Males, que Contra Mim vos Conjurastes
Males, que contra mim vos conjurastes,
Quanto hĂĄ-de durar tĂŁo duro intento?
Se dura, por que dure meu tormento,
Baste-vos quanto jĂĄ me atormentastes.Mas se assim porfiais, porque cuidastes
Derribar o meu alto pensamento,
Mais pode a causa dele, em que o sustento,
Que vós, que dela mesma o ser tomastes.E pois vossa tenção com minha morte
Ă de acabar o mal destes amores,
Dai jĂĄ fim a tormento tĂŁo comprido.Assim de ambos contente serĂĄ a sorte:
Em vĂłs por acabar-me, vencedores,
Em mim porque acabei de vĂłs vencido.
Passagens de LuĂs de CamĂ”es
351 resultadosà glória de mandar! à vã cobiça
Desta vaidade a que chamamos fama!
Enfim, vi as pastoras tĂŁo fermosas
Que o Amor de si mesmo se temia;
Mas mais temia o pensamento, falto
De nĂŁo ser pera ter temor tĂŁo alto.
Que Modo TĂŁo Sutil Da Natureza
Que modo tĂŁo sutil da natureza,
para fugir ao mundo, e seus enganos,
permite que se esconda em tenros anos,
debaixo de um burel tanta beleza!Mas esconder se nĂŁo pode aquela alteza
e gravidade de olhos soberanos,
a cujo resplandor entre os humanos
resistĂȘncia nĂŁo sinto, ou fortaleza.Quem quer livre ficar de dor e pena,
vendo a ou trazendo a na memĂłria,
da mesma razĂŁo sua se condena.Porque quem mereceu ver tanta glĂłria,
cativo hĂĄ de ficar; que Amor ordena
que de juro tenha ela esta vitĂłria.
Lei Ă© da Natureza
Mudar-se desta sorte o tempo leve:
Suceder Ă beleza
Da Primavera, o fruto; Ă calma, a neve;
E tornar outra vez, por certo fio,
Outono, Inverno, Primavera, Estio.
Com Tornar-vos a Ver Amor me Cura
Ferido sem ter cura perecia
O forte e duro Télefo temido
Por aquele que na ĂĄgua foi metido,
E a quem ferro nenhum cortar podia.Quando a apolĂneo OrĂĄculo pedia
Conselho para ser restituĂdo,
Respondeu-lhe, tornasse a ser ferido
Por quem o jĂĄ ferira, e sararia.Assim, Senhora, quer minha ventura,
Que ferido de ver-vos claramente,
Com tornar-vos a ver Amor me cura.Mas Ă© tĂŁo doce vossa formosura,
Que fico como o hidrĂłpico doente,
Que bebendo lhe cresce mor secura.
Aos olhos de Helena.
………………..
Faz serras floridas,
Faz claras as fontes:
Se isto faz nos montes,
Que farĂĄ nas vidas?
TrĂĄ-las suspendidas,
Como ervas em molhos,
Na luz de seus olhos.
O verdadeiro sĂĄbio estĂĄ seguro
De leves alegrias e de espanto
De dor, que turba da alma o licor puro.
Olhos Fermosos, Em Quem Quis Natura
Olhos fermosos, em quem quis Natura
mostrar do seu poder altos sinais,
se quiserdes saber quanto possais,
vede-me a mim, que sou vossa feitura.Pintada em mim se vĂȘ vossa figura,
no que eu padeço retratada estais;
que, se eu passo tormentos desiguais,
muito mais pode vossa fermosura.De mim nĂŁo quero mais que o meu desejo:
ser vosso; e sĂł de ser vosso me arreio,
porque o vosso penhor em mim se assele.!TĂŁo me lembro de mim quando vos vejo,
nem do mundo; e nĂŁo erro, porque creio,
que, em lembrar-me de vĂłs, cumpro com ele.
Ainda que minha alma em vĂłs se enleva,
Em todo o tempo nĂŁo deixa de arder,
Quando o monte arde em calma, ou quando neva.
Eu Cantarei De Amor TĂŁo Docemente
Eu cantarei de amor tĂŁo docemente,
por uns termos em si tĂŁo concertados,
que dous mil acidentes namorados
faça sentir ao peito que não sente.Farei que amor a todos avivente,
pintando mil segredos delicados,
brandas iras, suspiros namorados,
temerosa ousadia e pena ausente.Também, Senhora, do desprezo honesto
de vossa vista branda e rigorosa,
contentar me hei dizendo a menos parte.Porém, para cantar de vosso gesto
a composição alta e milagrosa,
aqui falta saber, engenho e arte.
Um Mover D’olhos, Brando E Piadoso
Um mover d’olhos, brando e piadoso,
sem ver de quĂȘ; um riso brando e honesto,
quase forçado; um doce e humilde gesto,
de qualquer alegria duvidoso;um despejo quieto e vergonhoso;
um repouso gravĂssimo e modesto;
ĂŒa pura bondade, manifesto
indĂcio da alma, limpo e gracioso;um encolhido ousar; ĂŒa brandura;
um medo sem ter culpa; um ar sereno;
um longo e obediente sofrimento;esta foi a celeste fermosura
da minha Circe, e o mĂĄgico veneno
que pĂŽde transformar meu pensamento.
Se Tomar Minha Pena Em PenitĂȘncia
Se tomar minha pena em penitĂȘncia
do erro em que caiu o pensamento,
nĂŁo abranda, mas dobra meu tormento,
a isto, e a mais, obriga a paciĂȘncia.E se ĂŒa cor de morto na aparĂȘncia,
um espalhar suspiros vĂŁos ao vento,
em vĂłs nĂŁo faz, Senhora, movimento,
fique meu mal em vossa consciĂȘncia.E se de qualquer ĂĄspera mudança
toda a vontade isenta Amor castiga
(como eu vi bem no mal que me condena);e se em vĂłs nĂŁo s’entende haver vingança,
serå forçado (pois Amor me obriga)
que eu sĂł de vossa culpa pague a pena.
Em Amor nĂŁo hĂĄ SenĂŁo Enganos
Suspiros inflamados que cantais
A tristeza com que eu vivi tĂŁo cedo;
Eu morro e nĂŁo vos levo, porque hei medo
Que ao passar do Leteo vos percais.Escritos para sempre jĂĄ ficais
Onde vos mostrarĂŁo todos co’o dedo,
Como exemplo de males; e eu concedo
Que para aviso de outros estejais.Em quem, pois, virdes largas esperanças
De Amor e da Fortuna (cujos danos
Alguns terão por bem-aventuranças),Dizei-lhe que os servistes muitos anos,
E que em Fortuna tudo são mudanças,
E que em Amor nĂŁo hĂĄ senĂŁo enganos.
Ă gente que a natura
Vizinha fez de meu paterno ninho,
Que destino tĂŁo grande ou que ventura
Vos trouxe acometerdes tal caminho?
Agora se vĂȘ claro em teus primores
Que em ti se esmerou mais a Natureza;
E que eram os seus cantos profecias
Do que havias de ser em nossos dias.
Num Jardim Adornado De Verdura
Num jardim adornado de verdura,
a que esmaltam por cima vĂĄrias flores,
entrou um dia a deusa dos amores,
com a deusa da caça e da espessura.Diana tomou logo ĂŒa rosa pura,
VĂ©nus um roxo lĂrio, dos milhores;
mas excediam muito Ă s outras flores
as violas, na graça e fermosura.Perguntam a Cupido, que ali estava,
qual daquelas trĂȘs flores tomaria,
por mais suave, pura e mais fermosa?Sorrindo se, o Minino lhe tornava:
todas fermosas sĂŁo, mas eu queria
V i o l ‘a n t e s que lĂrio, nem que rosa.
Como Fizeste, PĂłrcia, Tal Ferida?
Como fizeste, PĂłrcia, tal ferida?
Foi voluntĂĄria, ou foi por inocĂȘncia?
-Mas foi fazer Amor experiĂȘncia
se podia sofrer tirar me a vida.-E com teu prĂłprio sangue te convida
a nĂŁo pores Ă vida resistĂȘncia?
-Ando me acostumando Ă paciĂȘncia,
porque o temor a morte nĂŁo impida.-Pois porque comes, logo, fogo ardente,
se a ferro te costumas?-Porque ordena
Amor que morra e pene juntamente.E tens a dor do ferro por pequena?
-Si: que a dor costumada nĂŁo se sente;
e eu nĂŁo quero a morte sem a pena.
Por Sua Ninfa, Céfalo Deixava
Por sua Ninfa, Céfalo deixava
Aurora, que por ele se perdia,
posto que dĂĄ princĂpio ao claro dia,
posto que as roxas flores imitava.Ele, que a bela PrĂłcris tanto amava
que sĂł por ela tudo enjeitaria,
deseja de atentar se lhe acharia
tão firme fé como nele achava.Mudado o trajo, tece o duro engano:
outro se finge, preço pÔe diante,
quebra se a fé mudåvel, e consente.à engenho sutil para seu dano!
Vede que manhas busca um cego amante
para que sempre seja descontente!
Quem pode livre ser, gentil Senhora,
Quem pode livre ser, gentil Senhora,
Vendo-vos com juĂzo sossegado,
Se o Menino que de olhos Ă© privado
Nas meninas de vossos olhos mora?Ali manda, ali reina, ali namora,
Ali vive das gentes venerado;
Que o vivo lume e o rosto delicado
Imagens sĂŁo nas quais o Amor se adora.Quem vĂȘ que em branca neve nascem rosas
Que fios crespos de ouro vĂŁo cercando,
Se por entre esta luz a vista passa,Raios de ouro verĂĄ, que as duvidosas
Almas estĂŁo no peito trespassando
Assim como um cristal o Sol trespassa.