Um Dia Guttemberg
Um dia Guttemberg c’o a alma aos cĂ©us suspensa,
Pegou do escopro ingente e pĂ´s-se a trabalhar!
E fez do velho mundo um rútilo alcançar
Ao mágico clangor de sua idéia imensa!Rolou por todo o globo a luz da sacra imprensa!
Ruiu o despotismo no pĂł, a esbravejar…
Uniram-se n’um lago, o cĂ©u, a terra, o mar…
Rasgou-se o manto atroz da horrĂvel treva densa!…Ergueram-se mil povos ao som das melopĂ©ias,
Das grandes cavatinas olĂmpicas da arte!
Raiou o novo sol das fĂşlgidas idĂ©ias!…PorĂ©m, quem lance luz maior por toda a parte
És tu, sublime atriz, ó misto de epopéias
Que sabes no tablado subir, endeusar-te!…
Passagens de Cruz e Souza
306 resultadosCampesinas III
As papoulas da saĂşde
Trouxeram-te um ar mais novo,
Ă“ bela filha do povo,
Rosa aberta de virtude.Do campo viçoso e rude
Regressas, como um renovo,
E eu ao ver-te, os olhos movo
De um modo que nunca pude.Bravo ao campo e bravo a seara
Que deram-te a pele clara
SĂŁo rubores de alvorada.Que esses teus beijos agora
Tenham sabores de amora
E de romĂŁ estalada.
Benditas Cadeias!
Quando vou pela Luz arrebatado,
Escravo dos mais puros sentimentos
Levo secretos estremecimentos
Como quem entra em mágico Noivado.Cerca-me o mundo mais transfigurado
Nesses sutis e cândidos momentos…
Meus olhos, minha boca vĂŁo sedentos
De luz, todo o meu ser iluminado.Fico feliz por me sentir escravo
De um Encanto maior entre os Encantos,
Livre, na culpa, do mais leve travo.De ver minh’alma com tais sonhos, tantos,
E que por fim me purifico e lavo
Na água do mais consolador dos prantos
Supremo Anseio
Esta profunda e intérmina esperança
Na qual eu tenho o espĂrito seguro,
A tão profunda imensidade avança
Como é profunda a idéia do futuro.Abre-se em mim esse clarão, mais puro
Que o céu preclaro em matinal bonança:
Esse clarĂŁo, em que eu melhor fulguro,
Em que esta vida uma outra vida alcança.Sim! Inda espero que no fim da estrada
Desta existência de ilusões cravada
Eu veja sempre refulgir bem pertoEsse clarĂŁo esplendoroso e louro
Do amor de mĂŁe — que Ă© como um fruto de ouro,
Da alma de um filho no eternal deserto.
Metamorfose
A Carlos Ferreira
O sol em fogo pelo ocaso explode
Nesse estertor, que os crânios assoberba.
Vivo, o clarĂŁo, nuns frocos exacerba
Dos ideais a original nevrose.Da natureza os anafis mouriscos
Ante o cariz da atmosfera muda,
Soam queixosos, numa nota aguda,
Da luz que esvai-se aos derradeiros discos.O pensamento que flameja e luta
Nos ares rasga aprofundado sulco…
A sombra desce nos lisins da gruta;E a lua nova — a peregrina Onfale,
Como em um plaustro luminoso, hiulco,
Surge através dos pinheirais do vale.
VisĂŁo Da Morte
Olhos voltados para mim e abertos
Os braços brancos, os nervosos braços,
Vens d’espaços estranhos, dos espaços
Infinitos, intĂ©rminos, desertos…Do teu perfil os tĂmidos, incertos
Traços indefinidos, vagos traços
Deixam, da luz nos ouros e nos aços,
Outra luz de que os céus ficam cobertos.Deixam nos céus uma outra luz mortuária,
Uma outra luz de lĂvidos martĂrios,
De agonies, de mágoa funerária…E causas febre e horror, frio, delĂrios,
Ó Noiva do Sepulcro, solitária,
Branca e sinistra no clarĂŁo dos cĂrios!
Conciliação
Se essa angĂşstia de amar te crucifica,
Não és da dor um simples fugitivo:
Ela marcou-te com o sinete vivo
Da sua estranha majestade rica.És sempre o Assinalado ideal que fica
Sorrindo e contemplando o céu altivo;
Dos Compassivos és o compassivo,
Na Transfiguração que glorifica.Nunca mais de tremer terás direito…
Da Natureza todo o Amor perfeito
Adorarás, venerarás contrito.Ah! Basta encher, eternamente basta
Encher, encher toda esta Esfera vasta
Da convulsão do teu soluço aflito!
Rompeu-Se O Denso Véu Do Atroz Marasmo
Rompeu-se o denso véu do atroz marasmo
E como por fatal, negro hebetismo
De antro sepulcral, de fundo abismo
O povo ressurgiu com entusiasmo!O Zoilo mazorral se queda pasmo
Supõe quimera ser, ser cataclismo
Roga, já por dobrez, por ceticismo
De nĂ©scio, vil truĂŁo solta o sarcasmo.PerdĂŁo, Filho da Luz, minh’alma exora,
Porém, a pátria diz, somente agora
Os grilhões biparti de atroz moleza!E ele, o nosso herói já redivivo
De pé, sem se curvar, sereno, altivo
Co’as raias do porvir mede a grandeza!
Deus Do Mal
EspĂrito do Mal, Ăł deus perverso
Que tantas almas dĂşbias acalentas,
Veneno tentador na luz disperso
Que a prĂłpria luz e a prĂłpria sombra tentas.SĂmbolo atroz das culpas do Universo,
Espelho fiel das convulsões violentas
Do gasto coração no lodo imerso
Das tormentas vulcânicas, sangrentas.Toda a tua sinistra trajetória
Tem um brilho de lágrima ilusória,
As melodias mĂłrbidas do Inferno…És Mal, mas sendo Mal Ă©s soluçante,
Sem a graça divina e consolante,
Réprobo estranho do Perdão eterno!
Dormindo
Pálida, bela, escultural, clorótica
Sobre o divĂŁ suavĂssimo deitada,
Ela lembrava — a pálpebra cerrada —
Uma ilusão esplendida de ótica.A peregrina carnação das formas,
— o sensual e lĂmpido contorno,
Tinham esse quê de avérnico e de morno,
Davam a Zola as mais corretas normas!…Ela dormia como a VĂŞnus casta
E a negra coma aveludada e basta
Lhe resvalava sobre o doce flanco…Enquanto o luar — pela janela aberta —
— como uma vaga exclamação — incerta
Entrava a flux — cascateado — branco!!…
O Grande Sonho
Sonho profundo, Ăł Sonho doloroso,
Doloroso e profundo Sentimento!
Vai, vai nas harpas trĂŞmula do vento
Chorar o teu mistério tenebroso.Sobe dos astros ao clarão radioso,
Aos leves fluidos do luar nevoento,
Ă€s urnas de cristal do firmamento,
Ă“ velho Sonho amargo e majestoso!Sobe Ă s estrelas rĂştilas e frias,
Brancas e virginais eucaristias
De onde uma luz de eterna paz escorre.Nessa Amplidão das Amplidões austeras
Chora o Sonho profundo das Esferas
Que nas azuis Melancolias morre…
Enlevo
Da doçura da Noite, da doçura
De um tenro coração que vem sorrindo,
Seus segredos recĂ´nditos abrindo
Pela primeira vez, a luz mais pura.Da doçura celeste, da ternura
De um Bem consolador que vai fugindo
Pelos extremos do horizonte infindo,
Deixando-nos somente a Desventura.Da doçura inocente, imaculada
De uma carĂcia virginal da Infância,
Nessa de rosas fresca madrugada.Era assim tua cândida fragrância,
Arcanjo ideal de auréola delicada,
VisĂŁo consoladora da Distância…
Vinho Negro
O vinho negro do imortal pecado
Envenenou nossas humanas veias
Como fascinações de atras sereias
E um inferno sinistro e perfumado.O sangue canta, o sol maravilhado
Do nosso corpo, em ondas fartas, cheias.
como que quer rasgar essas cadeias
Em que a carne o retém acorrentado.E o sangue chama o vinho negro e quente
Do pecado letal, impenitente,
O vinho negro do pecado inquieto.E tudo nesse vinho mais se apura,
Ganha outra graça, forma e formosura,
Grave beleza d’esplendor secreto.
Ninho Abandonado
Ă€ distinta famĂlia Simas, pela morte de seu chefe,
o Ilmo. Sr. JoĂŁo da Silva Simas.O vosso lar harmĂ´nico e tranqĂĽilo
Era um ninho de luz e de esperanças
Que como abelhas iriadas, mansas,
Nos vossos corações tinham asilo.Havia lá por dentro tanta crença
E tanto amor purĂssimo, cantando,
Que parecia um largo sol faiscando
Por majestosa catedral imensa.Agora o ninho está desamparado!
Sumiu-se dele o pássaro adorado,
O mais ideal dos pássaros do ninho.Não se ouve mais a música sonora
Da sua voz — dentro do ninho, agora,
Paira a saudade como um bom carinho.
MĂŁos
V
Ă“ MĂŁos ebĂşrneas, MĂŁos de claros veios,
Esquisitas tulipas delicadas,
Lânguidas Mãos sutis e abandonadas,
Finas e brancas, no esplendor dos seios.Mãos etéricas, diáfanas, de enleios,
De eflúvios e de graças perfumadas,
RelĂquias imortais de eras sagradas
De amigos templos de relĂquias cheios.
MĂŁos onde vagam todos os segredos,
Onde dos ciĂşmes tenebrosos, tredos,
Circula o sangue apaixonado e forte.Mãos que eu amei, no féretro medonho
Frias, já murchas, na fluidez do Sonho,
Nos mistérios simbólicos da Morte!
No Seio Da Terra
Do pélago dos pélagos sombrios,
Cá do seio da Terra, olhando as vidas,
Escuto o murmurar de almas perdidas,
Como o secreto murmurar dos rios.Trazem-me os ventos negros calafrios
E os loluços das almas doloridas
Que tĂŞm sede das terras prometidas
E morrem como abutres erradios.As ânsias sobem, as tremendas ânsias!
Velhices, mocidades e as infâncias
Humansa entre a Dor se despedaçam…Mas, sobre tantos convulsivos gritos,
Passam horas, espaços, infinitos,
Esferas, gerações, sonhando, passam!
Incensos
Dentre o chorar dos trĂŞmulos violinos,
Por entre os sons dos órgãos soluçantes
Sobem nas catedrais os neblinantes
Incensos vagos, que recordam hinos…Rolos d’incensos alvadios, finos
E transparentes, fulgidos, radiantes,
Que elevam-se aos espaços, ondulantes,
Em Quimeras e Sonhos diamantinos.Relembrando turĂbulos de prata
Incensos aromáticos desata
Teu corpo ebĂşrneo, de sedosos flancos.Claros incensos imortais que exalam,
Que lânguidas e lĂmpidas trescalam
As luas virgens dos teus seios brancos.
DemĂ´nios
A lĂngua vil, ignĂvoma, purpĂşrea
Dos pecados mortais bava e braveja,
Com os seres impoluĂdos mercadeja,
Mordendo-os fundo injúria por injúria.É um grito infernal de atroz luxúria,
Dor de danados, dor do Caos que almeja
A toda alma serena que viceja,
SĂł fĂşria, fĂşria, fĂşria, fĂşria, fĂşria!SĂŁo pecados mortais feitos hirsutos
DemĂ´nios maus que os venenosos frutos
Morderam com volĂşpia de quem ama…Vermes da Inveja, a lesma verde e oleosa,
Anões da Dor torcida e cancerosa,
Abortos de almas a sangrar na lama!
Floripes
Fazes lembrar as mouras dos castelos,
As errantes visões abandonadas
Que pelo alto das torres encantadas
Suspiravam de trĂŞmulos anelos.Traços ligeiros, tĂmidos, singelos
Acordam-te nas formas delicadas
Saudades mortas de regiões sagradas,
Carinhos, beijos, lágrimas, desvelos.Um requinte de graça e fantasia
Dá-te segredos de melancolia,
Da Lua todo o lânguido abandono…Desejos vagos, olvidadas queixas
VĂŁo morrer no calor dessas madeixas,
Nas virgens florescĂŞncias do teu sono.
Alma Fatigada
Nem dormir nem morrer na fria Eternidade!
Mas repousar um pouco e repousar um tanto,
Os olhos enxugar das convulsões do pranto,
Enxugar e sentir a ideal serenidade.A graça do consolo e da tranqüilidade
De um céu de carinhoso e perfumado encanto,
Mas sem nenhum carnal e mĂłrbido quebranto,
Sem o tĂ©dio senil da vĂŁ perpetuidade.Um sonho lirial d’estrelas desoladas
Onde as almas febris, exaustas, fatigadas
Possam se recordar e repousar tranqĂĽilas!Um descanso de Amor, de celestes miragens,
Onde eu goze outra luz de mĂsticas paisagens
E nunca mais pressinta o remexer de argilas!