigas,
Rojam-se cobras pelas velhas lájeas.

Sobre a inscrição do teu nome delido!
– Que os meus olhos mal podem soletrar,
Cansados… E o aroma fenecido

Que se evola do teu nome vulgar!
Enobreceu-o a quietação do olvido,
Ó doce, ingênua, inscrição tumular.