Passagens de Luís de Camões

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Se te apartas por nĂŁo ouvir meu rogo,
Onde estiveres te hei-de importunar;
Posto que vá por água, ferro ou fogo,
Contigo em toda a parte me hás-de achar.

Vinde cá, meu tão certo secretário
Dos queixumes que sempre ando fazendo,
Papel, com quem a pena desafogo!

Não há alma sem corpo, que tantos corpos faça sem almas, como este purgatório a que chamais honra: onde muitas vezes os homens cuidam que a ganham, aí a perdem.

O Filho De Latona Esclarecido

O filho de Latona esclarecido,
que com seu raio alegra a humana gente,
o hĂłrrido Piton, brava serpente,
matou, sendo das gentes tĂŁo temido.

Feriu com arco, e de arco foi ferido,
com ponta aguda d’ouro reluzente;
nas tessálicas praias, docemente,
pela Ninfa Peneia andou perdido.

NĂŁo lhe pĂ´de valer, para seu dano,
ciĂŞncia, diligĂŞncias, nem respeito
de ser alto, celeste e soberano.

Se este nunca alcançou nem um engano
de quem era tĂŁo pouco em seu respeito,
eu que espero de um ser que Ă© mais que humano?

TrĂŞs Coisas nĂŁo se Sofrem sem DiscĂłrdia

Príncipes de condição, ainda que o sejam de sangue, são mais enfadonhos que a pobreza; fazem, com sua fidalguia, com que lhe cavemos fidalguias de seus avós, onde não há trigo tão joeirado que não tenha alguma ervilhaca. Já sabeis que «basta um frade ruim para dar que falar a um convento». Três cousas não se sofrem sem discórdia: companhia, namorar, mandar vilão ruim sobre cousa de seu interesse. Não se pode ter paciência com quem quer que lhe façam o que não faz. Desagradecimentos de boas obras, destruem a vontade para não fazê-las a amigo, que tem mais conta com o interesse que com a amizade; rezai dele, que é dos cá nomeados.

Pede o Desejo, Dama, que Vos Veja

Pede o desejo, Dama, que vos veja:
Não entende o que pede; está enganado.
É este amor tão fino e tão delgado,
Que quem o tem nĂŁo sabe o que deseja.

Não há cousa, a qual natural seja,
Que não queira perpétuo o seu estado.
NĂŁo quer logo o desejo o desejado,
SĂł por que nunca falte onde sobeja.

Mas este puro afecto em mim se dana:
Que, como a grave pedra tem por arte
O centro desejar da natureza,

Assim meu pensamento, pela parte
Que vai tomar de mim, terrestre e humana,
Foi, Senhora, pedir esta baixeza.

E logo se me juntam esperanças
Com que a fronte, tornada mais serena,
Torna os tormentos graves
Em saudades brandas e suaves.

Quem Quiser Ver D’amor Ăśa ExcelĂŞncia

Quem quiser ver d’Amor ĂĽa excelĂŞncia
onde sua fineza mais se apura,
atente onde me põe minha ventura,
por ter de minha fé experiência.

Onde lembranças mata a longa ausência,
em temeroso mar, em guerra dura,
ali a saudade está segura,
quando mor risco corre a paciĂŞncia.

Mas ponha me Fortuna e o duro Fado
em nojo, morte, dano e perdição,
ou em sublime e prĂłspera ventura;

Ponha me, enfim, em baixo ou alto estado;
que até na dura morte me acharão
na lĂ­ngua o nome, n’alma a vista pura.

Os bons vi sempre passar
No mundo graves tormentos;
E para mais me espantar
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos.

Vossos Olhos, Senhora, que Competem

Vossos olhos, Senhora, que competem
Com o Sol em beleza e claridade,
Enchem os meus de tal suavidade,
Que em lágrimas de vê-los se derretem.

Meus sentidos prostrados se submetem
Assim cegos a tanta majestade;
E da triste prisĂŁo, da escuridade,
Cheios de medo, por fugir remetem.

Porém se então me vedes por acerto,
Esse áspero desprezo com que olhais
Me torna a animar a alma enfraquecida.

Oh gentil cura! Oh estranho desconcerto!
Que dareis c’ um favor que vĂłs nĂŁo dais,
Quando com um desprezo me dais vida?

Quem Jaz no GrĂŁo Sepulcro

Quem jaz no grĂŁo sepulcro, que descreve
TĂŁo ilustres sinais no forte escudo?
Ninguém, que nisso, enfim, se torna tudo;
Mas foi quem tudo pĂ´de e quem tudo teve.

Foi Rei? Fez tudo quanto a Rei deve:
PĂ´s na guerra e na paz devido estudo.
Mas quĂŁo pesado foi ao Mouro rudo,
Tanto lhe seja agora a terra leve.

Alexandre será? Ninguém se engane:
Mais que o adquirir, o sustentar estima.
Será Adriano grão senhor do mundo?

Mais observante foi da Lei de cima.
É Numa? Numa não, mas é Joane
De Portugal Terceiro sem Segundo.

Vivo em Lembranças, Morro de Esquecido

Doces lembranças da passada glória,
Que me tirou fortuna roubadora,
Deixai-me descansar em paz uma hora,
Que comigo ganhais pouca vitĂłria.

Impressa tenho na alma larga histĂłria
Deste passado bem, que nunca fora;
Ou fora, e não passara: mas já agora
Em mim nĂŁo pode haver mais que a memĂłria.

Vivo em lembranças, morro de esquecido
De quem sempre devera ser lembrado,
Se lhe lembrara estado tĂŁo contente.

Oh quem tornar pudera a ser nascido!
Soubera-me lograr do bem passado,
Se conhecer soubera o mal presente.

Doces Despojos de meu Bem Passado

Amor, co’a esperança já perdida
Teu soberano templo visitei;
Por sinal do naufrágio que passei,
Em lugar dos vestidos, pus a vida.

Que mais queres de mim, pois destruĂ­da
Me tens a glĂłria toda que alcancei?
NĂŁo cuides de render-me, que nĂŁo sei
Tornar a entrar onde não há saída.

Vês aqui vida, alma e esperança,
Doces despojos de meu bem passado,
Enquanto o quis aquela que eu adoro.

Nelas podes tomar de mim vingança;
E se te queres ainda mais vingado,
Contenta-te co’as lágrimas que choro.

Num Bosque Que Das Ninfas Se Habitava

Num bosque que das Ninfas se habitava
SĂ­lvia, Ninfa linda, andava um dia;
subida nüa árvore sombria,
as amarelas flores apanhava.

Cupido, que ali sempre costumava
a vir passar a sesta Ă  sombra fria,
num ramo o arco e setas que trazia,
antes que adormecesse, pendurava.

A Ninfa, como idĂłneo tempo vira
para tamanha empresa, nĂŁo dilata,
mas com as armas foge ao Moço esquivo.

As setas traz nos olhos, com que tira:
-Ă“ pastores! fugi, que a todos mata,
senĂŁo a mim, que de matar me vivo.

Atentai por uma alma que se esquece
De si, porque em vós pôs sua lembrança,
E tal que em nenhum tempo desfalece.