O amor causa verdadeiros levantamentos geológicos do pensamento.
Passagens de Marcel Proust
104 resultadosAfastou-se desculpando-se e regressou a casa, feliz de que a satisfação de sua curiosidade houvesse deixado inato o seu amor e, depois de haver por tanto tempo dissimulado uma espécie de indiferença para com Odette, não lhe ter dado, com uma demonstração de ciúme, a prova de que a amava demasiado, o que, entre dois amantes, dispensa para sempre, àquele que a recebe, de amar o suficiente.
Às vezes, sem o sabermos, o futuro está em nós, e as nossas palavras supostamente mentirosas descrevem uma realidade que está próxima.
Os dados reais da vida não têm valor para o artista, são unicamente um ensejo para manifestar o seu génio.
Acreditar na medicina seria a suprema loucura se não acreditar nela não fosse uma maior ainda, pois desse acumular de erros, com o tempo, resultaram algumas verdades.
Parece-nos inocente desejar e atroz que o outro deseje.
O ciúme é muitas vezes uma necessidade inquieta de tirania aplicada às coisas do amor.
É espantoso como o ciúme, que passa o tempo a fazer pequenas suposições erradas, tem pouca imaginação quando se trata de descobrir a verdade.
Uma vez descoberto, o ciúme é considerado por aquele que é seu objeto como uma desconfiança que autoriza o engano.
Apenas amamos o que não possuímos por inteiro.
São as paixões que esboçam os nossos livros, e o intervalo de repouso entre elas que as escreve.
A Memória da Leitura
Não há talvez dias da nossa infância que tenhamos tão intensamente vivido como aqueles que julgámos passar sem tê-los vivido, aqueles que passámos com um livro preferido. Tudo quanto, ao que parecia, os enchia para os outros, e que afastávamos como um obstáculo vulgar a um prazer divino: a brincadeira para a qual um amigo nos vinha buscar na passagem mais interessante, a abelha ou o raio de sol incomodativos que nos obrigavam a erguer os olhos da página ou a mudar de lugar, as provisões para o lanche que nos obrigavam a levar e que deixávamos ao nosso lado no banco, sem lhes tocar, enquanto, sobre a nossa cabeça, o sol diminuía de intensidade no céu azul, o jantar que motivara o regresso a casa e durante o qual só pensávamos em nos levantarmos da mesa para acabar, imediatamente a seguir, o capítulo interrompido, tudo isto, que a leitura nos devia ter impedido de perceber como algo mais do que a falta de oportunidade, ela pelo contrário gravava em nós uma recordação de tal modo doce (de tal modo mais preciosa no nosso entendimento actual do que o que líamos então com amor) que, se ainda hoje nos acontece folhear esses livros de outrora,
As pessoas dizem sempre aquilo que precisam de dizer, o que não será entendido pelos outros; falar é uma coisa destinada a si mesmo.
A natureza parece quase incapaz de produzir doenças que não sejam curtas. Mas a medicina encarrega-se da arte de prolongá-las.
Só se ama o que não se possui completamente.
A sabedoria não se transmite, é preciso que nós a descubramos fazendo uma caminhada que ninguém pode fazer em nosso lugar e que ninguém nos pode evitar, porque a sabedoria é uma maneira de ver as coisas.
Não podemos ler um romance sem emprestar à heroína os traços daquela a quem amamos.
Para quem ama, não será a ausência a mais certa, a mais eficaz, a mais intensa, a mais indestrutível, a mais fiel das presenças ?
O nosso eu é edificado pela superposição de estados sucessivos. Mas essa superposição não é imutável, como a estratificação de uma montanha. Levantamentos contínuos fazem aflorar à superfície camadas antigas.
A pessoa amada é sucessivamente o mal e o remédio, que suspende ou agrava o mal.