O Outro como Motivo da nossa Infelicidade
Pergunta-se por que todos os homens juntos não compõem uma única nação e não quiseram falar uma única língua, viver sob as mesmas leis, combinar entre eles os mesmos costumes e um mesmo culto; e eu, pensando na contrariedade dos espíritos, dos gostos e dos sentimentos, surpreendo-me ao ver até sete ou oito pessoas reunirem-se sob um mesmo tecto, num mesmo recinto e compor uma única família.
(…) Buscamos a nossa felicidade fora de nós mesmos e na opinião de homens que sabemos aduladores, pouco sinceros, sem equidade, cheios de inveja, de caprichos e preconceitos.
Passagens de Jean de La Bruyère
161 resultadosO tempo, que fortalece as amizades, enfraquece o amor.
O Que Une os Homens?
Os homens têm tanta dificuldade para se aproximar quando tratam de negócios, são tão espinhosos quanto aos menores interesses, tão eriçados de dificuldades, querem tanto enganar e tão pouco ser enganados, dão tanto valor ao que lhes pertence e tão pouco valor ao que pertence aos outros, que confesso que não sei por onde e como conseguem concluir casamentos, contratos, aquisições, a paz, a trégua, os tratados, as alianças.
O avarento gasta mais no dia de sua morte do que em dez anos de vida, e seu herdeiro gasta mais em dez meses do que ele em sua vida inteira.
Os homens desejam ser escravos em qualquer parte e colher aí a força para dominar noutro sítio.
É alcançar muito de um amigo se, tendo subido ao poder, ainda se recorda de nós.
Até mesmo os homens honestos precisam de patifes à sua volta. Existem coisas que não se podem pedir às pessoas honestas para fazerem.
Quanto mais nos aproximamos dos grandes homens, tanto mais percebemos que são apenas homens.
Não construas estátuas aos vossos heróis, é melhor erguer estátuas ás vossas vítimas.
O Preço da Riqueza
Não invejemos a certa espécie de gente as suas grandes riquezas: eles as têm à custa de um ónus que não nos daria bom cómodo. Estragaram o seu repouso, a sua saúde, a sua felicidade e a sua consciência, para as conseguir: isso é caro demais, e não há nada a ganhar por esse preço.
Quando se é novo, muitas vezes é-se pobre: ou ainda não se fez aquisições, ou as heranças ainda não vieram. A gente torna-se rico e velho ao mesmo tempo; tão raro é poderem os homens reunir todas as vantagens!
E se isso acontece a alguns, não há que invejá-los: eles têm a perder com a morte o bastante para serem lamentados. É preciso trinta anos para pensar na fortuna; aos cinquenta está feita; contrói-se na velhice e morre-se quando ainda se está às voltas com pintores e vidraceiros. Qual o fruto de uma grande fortuna, se não gozar a vaidade, indústria, trabalho e esforço dos que vieram antes de nós, e trabalharmos nós mesmos, plantando, construindo, adquirindo, para a posteridade?
Em todas as condições, o pobre está mais próximo do homem de bem, e o opulento não está longe da ladroeira. A capacidade e a habilidade não levam a grandes riquezas.
Uma coisa essencial à justiça que se deve aos outros é fazê-la, prontamente e sem adiamentos; demorá-la é injustiça.
Se a pobreza é a mãe dos crimes, a falta de espírito é o seu pai.
É mais vulgar ver um amor absoluto do que uma amizade perfeita.
Não existe vício que não tenha uma falsa semelhança com uma virtude e que disso não tire proveito.
Todo o espírito que existe no mundo é inútil para quem não o tem; ele não tem perspectivas sobre nada e é incapaz de aproveitar as dos outros.
É preciso que um autor receba com igual modéstia os elogios e as críticas que se fazem às suas obras.
O dever dos juízes é fazer justiça; a sua profissão, a de deferi-la. Alguns conhecem o próprio dever e exercem a profissão.
Entre todas as expressões diferentes que pode tomar cada um dos nossos pensamentos só há uma que seja boa.
Para mandar muito tempo e absolutamente sem alguém é indispensável ter a mão leve e, nunca lhe fazer sentir, por pouco que seja, a sua dependência.
A vida, quando é miserável, custa a suportar; se é feliz, é horrível perdê-la. Uma coisa equivale à outra.