Trocou Finita Vida por Divina, Infinita e Clara Fama
â NĂŁo passes, caminhante! â Quem me chama?
â Uma memĂłria nova e nunca ouvida,
De um que trocou finita e humana vida
Por divina, infinita e clara fama.â Quem Ă© que tĂŁo gentil louvor derrama?
â Quem derramar seu sangue nĂŁo duvida
Por seguir a bandeira esclarecida
De um capitĂŁo de Cristo, que mais ama.â Ditoso fim, ditoso sacrifĂcio,
Que a Deus se fez e ao mundo juntamente!
Apregoando direi tĂŁo alta sorte.â Mais poderĂĄs contar a toda a gente
Que sempre deu na vida claro indĂcio
De vir a merecer tĂŁo santa morte.
Passagens de LuĂs de CamĂ”es
351 resultadosCega! que nĂŁo conhece
Que pode haver ferida
Na alma, e que menos dĂłi perder a vida!
Fortuna Em Mim Guardando Seu Direito
Fortuna em mim guardando seu direito
em verde derrubou minha alegria.
Oh! quanto se acabou naquele dia,
cuja triste lembrança arde em meu peito!Quando contemplo tudo, bem suspeito
que a tal bem, tal descanso se devia,
por nĂŁo dizer o mundo que podia
achar-se em seu engano bem perfeito.Mas se a Fortuna o fez por descontar-me
tamanho gosto , em cujo sentimento
a memĂłria nĂŁo faz senĂŁo matar-me ,que culpa pode dar-me o sofrimento,
se a causa que ele tem de atormentar-me,
eu tenho de sofrer o seu tormento?
Se te apartas por nĂŁo ouvir meu rogo,
Onde estiveres te hei-de importunar;
Posto que vĂĄ por ĂĄgua, ferro ou fogo,
Contigo em toda a parte me hĂĄs-de achar.
Vinde cĂĄ, meu tĂŁo certo secretĂĄrio
Dos queixumes que sempre ando fazendo,
Papel, com quem a pena desafogo!
Não hå alma sem corpo, que tantos corpos faça sem almas, como este purgatório a que chamais honra: onde muitas vezes os homens cuidam que a ganham, aà a perdem.
E o nĂł que me tem preso Ă© de tal sorte,
Que nĂŁo se hĂĄ de soltar em vida ou morte.
O Filho De Latona Esclarecido
O filho de Latona esclarecido,
que com seu raio alegra a humana gente,
o hĂłrrido Piton, brava serpente,
matou, sendo das gentes tĂŁo temido.Feriu com arco, e de arco foi ferido,
com ponta aguda d’ouro reluzente;
nas tessĂĄlicas praias, docemente,
pela Ninfa Peneia andou perdido.NĂŁo lhe pĂŽde valer, para seu dano,
ciĂȘncia, diligĂȘncias, nem respeito
de ser alto, celeste e soberano.Se este nunca alcançou nem um engano
de quem era tĂŁo pouco em seu respeito,
eu que espero de um ser que Ă© mais que humano?
TrĂȘs Coisas nĂŁo se Sofrem sem DiscĂłrdia
PrĂncipes de condição, ainda que o sejam de sangue, sĂŁo mais enfadonhos que a pobreza; fazem, com sua fidalguia, com que lhe cavemos fidalguias de seus avĂłs, onde nĂŁo hĂĄ trigo tĂŁo joeirado que nĂŁo tenha alguma ervilhaca. JĂĄ sabeis que «basta um frade ruim para dar que falar a um convento». TrĂȘs cousas nĂŁo se sofrem sem discĂłrdia: companhia, namorar, mandar vilĂŁo ruim sobre cousa de seu interesse. NĂŁo se pode ter paciĂȘncia com quem quer que lhe façam o que nĂŁo faz. Desagradecimentos de boas obras, destruem a vontade para nĂŁo fazĂȘ-las a amigo, que tem mais conta com o interesse que com a amizade; rezai dele, que Ă© dos cĂĄ nomeados.
Pede o Desejo, Dama, que Vos Veja
Pede o desejo, Dama, que vos veja:
NĂŁo entende o que pede; estĂĄ enganado.
Ă este amor tĂŁo fino e tĂŁo delgado,
Que quem o tem nĂŁo sabe o que deseja.NĂŁo hĂĄ cousa, a qual natural seja,
Que não queira perpétuo o seu estado.
NĂŁo quer logo o desejo o desejado,
SĂł por que nunca falte onde sobeja.Mas este puro afecto em mim se dana:
Que, como a grave pedra tem por arte
O centro desejar da natureza,Assim meu pensamento, pela parte
Que vai tomar de mim, terrestre e humana,
Foi, Senhora, pedir esta baixeza.
E logo se me juntam esperanças
Com que a fronte, tornada mais serena,
Torna os tormentos graves
Em saudades brandas e suaves.
O meu peito, onde estais,
Ă, pera tanto bem, pequeno vaso.
Quem nĂŁo sabe a arte, nĂŁo a estima.
Que assim Ă© pera mim tua luz pura
Claro sol, e, ausente, noite escura.
Quem Quiser Ver D’amor Ăa ExcelĂȘncia
Quem quiser ver d’Amor ĂŒa excelĂȘncia
onde sua fineza mais se apura,
atente onde me pÔe minha ventura,
por ter de minha fĂ© experiĂȘncia.Onde lembranças mata a longa ausĂȘncia,
em temeroso mar, em guerra dura,
ali a saudade estĂĄ segura,
quando mor risco corre a paciĂȘncia.Mas ponha me Fortuna e o duro Fado
em nojo, morte, dano e perdição,
ou em sublime e prĂłspera ventura;Ponha me, enfim, em baixo ou alto estado;
que até na dura morte me acharão
na lĂngua o nome, n’alma a vista pura.
Os bons vi sempre passar
No mundo graves tormentos;
E para mais me espantar
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos.
Vossos Olhos, Senhora, que Competem
Vossos olhos, Senhora, que competem
Com o Sol em beleza e claridade,
Enchem os meus de tal suavidade,
Que em lĂĄgrimas de vĂȘ-los se derretem.Meus sentidos prostrados se submetem
Assim cegos a tanta majestade;
E da triste prisĂŁo, da escuridade,
Cheios de medo, por fugir remetem.Porém se então me vedes por acerto,
Esse ĂĄspero desprezo com que olhais
Me torna a animar a alma enfraquecida.Oh gentil cura! Oh estranho desconcerto!
Que dareis c’ um favor que vĂłs nĂŁo dais,
Quando com um desprezo me dais vida?
Pois pera ti os bens todos nasceram.
Quem Jaz no GrĂŁo Sepulcro
Quem jaz no grĂŁo sepulcro, que descreve
TĂŁo ilustres sinais no forte escudo?
Ninguém, que nisso, enfim, se torna tudo;
Mas foi quem tudo pĂŽde e quem tudo teve.Foi Rei? Fez tudo quanto a Rei deve:
PĂŽs na guerra e na paz devido estudo.
Mas quĂŁo pesado foi ao Mouro rudo,
Tanto lhe seja agora a terra leve.Alexandre serå? Ninguém se engane:
Mais que o adquirir, o sustentar estima.
SerĂĄ Adriano grĂŁo senhor do mundo?Mais observante foi da Lei de cima.
Ă Numa? Numa nĂŁo, mas Ă© Joane
De Portugal Terceiro sem Segundo.
Vivo em Lembranças, Morro de Esquecido
Doces lembranças da passada glória,
Que me tirou fortuna roubadora,
Deixai-me descansar em paz uma hora,
Que comigo ganhais pouca vitĂłria.Impressa tenho na alma larga histĂłria
Deste passado bem, que nunca fora;
Ou fora, e nĂŁo passara: mas jĂĄ agora
Em mim não pode haver mais que a memória.Vivo em lembranças, morro de esquecido
De quem sempre devera ser lembrado,
Se lhe lembrara estado tĂŁo contente.Oh quem tornar pudera a ser nascido!
Soubera-me lograr do bem passado,
Se conhecer soubera o mal presente.