Sonetos sobre Deserto

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Sonetos de deserto escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

O Lutador

Buscou no amor o bálsamo da vida,
Não encontrou senão veneno e morte.
Levantou no deserto a roca-forte
Do egoísmo, e a roca em mar foi submergida!

Depois de muita pena e muita lida,
De espantoso caçar de toda sorte,
Venceu o monstro de desmedido porte
– A ululante Quimera espavorida!

Quando morreu, línguas de sangue ardente,
Aleluias de fogo acometiam,
Tomavam todo o céu de lado a lado.

E longamente, indefinidamente,
Como um coro de ventos sacudiam
Seu grande coração transverberado!

Seios

IV

Magnólias tropicais, frutos cheirosos
Das árvores do Mal fascinadoras,
Das negras mancenilhas tentadoras,
Dos vagos narcotismos venenosos.

Oásis brancos e miraculosos
Das frementes volúpias pecadoras
Nas paragens fatais, aterradoras
Do Tédio, nos desertos tenebrosos…

Seios de aroma embriagador e langue,
Da aurora de ouro do esplendor do sangue,
A alma de sensações tantalizando.

Ó seios virginais, tálamos vivos
Onde do amor nos êxtases lascivos
Velhos faunos febris dormem sonhando…

Vatícinio

Hás-de beber as lágrimas sombrias
que nesta hora eu bebo soluçando!,
e o veneno das minhas ironias
há-de rasgar-te os tímpanos cantando!

Hás-de esgotar a taça de agonias
neste sabor a ódio… e, estertorando
hás-de crispar as tuas mãos vazias
de amor, como eu agora estou crispando!

E hás-de encontrar-me em teu surpreso olhar
com o mesmo sorriso singular
que a minha boca em certas horas tem.

E eu hei-de ver o teu olhar incerto
vagueando no intérmino deserto
dos teus braços tombados sem ninguém!

As Lágrimas

Exaltemos as lágrimas. Na pele das veias,
bom dia, águas. Gratidão ao rosto, às cores,
ao sulco nos olhos. Porquê este ardor, este
temor da erva pisada? Adormecem comigo,

meigas fábricas de quietude e solidão
no calmo azul branco da sua breve cor.
Que longe se vão no ar amargo, sob o ímpeto
delirante de as transformar em leis extintas,

ironias ou júbilos. Rolem ou finjam
incansáveis trabalhos ou dores, assim
conspiram em outras portas, outros mistérios.

Perco-as entre conversas, o sono, o amor.
Aos olhos desertos sua ausência os desgasta.
Louvemos nas lágrimas o seu fulgor vão.

Renascimento

A Olegária Siqueira

Manhã de rosas. Lá no etéreo manto,
O sol derrama lúcidos fulgores,
E eu vou cantando pela estrada, enquanto
Riem crianças e desabrocham flores.

Quero viver! Há quanto tempo, quanto!
Não venho ouvir na selva os trovadores!
Quero sentir este consolo santo
De quem, voltando à vida, esquece as dores.

Ouves, minh’alma? Que prazer no ninhos!
Como é suave a voz dos passarinhos
Neste tranqüilo e plácido deserto!

Ah! entre os risos da Natura em festa,
Entoa o hino da alegria honesta,
Canta o Te Deum, meu coração liberto!

Titãs Negros

Hirtas de Dor, nos áridos desertos
Formidáveis fantasmas das Legendas,
Marcham além, sinistras e tremendas,
As caravanas, dentre os céus abertos…

Negros e nus, negros Titãs, cobertos
Das bocas vis das chagas vis e horrendas,
Marcham, caminham por estranhas sendas,
Passos vagos, sonâmbulos, incertos…

Passos incertos e os olhares tredos,
Na convulsão de trágicos segredos,
De agonias mortais, febres vorazes…

Têm o aspecto fatal das feras bravas
E o rir pungente das legiões escravas,
De dantescos e torvos Satanases!…

Ao Mundo Esconde O Sol Seus Resplendores

Ao mundo esconde o Sol seus resplendores,
e a mão da Noite embrulha os horizontes;
não cantam aves, não murmuram fontes,
não fala Pã na boca dos pastores.

Atam as Ninfas, em lugar de flores,
mortais ciprestes sobre as tristes frontes;
erram chorando nos desertos montes,
sem arcos, sem aljavas, os Amores.

Vênus, Palas e as filhas da Memória,
deixando os grandes templos esquecidos,
não se lembram de altares nem de glória.

Andam os elementos confundidos:
ah, Jônia, Jônia, dia de vitória
sempre o mais triste foi para os vencidos!

Campesinas I

Camponesa, camponesa,
Ah! quem contigo vivesse
Dia e noite e amanhecesse
Ao sol da tua beleza.

Quem livre, na natureza,
Pelos campos se perdesse
E apenas em ti só cresse
E em nada mais, camponesa.

Quem contigo andasse à toa
Nas margens duma lagoa,
Por vergéis e por desertos,

Beijando-te o corpo airoso,
Tão fresco e tão perfumoso,
Cheirando a figos abertos.

Essa Aritmética

Antes, eu era apenas metade
de um Ser, a pervagar sem rumo certo,
à procura ideal dessa unidade
que é como um novo mundo descoberto.

Enquanto sós, que somos? Um deserto
a nos pesar com sua imensidade,
existir só começa, a céu aberto,
quando dois são um só – eis a verdade!

Eu vinha por aí, aos solavancos,
como se diz: aos trancos e barrancos,
um pedaço a rolar, uma metade

de um Ser, mas quis a sorte, nos achamos,
e ao nos somarmos, nos multiplicamos
nessa aritmética da felicidade.

Os Hiperbóreos

Cabeça erguida, o céu no olhar, que o céu procura,
Baixa o humano caudal, dos desertos de gelo…
Em farrapos, ao sol, derrete-se a brancura
Da neve boreal sobre o ouro do cabelo.

Ulula, e desce; e tudo invade: a atra espessura
Dos bosques entra, a urrar e a uivar. E, uivando, pelo
Continente, a descer, ganha a úmida planura,
E a brenha secular, em sonoro atropelo.

Assustam-se os chacais pelas selvas serenas.
A turba ulula, o druida canta, enchendo os ares.
Entre os uivos dos cães e o grunhido das renas…

Escutando o tropel, rincha o poldro, e galopa.
Derrama-se, a rugir, das geleiras polares,
A semente feraz dos Bárbaros, na Europa…

Em uma Tarde de Outono

Outono. Em frente ao mar. Escancaro as janelas
Sobre o jardim calado, e as águas miro, absorto.
Outono… Rodopiando, as folhas amarelas
Rolam, caem. Viuvez, velhice, desconforto…

Por que, belo navio, ao clarão das estrelas,
Visitaste este mar inabitado e morto,
Se logo, ao vir do vento, abriste ao vento as velas,
Se logo, ao vir da luz, abandonaste o porto?

A água cantou. Rodeava, aos beijos, os teus flancos
A espuma, desmanchada em riso e flocos brancos…
Mas chegaste com a noite, e fugiste com o sol!

E eu olho o céu deserto, e vejo o oceano triste,
E contemplo o lugar por onde te sumiste,
Banhado no clarão nascente do arrebol…

Já Sobre o Coche de Ébano Estrelado

Já sobre o coche de ébano estrelado,
Deu meio giro a Noite escura e feia,
Que profundo silêncio me rodeia
Neste deserto bosque, à luz vedado!

Jaz entre as folhas Zéfiro abafado,
O Tejo adormeceu na lisa areia;
Nem o mavioso rouxinol gorjeia,
Nem pia o mocho, às trevas acostumado.

Só eu velo, só eu, pedindo à Sorte
Que o fio com que está mih’alma presa
À vil matéria lânguida, me corte.

Consola-me este horror, esta tristeza,
Porque a meus olhos se afigura a Morte
No silêncio total da Natureza.

Destino

Aquela voz era intranqüila. Trago-a
No ouvido ainda ininterruptamente:
Voz de alma que sofreu, voz de vivente,
Desoladora e trêmula de mágoa.

Era o rio da Vida; a água paciente
Que, arrastando calhaus, de frágua em frágua
Ora beijava a sombra na corrente,
Ora abraçava o Sol com os braços de água.

Deus te leve, água pura e fresca!… A treva
Não te interrompa a marcha transitória,
Porque o Destino ingrato que te leva

Para o vale florido ou o amplo deserto,
É o mesmo que me arrasta o passo incerto
Para o despenhadeiro ou para a Glória.

Aquele Claro Sol

Aquele claro sol, que me mostrava
o caminho do céu mais chão, mais certo,
e com seu novo raio, ao longe, e ao perto,
toda a sombra mortal m’afugentava,

deixou a prisão triste, em que cá estava.
Eu fiquei cego, e só, c’o passo incerto,
perdido peregrino no deserto
a que faltou a guia que o levava.

Assi c’o esprito triste, o juízo escuro,
suas santas pisadas vou buscando
por vales, e por campos, e por montes.

Em toda parte a vejo, e a figuro.
Ela me toma a mão e vai guiando,
e meus olhos a seguem, feitos fontes.

Never More

A uma falsa amiga

I

Não te perdôo, não, meu tristes olhos
Não mais hei de fitar nos teus, sorrindo:
Jamais minh’alma sobre um mar de escolhos
Há de chamar por ti no anseio infindo.

Jamais, jamais, nos delicados folhos
Do coração como n’um ramo lindo,
Há de cantar teu nome entre os abrolhos
A ária gentil de meu sonhar já findo.

Não te perdôo, não! E em tardes claras,
Cheias de sonhos e delícias raras,
Quando eu passar à hora do Sol posto:

Não rias para mim que sofro e penso,
Deixa-me só neste deserto imenso…
Ah! se eu pudesse nunca ver teu rosto!

As Vozes Da Natureza

As vozes que nos vêm da natureza
Traduzem sempre um mútuo sentimento.
Cantam as frondes pela voz do vento,
Pelo manancial canta a represa.

Pelas estrelas canta o firmamento
Nas suas grandes noites de beleza.
Cada nota a outra nota vive presa,
É um pensamento de outro pensamento.

Pelas folhas murmura a voz da estrada,
Pelos salgueiros canta a água parada
E o amigo sol, apenas se levanta,

Jogando o manto de ouro ao céu deserto,
Chama as cigarras todas para perto,
Que é na voz das cigarras que ele canta.

Se me Comovesse o Amor

Se me comovesse o amor como me comove
a morte dos que amei, eu viveria feliz. Observo
as figueiras, a sombra dos muros, o jasmineiro
em que ficou gravada a tua mão, e deixo o dia

caminhar por entre veredas, caminhos perto do rio.
Se me comovessem os teus passos entre os outros,
os que se perdem nas ruas, os que abandonam
a casa e seguem o seu destino, eu saberia reconhecer

o sinal que ninguém encontra, o medo que ninguém
comove. Vejo-te regressar do deserto, atravessar
os templos, iluminar as varandas, chegar tarde.

Por isso não me procures, não me encontres,
não me deixes, não me conheças. Dá-me apenas
o pão, a palavra, as coisas possíveis. De longe.

Transcendentalismo

(A J. P. Oliveira Martins)

Já sossega, depois de tanta luta,
Já me descansa em paz o coração.
Caí na conta, enfim, de quanto é vão
O bem que ao Mundo e à Sorte se disputa.

Penetrando, com fronte não enxuta,
No sacrário do templo da Ilusão,
Só encontrei, com dor e confusão,
Trevas e pó, uma matéria bruta…

Não é no vasto mundo — por imenso
Que ele pareça à nossa mocidade —
Que a alma sacia o seu desejo intenso…

Na esfera do invisível, do intangível,
Sobre desertos, vácuo, soledade,
Vôa e paira o espírito impassível!

(H)Aras E Sara(H)

Nas areias do Saara sei-me potro
corcel bebendo o fogo do deserto.
Nas almofadas dunas tão macias
deito-me ao sono sonho cavalgando.

Arrebatado sigo sem miragens
teu trote gracioso nesse oásis
de ver nas anchas ancas tanta água
e sei que a minha sede tem abrigo.

Sedento garanhão de antiga Arábia
no solo de Israel lua de alfanje
brilha na tenda a estrela de David.

Iluminada alcova ardendo em sândalo
a sarça da paixão demove intrigas
e rega no seu vinho nossos corpos.

As Cathedraes

Como vos amo ver ó cathedraes sosinhas,
A recortar o azul das noutes constelladas!
Erguidos corucheus, mysticas andorinhas,
– Ó grandes cathedraes do sol ensanguentadas!

Como vos amo ver, pombas alvoroçadas!
Ogivas ideaes, anjos de puras linhas,
E ó criptas sem luz, aonde embalsamadas
Dormem de mãos em cruz as santas e as rainhas!

Em vão olhaes o Ceu sagradas epopeias!
Flores de renda e luz, d’incenso e aromas cheias,
Aves celestiaes banhadas da manhã!

Em vão santos e reis, ó monges dos desertos!
Em vão, em vão resais, sobre os livros abertos,
– O Ceu por que chorais é uma ficção christã!