Sonetos sobre Ironia

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Sonetos de ironia escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Acrobata Da Dor

Gargalha, ri, num riso de tormenta,
Como um palhaço, que desengonçado,
Nervoso, ri, num riso absurdo, inflado
De uma ironia e de uma dor violenta.

Da gargalhada atroz, sanguinolenta,
Agita os guizos, e convulsionado
Salta, gavroche, salta clown, varado
Pelo estertor dessa agonia lenta…

Pedem-te bis e um bis nĂŁo se despreza!
Vamos! retesa os mĂșsculos, retesa
Nessas macabras piruetas d’aço…

E embora caias sobre o chĂŁo, fremente,
Afogado em teu sangue estuoso e quente
Ri! Coração, tristíssimo palhaço.

Anima Mea

Estava a Morte ali, em pé, diante,
Sim, diante de mim, como serpente
Que dormisse na estrada e de repente
Se erguesse sob os pés do caminhante.

Era de ver a fĂșnebre bachante!
Que torvo olhar! que gesto de demente!
E eu disse-lhe: «Que buscas, impudente,
Loba faminta, pelo mundo errante?»

— Não temas, respondeu (e uma ironia
Sinistramente estranha, atroz e calma,
Lhe torceu cruelmente a boca fria).

Eu nĂŁo busco o teu corpo… Era um trofĂ©u
Glorioso de mais… Busco a tua alma —
Respondi-lhe: «A minha alma jå morreu!»

VatĂ­cinio

HĂĄs-de beber as lĂĄgrimas sombrias
que nesta hora eu bebo soluçando!,
e o veneno das minhas ironias
hĂĄ-de rasgar-te os tĂ­mpanos cantando!

Hås-de esgotar a taça de agonias
neste sabor a Ăłdio… e, estertorando
hĂĄs-de crispar as tuas mĂŁos vazias
de amor, como eu agora estou crispando!

E hĂĄs-de encontrar-me em teu surpreso olhar
com o mesmo sorriso singular
que a minha boca em certas horas tem.

E eu hei-de ver o teu olhar incerto
vagueando no intérmino deserto
dos teus braços tombados sem ninguém!

As LĂĄgrimas

Exaltemos as lĂĄgrimas. Na pele das veias,
bom dia, ĂĄguas. GratidĂŁo ao rosto, Ă s cores,
ao sulco nos olhos. PorquĂȘ este ardor, este
temor da erva pisada? Adormecem comigo,

meigas fĂĄbricas de quietude e solidĂŁo
no calmo azul branco da sua breve cor.
Que longe se vĂŁo no ar amargo, sob o Ă­mpeto
delirante de as transformar em leis extintas,

ironias ou jĂșbilos. Rolem ou finjam
incansĂĄveis trabalhos ou dores, assim
conspiram em outras portas, outros mistérios.

Perco-as entre conversas, o sono, o amor.
Aos olhos desertos sua ausĂȘncia os desgasta.
Louvemos nas lĂĄgrimas o seu fulgor vĂŁo.

IX

De outras sei que se mostram menos frias,
Amando menos do que amar pareces.
Usam todas de lĂĄgrimas e preces:
Tu de acerbas risadas e ironias.

De modo tal minha atenção desvias,
Com tal perĂ­cia meu engano teces,
Que, se gelado o coração tivesses,
Certo, querida, mais ardor terias.

Olho-te: cega ao meu olhar te fazes …
Falo-te – e com que fogo a voz levanto! –
Em vĂŁo… Finges-te surda Ă s minhas frases…

Surda: e nem ouves meu amargo pranto!
Cega: e nem vĂȘs a nova dor que trazes
À dor antiga que doía tanto!

Rir!

Rir! Não parece ao século presente
Que o rir traduza, sempre, uma alegria…
Rir! Mas nĂŁo rir como essa pobre gente
Que ri sem arte e sem filosofia.

Rir! Mas com o rir atroz, o rir tremente,
Com que André Gil eternamente ria.
Rir! Mas com o rir demolidor e quente
Duma profunda e trĂĄgica ironia.

Antes chorar! Mais fĂĄcil nos parece.
Porque o chorar nos ilumina e nos aquece
Nesta noite gelada do existir.

Antes chorar que rir de modo triste…
Pois que o difĂ­cil do rir bem consiste
SĂł em saber como Henri Heine rir!…

Barco Perdido

Oh! a vida Ă© uma grande renĂșncia, partida
em pequenos fragmentos, todo dia, toda hora…
E a ironia maior, Ă© que Ă s vezes, a vida
de renĂșncia em renĂșncia aos poucos vai embora…

Tu voltaste de novo… e o doce amor de outrora
trouxeste ainda no olhar, na expressĂŁo comovida.
e eis que o meu coração no reencontro de agora
transforma em labareda a chama adormecida…

No entanto, que fazer? HĂĄ uma Ăąncora no fundo…
Hoje, sou como um barco sobre o mar do mundo,
barco esquife, onde jaz um marinheiro morto…

Velas rĂŽtas ao vento… os mastros aos pedaços…
E te vejo seguir, e a acenar-me teus braços,
e me deixo ficar, sem destino, nem porto…

A AngĂșstia

Nada em ti me comove, Natureza, nem
Faustos das madrugadas, nem campos fecundos,
Nem pastorais do Sul, com o seu eco tĂŁo rubro,
A solene dolĂȘncia dos poentes, alĂ©m.

Eu rio-me da Arte, do Homem, das cançÔes,
Da poesia, dos templos e das espirais
Lançadas para o céu vazio plas catedrais.
Vejo com os mesmos olhos os maus e os bons.

NĂŁo creio em Deus, abjuro e renego qualquer
Pensamento, e nem posso ouvir sequer falar
Dessa velha ironia a que chamam Amor.

JĂĄ farta de existir, com medo de morrer,
Como um brigue perdido entre as ondas do mar,
A minha alma persegue um naufrĂĄgio maior.

Tradução de Fernando Pinto do Amaral

Foi Um Dia De InĂșteis Agonias

Foi um dia de inĂșteis agonias.
Dia de sol, inundado de sol!…
Fulgiam nuas as espadas frias…
Dia de sol, inundado de sol!…

Foi um dia de falsas alegrias.
DĂĄlia a esfolhar-se, – o seu mole sorriso…
Voltavam ranchos das romarias.
DĂĄlia a esfolhar-se, – o seu mole sorriso…

Dia impressĂ­vel mais que os outros dias.
TĂŁo lĂșcido… TĂŁo pĂĄlido… TĂŁo lĂșcido!…
Difuso de teoremas, de teorias…

O dia fĂștil mais que os outros dias!
Minuete de discretas ironias…
TĂŁo lĂșcido… TĂŁo pĂĄlido… TĂŁo lĂșcido!…

O Mar Agita-se, como um Alucinado

O Mar agita-se, como um alucinado:
A sua espuma aflui, baba da sua Dor…
Posto o escafandro, com um passo cadenciado,
Desce ao fundo do Oceano algum mergulhador.

DĂĄ-lhe um aspecto estranho a campĂąnula imensa:
Lembra um bizarro Deus de algum pagode indiano:
Na cólera do Mar, pesa a sua Indiferença
Que o torna superior, e faz mesquinho o Oceano!

E em vão as ondas se lhe enroscam à cabeça:
Ele desce orgulhoso, impassĂ­vel, sem pressa,
Com suprema altivez, com ironias calmas:

Assim devemos nĂłs, Poetas, no Mundo entrar,
Sem nos deixarmos absorver por esse Mar
— Pois a Arte Ă©, para nĂłs, o escafandro das Almas!

Fui Gostar De VocĂȘ

“Fui Gostar de VocĂȘ”
III
Fui gostar de vocĂȘ… Eu, que dizia:
– jamais hei de gostar! Gostar Ă© crer,
e crer Ă© quase amar – e amar Ă© a via
mais curta entre o bom senso e o enlouquecer.. .

Fui gostar de vocĂȘ… Certo a ironia
da sorte nos obriga a desdizer…
Ontem, zombava de quem chora, e ria;
– hoje, inverso afinal Ă© o meu viver. ..

Fui gostar de vocĂȘ – vocĂȘ no entanto
jĂĄ tendo um grande amor, fez-me o veneno
do despeito tragar no amargo pranto…

E no fim disto tudo. . . – ninguĂ©m crĂȘ. . .
– Infeliz, muito embora eu me condeno
eu ainda defendo o que me fez vocĂȘ!…

Quia Aeternus

(A Joaquim de AraĂșjo)

NĂŁo morreste, por mais que o brade Ă  gente
Uma orgulhosa e vĂŁ filosofia…
NĂŁo se sacode assim tĂŁo facilmente
O jugo da divina tirania!

Clamam em vĂŁo, e esse triunfo ingente
Com que a Razão — coitada! — se inebria,
É nova forma, apenas, mais pungente,
Da tua eterna, trĂĄgica ironia.

NĂŁo, nĂŁo morreste, espectro! o Pensamento
Como d’antes te encara, e Ă©s o tormento
De quantos sobre os livros desfalecem.

E os que folgam na orgia Ă­mpia e devassa
Ai! quantas vezes ao erguer a taça,
Param, e estremecendo, empalidecem!

Suprema Ironia

NĂŁo digas que nĂŁo sofro – o meu sofrer profundo
com um sorriso nos lĂĄbios muita vez apago…
A dor – Ă© coo a pedra que cai – vai pro fundo
sob a face serena e tranqĂŒila do lago…

Um segundo de pura alegria – um segundo
muitas vezes me basta, e jĂĄ me dou por pago…
Se invejo, invejo aquele que nĂŁo tendo um mundo,
tem mundo para alĂ©m do olhar ardente e vago…

Que eu nĂŁo ando a dizer que sofro e me atormento!
É covardia a gente maldizer-se à toa
a viver esta vida entre um ai e um lamento…

Eu, nĂŁo! Bem sei que sofro, mas sofrer – que importa ?
Digo aos homens que o mundo Ă© belo, a vida Ă© boa!
E… suprema ironia… a minha voz conforta!

Majestade CaĂ­da

Esse cornĂłide deus funambulesco
Em torno ao qual as Potestades rugem,
Lembra os trovÔes, que tétricos estrugem,
No riso alvar de truĂŁo carnavalesco.

De ironias o momo picaresco
Abre-lhe a boca e uns dentes de ferrugem,
Verdes gengivas de ĂĄcida salsugem
Mostra e parece um SĂĄtiro dantesco.

Mas ninguém nota as cóleras horríveis,
Os chascos, os sarcasmos impassĂ­veis
Dessa estranha e tremenda Majestade.

Do torvo deus hediondo, atroz, nefando,
Senil, que embora, rindo, estĂĄ chorando
Os Noivados em flor da Mocidade!