Poemas sobre Canto de Eugénio de Andrade

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Procuro-te

Procuro a ternura sĂșbita,
os olhos ou o sol por nascer
do tamanho do mundo,
o sangue que nenhuma espada viu,
o ar onde a respiração é doce,
um pĂĄssaro no bosque
com a forma de um grito de alegria.

Oh, a carĂ­cia da terra,
a juventude suspensa,
a fugidia voz da ĂĄgua entre o azul
do prado e de um corpo estendido.

Procuro-te: fruto ou nuvem ou mĂșsica.
Chamo por ti, e o teu nome ilumina
as coisas mais simples:
o pĂŁo e a ĂĄgua,
a cama e a mesa,
os pequenos e dĂłceis animais,
onde também quero que chegue
o meu canto e a manhĂŁ de maio.

Um pĂĄssaro e um navio sĂŁo a mesma coisa
quando te procuro de rosto cravado na luz.
Eu sei que hå diferenças,
mas nĂŁo quando se ama,
nĂŁo quando apertamos contra o peito
uma flor ĂĄvida de orvalho.

Ter sĂł dedos e dentes Ă© muito triste:
dedos para amortalhar crianças,
dentes para roer a solidĂŁo,
enquanto o verão pinta de azul o céu
e o mar Ă© devassado pelas estrelas.

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Rosto Afogado

Para sempre um luar de naufrĂĄgio
anunciarĂĄ a aurora fria.
Para sempre o teu rosto afogado,
entre retratos e vendedores ambulantes,
entre cigarros e gente sem destino,
flutuarĂĄ rodeado de escamas cintilantes.

Se me pudesse matar,
seria pela curva doce dos teus olhos,
pela tua fronte de bosque adormecido,
pela tua voz onde sempre amanhecia,
pelos teus cabelos onde o rumor da sombra
era um rumor de festa,
pela tua boca onde os peixes se esqueciam
de continuar a viagem nupcial.
Mas a minha morte Ă© este vaguear contigo
na parte mais débil do meu corpo,
com uma espinha de silĂȘncio
atravessada na garganta.

Não sei se te procuro ou se me esqueço
de ti quando acaso me debruço
nuns olhos subitamente acesos
ao dobrar de uma esquina,
na boca dos anjos embriagados
de tanta solidĂŁo bebida pelos bares,
nas mĂŁos levemente adolescentes
poisadas na indolĂȘncia dos joelhos.
Quem me dirĂĄ que nĂŁo Ă© verdade
o teu rosto afogado, o teu rosto perdido,
de sombra em sombra, nas ruas da cidade?

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